Nova rodada de corte da Selic e diagnóstico do Copom
Ao promover a 11ª queda consecutiva da taxa Selic, referência para a rolagem da dívida pública e transações interbancárias, no encontro de 07 de fevereiro de 2018, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), reconheceu a consolidação da sintonia fina entre ambiente de desinflação e raquítica recuperação da economia brasileira.
Mais precisamente, os chamados juros primários despencaram de 14,25% ao ano, em outubro de 2016, para 6,75% a.a., em janeiro de 2018, alcançado o menor patamar desde 1986, quando teve início a série histórica levantada mensalmente pela autoridade monetária. Lembre-se que a Selic recuou de 12,5% a.a., em julho de 2011, para 7,25% a.a., em outubro de 2012 – quando o BC preferiu fazer as vontades da presidente da república -, mantendo-se assim até abril de 2013, quando recobrou a tendência ascendente até atingir 14,25% a.a., entre julho de 2015 e outubro de 2016.
A trajetória ladeira abaixo dos juros está diretamente atrelada à perda de ímpeto dos reajustes de preços. O índice nacional de preços ao consumidor amplo (IPCA) – calculado pelo IBGE e base para o regime de metas, fixado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) desde 1999 – declinou de 7,87% a.a., em outubro de 2016, para 2,85%, em doze meses findos em janeiro de 2018.
Embora caindo de 5,9% para 3,6%, no intervalo em pauta, os juros reais anuais ainda ocupam a 5ª posição no certame mundial, perdendo apenas para Argentina, Turquia, Rússia e México, e, o que é pior voam em altitude bastante acima dos níveis internacionais. A esse respeito, convém sublinhar que Europa, Estados Unidos (EUA) e Japão operam com taxas negativas.
A conjugação entre pronunciada concentração técnica do sistema financeiro brasileiro e enorme dívida pública explica tanto a discrepância entre juros domésticos e aqueles aplicados nas praças externas quanto a não transmissão plena sucessivos cortes da Selic aos tomadores finais das linhas de crédito para consumo das famílias e giro dos negócios.
As modalidades crédito pessoal, rotativo no cartão de crédito e capital de giro cobram 44,3% a.a., 334,6% a.a. e 17,9% a.a., respectivamente. Enquanto isso, o spread (diferença entre o preço do dinheiro na ponta e o custo de captação) continua no pico: 18,9% a.a., no total, sendo 9,8% a.a., para empresas, e 25,4% a.a., para consumidores.
Porém, além da consideração do cenário de marcha descendente da inflação e fraqueza na retomada da produção e dos negócios, nas escolhas estratégicas feitas na primeira reunião de 2018, o Copom rechaçou, na prática, as prospecções sombrias realizadas por parte dos experts estrangeiros e tupiniquins, a partir do recente alvoroço nos mercados de ações em escala planetária, reproduzindo especulações acerca do caráter “inevitável” da elevação dos juros globais, de forma a frear especialmente o “superaquecimento” da economia norte-americana e as pressões inflacionárias dele decorrentes.
Apenas a título de ilustração, os EUA registram variação anualizada de 2,4% do produto interno bruto (PIB), 2,1% dos preços e taxa de desemprego de 4,1% da população economicamente ativa (PEA), em contraste com o incremento de 5,0% a.a. do PIB, nos anos 1990, caracterizando o maior ciclo expansivo do pós-guerra, com inflação anual de 3,0% e desemprego inferior a 3,0% da PEA.
Portanto, o recado cifrado do BC aos “profetas do pior” – ao deixar visível na “área de serviço” o tão aguardado, por muitos, estágio de interrupção do movimento virtuoso da economia mundial, que já dura quase nove anos e é o segundo maior desde a segunda guerra – baseia-se na aposta de ausência de crise externa em 2018.
E se o diagnóstico da autoridade estiver equivocado e os juros globais tiverem que ser catapultados para a contenção da generalização das tensões inflacionárias provocadas pela expansão da produção e emprego no mundo? O que o Brasil deverá fazer sem a muleta exógena? Rigorosamente as mesmas coisas que já deveria estar executando: ajuste fiscal, resgate da confiança privada e criação de condições objetivas para a restauração do investimento em infraestrutura econômica e social.
Afinal de contas, o capitalismo é assim mesmo. Enquanto lá fora as expectativas de subida de juros abalam as bolsas, aqui dentro a judicialização da política e a politização do judiciário, protagonizadas pela abrangente e sólida “banda podre” do executivo e legislativo, são portadoras de substancial poder de destruição dos frágeis alicerces da economia.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, professor da FAE Business School e ex-diretor presidente do IPARDES.