Radiografia da economia brasileira antes das eleições
Estatísticas recentes revelam que as incertezas políticas e as estripulias fiscais pretéritas representam as principais barreiras enfrentadas pela economia brasileira para a superação do ciclo recessivo, acontecido entre 2014 e 2016, eliminação definitiva do ponto de inflexão produzido pela greve dos caminhoneiros, em maio de 2018, e retomada da discreta recuperação esboçada desde o segundo trimestre de 2017, em resposta, fundamentalmente, à combinação entre bônus internacional e trunfos domésticos associados à consistente queda da inflação e dos juros.
Um exame dos humores dos agentes permite verificar que os indicadores de confiança empresarial, industrial e comercial, mensurados, respectivamente, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação Nacional do Comércio (CNC), situam-se em níveis bastante inferiores aqueles registrados em abril-maio do corrente ano. A intenção de consumo das famílias, também da CNC, segue tendência semelhante, ainda que mais branda.
Já a expectativa do consumidor, levantada pela CNI, denota patamar mais elevado, o que pode imputado à queda do medo do desemprego e ampliação da satisfação com a vida, anotada entre julho e setembro, pela sondagem da CNI, e ao encolhimento do endividamento e inadimplência das famílias, constatado no mês de setembro de 2018 pela CNC. Ainda assim, o temor com o desemprego segue bastante acima da média histórica e a satisfação com a vida abaixo.
De seu turno, na cesta de indicadores correntes persistem apreensões quanto ao delineamento de um curso ascendente dos negócios. O índice de atividade econômica do Banco Central (IBC-Br), prévia do produto interno bruto (PIB), acusou expansão por três meses consecutivos, entre junho e agosto de 2018, acumulando variação de 1,3% no ano e 1,5% em doze meses.
A produção industrial, acompanhada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), depois de amargar recuo em junho de 2018, plenamente resgatado em julho, voltou a decrescer em agosto, acumulando subida de 2,5% no ano, puxada por bens de consumo duráveis e de capital, reflexo da diminuição, mesmo que branda, do custo do crédito para consumo e investimento. Apesar de contrair 16,4% em maio, o faturamento do setor industrial, com desconto da inflação, cresceu 5,5% entre janeiro e agosto, segundo da CNI.
Em paralelo, o volume de vendas do comércio varejista, igualmente medido pelo IBGE, após exibir sinal positivo, em junho, e negativo, em julho, apresentou acentuada impulsão em agosto de 2018, contabilizando incremento de quase 7,0% no ano, ancorado em veículos, supermercados e hipermercados e material de construção, em virtude da melhora das condições de crédito e abrandamento do ainda enorme desemprego: 12,7 milhões de pessoas ou 27,5 milhões, se incluída a subutilização e o desalento.
Depois de fechar quase 2,9 milhões de vagas com carteira assinada, entre 2015 e 2017, o mercado de trabalho criou 719,0 mil postos líquidos, entre janeiro e setembro de 2018, amparado em serviços, indústria de transformação, construção civil e agropecuária, conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho.
Enquanto isso, o volume de serviços, responsável pela geração de mais de 60,0% do PIB, também investigado pelo IBGE, embora tenha expressado avanço em agosto, permanece esboçando comportamento instável, com queda de 0,5% no ano, motivada pelo recuo de 0,9% nos serviços prestados às famílias, ainda reproduzindo o elevado volume de desocupação da mão de obra e o encurtamento das remunerações reais, sendo este último explicado pela alteração do patamar inflacionário, depois da paralisação do transporte rodoviário de cargas, de menos 3,0% ao ano para 4,5% a.a.
Na fronteira externa, exportações e importações observaram acréscimo de 9,2% e 21,6%, respectivamente entre janeiro e setembro de 2018, em relação a idêntico período de 2017, fruto do prosseguimento da reação da economia global e da recomposição, mesmo que modesta, da absorção doméstica (consumo privado e investimento).
Porém, o nó górdio ao retorno do crescimento sustentado no país repousa no descontrole das finanças governamentais, elemento determinante da deterioração da capacidade de gasto e investimento público. O setor público brasileiro padece com déficit, dívida líquida e endividamento bruto de 7,4% do PIB, 51,2% do PIB e 77,3% do PIB, respectivamente.
Tal anomalia sinaliza que, na ausência das reformas institucionais (tributária, previdenciária, fiscal, administrativa, patrimonial, financeira e do judiciário) imprescindíveis à restauração da funcionalidade e do equilíbrio financeiro do estado brasileiro e, por extensão, à devolução da capacidade competitiva da microeconomia, a economia nacional estará irremediavelmente condenada à estagnação, independentemente de quem vença o pleito eleitoral presidencial de 28 de outubro de 2018.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, professor da FAE Business School e ex-diretor presidente do IPARDES.