Paraná: balanço econômico de 2014

Gilmar Mendes Lourenço
Gilmar Mendes Lourenço

Como nenhuma instância subnacional pode representar o papel de ilha de prosperidade em um oceano de crise, o Paraná começou a identificar, especialmente a partir segundo semestre de 2013, algumas pedras no caminho de seu desenvolvimento econômico e social. Em outras palavras, o panorama adverso que vem assolando a matriz produtiva nacional, desde o princípio de 2011, e que parecia poupar unidades federadas com abrangentes, diversificadas e sólidas âncoras de negócios, se reproduziu com força por essas paragens.

A instabilidade chegou ao Estado em consequência do contágio exercido pela morosa recuperação da economia mundial, mais precisamente do default financeiro de 2008, pela queda das cotações internacionais das commodities agrícolas e pela ausência de uma orientação macroeconômica consistente do executivo federal, notadamente depois de agosto de 2011, quando começou a ser aplicada uma política econômica intervencionista que inibiu o investimento.

O quadro menos animador foi agravado localmente pelo caos produtivo e inflacionário da Argentina, importante destino das vendas externas do Estado, e pela estiagem do final de 2013 e começo de 2014, que afetou o desempenho da safra de verão, notadamente as lavouras de milho e de soja, não compensado pelo excelente resultado obtido pelas culturas de inverno.

Mais que isso, após três anos ininterruptos de expansão, o aparelho econômico operante no Paraná amargou resultados ruins em 2014. O Produto Interno Bruto (PIB) regional variou apenas 0,3% entre janeiro e setembro de 2014, contra 0,2% para a média nacional, ancorado no setor de serviços, o que define um padrão de crescimento qualitativamente inferior. Isso depois de ter evoluído 3,8% ao ano entre 2011 e 2013, versus acréscimo de 2,1% a. para o agregado brasileiro.

Na mesma linha, o emprego industrial caiu 4,2% no Paraná, contra 3% no Brasil, e o volume de vendas do comércio varejista declinou 3,1%, versus redução de 1,5% para a média do País, no período janeiro-outubro de 2014.

A produção da indústria recuou 6,1% no Estado, contra declínio de 3% para o País, em idêntico intervalo, com o Paraná encabeçando a performance cadente do País, puxada pelos segmentos mais articulados ao agronegócio e aos parques de material de transporte, elétrico, máquinas e equipamentos e produtos químicos.

Aliás, a retração na indústria é, ao mesmo tempo, causa e consequência da fragilização das trocas comerciais do Estado com o resto do mundo. Houve queda de 10,1% no valor exportado, entre janeiro e novembro de 2014, ante diminuição de 6,1% para o Brasil, determinada pela performance negativa dos complexos de alimentos e automóveis. Já as cifras de importações encolheram 9,6%, contra 4,3% para o País, influenciadas por petróleo, material de transporte e insumos do agronegócio.

É prudente reconhecer, em uma atmosfera tão inóspita, tratar-se de um fenômeno conjuntural, motivado, em grande medida, por fatores que escapam ao controle dos agentes econômicos e políticos paranaenses. Estes, por sinal, acumularam trunfos, ou elementos de mudanças e oportunidades, nos últimos quatro anos, que podem ser maximizados na tarefa de superação da situação contracionista.

De fato, a avaliação quase consensual dos meios especializados dá conta de que o Estado do Paraná conseguiu construir, no intervalo de tempo compreendido entre 2011 e 2014, um conjunto de mecanismos e instituições capazes de assegurar um novo salto econômico, à semelhança do ocorrido em outros três momentos de sua história, expressos na implantação da infraestrutura, na década de 1960; na modernização agrícola e agroindustrial, instalação e consolidação da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) e atração da refinaria de petróleo da Petrobrás, nos anos de 1970; e no ciclo de diversificação do segundo quinquênio de 1990, liderado pela renovação do complexo automotivo.

Essa perspectiva de mutação, desenhada nos tempos atuais, é resultado da montagem de um novo arranjo institucional, amparado em profundo, e transparente, diálogo entre governo e demais atores sociais por aqui atuantes que, ao ensejar a formação de um clima de estabilidade de regras e segurança jurídica dos contratos, e promover a recolocação do Estado no mapa decisório dos investidores globais e nacionais, favoreceu a multiplicação dos negócios.

Entre os fatores de transformação sobressai, em primeiro lugar, a vitalidade do mercado de trabalho regional. Estatísticas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam saldo líquido de 393 mil contratações formais no Paraná entre janeiro de 2011 e novembro de 2014. Foi a quarta maior geração de vagas com carteira assinada do País (7,4% do total), sendo 70,7% delas contabilizadas no interior, contra 60,8% entre 2003 e 2010, o que sinaliza o delineamento, ainda que incipiente, de um processo de desconcentração geográfica do produto social.

Entre janeiro e novembro de 2014, o Estado produziu 89,7 mil postos, que representaram 9,6% das ocupações nacionais, situando-se em terceiro lugar no ranking da federação, atrás de São Paulo e Santa Catarina, com abertura de 76,6% das oportunidades fora da Região Metropolitana de Curitiba (RMC).

A segunda potencialidade engloba a retaguarda industrial e empresarial complexa, diversificada e eficiente disponível no Estado. Desde a entrada em operação das montadoras e a maturação dos investimentos em verticalização da agroindústria cooperativa e em modernização das cadeias de madeira e papel, realizados entre 1995 e 2002, o Estado passou a dividir com Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, o posto de terceira indústria de transformação do Brasil, atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais.

A terceira “carta na manga” abarca o poder de garimpagem de empreendimentos. O Paraná contabilizou portfólio de mais de R$ 35 bilhões em projetos de investimentos industriais privados, nacionais e multinacionais, atraídos pelo Programa Paraná Competitivo, desde fevereiro de 2011, contra pouco de mais de R$ 16 bilhões entre 2003 e 2010, quando potenciais interessados foram desprezados. Trata-se da maior carteira do País, quando realizado o exercício de cotejo com a amplitude econômica estadual, replicado para as outras unidades federativas.

Não por acaso, a terceira edição do ranking de gestão e competitividade dos estados brasileiros, referente ao ano de 2014, preparada pela empresa de pesquisa da revista britânica The Economist, apurou que o Paraná suplantou Rio Grande do Sul e Minas Gerais em clima de negócios e capacidade de atração de inversões, entre 2011 e 2013, passando da quinta para a terceira posição no certame nacional, depois de São Paulo e Rio de Janeiro.

De acordo com aquele trabalho, o Paraná é o primeiro em ambiente econômico e exibiu avanços nas exportações do agronegócio, na renda per capita, nos dispêndios realizados pelo setor privado em pesquisa e desenvolvimento, na qualidade da rede de comunicações e da malha rodoviária e nos estímulos fiscais direcionados às políticas ambientais.

Merece destaque também, como suporte à impulsão econômica, as múltiplas e pulverizadas incursões da Fomento Paraná, a inserção e presença financeira do BRDE, o poder de interiorização das obras infraestruturais e dos projetos agroindustriais, e a rede de universidades e faculdades estaduais, neste caso para o fortalecimento das vocações e o desenvolvimento das aptidões regionais, principalmente daqueles espaços com menor densidade industrial e indicadores sociais inferiores à média do Estado.

Por fim, a eliminação dos componentes de perturbação e a otimização dos pontos fortes à retomada da escalada econômica do Paraná requerem o acionamento conjugado de, ao menos, três aspectos estruturais e virtuosos. O primeiro diz respeito à concretização de um rearranjo da gestão de curto prazo da macroeconomia brasileira, que promova o controle da inflação, das finanças públicas e das contas externas, e ao encaminhamento das reformas institucionais essenciais à elevação da produtividade da base produtiva nacional.

O segundo ente compreende a perseguição do abrandamento das limitações da capacidade de gasto e investimento público, por meio de programas e iniciativas voltadas à redução estrutural de despesas e melhoria da eficiência arrecadatória. O Tesouro Estadual vem enfrentando percalços financeiros nada desprezíveis, especialmente desde o segundo semestre de 2013, pressionado por algumas fontes episódicas de alargamento de dispêndios, como a impulsão do montante da folha de salários dos funcionários públicos, devido a majorações inerciais, herdadas da gestão antecedente.

Tal restrição foi maximizada com a priorização à educação e a contratação de mais de 17 mil profissionais de ensino, em menos de três anos, a ampliação da jornada extraclasse e a promoção da equalização salarial dos professores com os demais servidores de nível superior do governo do Estado.

O panorama fiscal menos empolgante também sofreu influência do menor incremento do potencial de receita tributária, estimado em mais de R$ 2 bilhões por ano, em decorrência dos efeitos da redução dos encargos federais incidentes sobre as tarifas de energia elétrica (principal fonte de ICMS no Estado), da extinção da contribuição de intervenção sobre o domínio econômico (CIDE), cobrada sobre comercialização de combustíveis, e da queda dos repasses do fundo de participação, provocada pelo declínio da arrecadação do IPI, consequência da diminuição das alíquotas para uma cesta de bens de consumo duráveis e de materiais de construção.

Adicione-se a interferência do exíguo empenho de representantes paranaenses, integrantes da administração federal, nas tarefas de reversão da tendência decrescente das despesas da União no Estado, mesmo com a abundância de propostas e projetos, e obtenção de autorização da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para a liberação dos financiamentos aprovados junto às entidades multilaterais de crédito e ao BNDES.

O endividamento do governo paranaense, estimado em R$ 15 bilhões, compromete menos de 60% da receita corrente líquida, sendo a menor proporção entre as unidades do Sul e do Sudeste brasileiro (exceto Espírito Santo), contra 86,5% em 2010, 78,4% da média nacional, e mais de 150% para Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Por esse indicador, o Estado estaria apto ao recebimento das garantias e autorizações federais para a finalização dos atos de contratação dos empréstimos pleiteados desde o início de 2011, cruciais para a elevação da taxa de investimento público.

Exatamente por isso, o terceiro eixo da reativação econômica sustentada do Paraná repousa na inversão do quadro de tímida influência regional na órbita federal, imprescindível para a implementação de aprimoramentos na oferta de infraestrutura econômica e social, além daqueles vinculados à ciência e tecnologia, com pronunciada presença e participação do setor privado. Só assim será factível a diminuição do Custo Paraná e a ampliação da eficiência produtiva da microeconomia do Estado.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, economista, diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social IPARDES e professor da FAE Centro Universitário.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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