Economia brasileira: da recuperação da pandemia à nova estagnação

Decerto que a escalada totalitária e golpista liderada pela retórica do presidente da república, por ocasião do aniversário de 199 anos da independência do Brasil, representou relevante elemento de perturbação e até bloqueio do estado de revigoramento da economia nacional, propiciado notadamente pela aceleração, ainda que tortuosa, da vacinação contra o vírus pandêmico.

Mais que isso, ao abalar a confiança e as decisões de investimento, a demonstração de fúria das legiões bolsonaristas, excitadas por mídias digitais e mobilizadas nas ruas, serviu para agudizar a situação de estagnação da economia brasileira, amargada desde o fim da maior recessão da história, no principio de 2017.

A perda de embalo pode ser evidenciada pelo discreto recuo de -0,1% do produto interno bruto (PIB), no 2º trimestre de 2021, em confronto com o intervalo imediatamente anterior, que interrompeu a marcha de recuperação observada ao longo do 2º semestre de 2020 e 1º trimestre de 2021. O índice de atividade econômica do Banco Central (IBC-Br), uma espécie de indicador antecedente do PIB, subiu 0,6%, em julho, e diminuiu -0,02%, no trimestre móvel.

Em idêntico sentido, a produção industrial acusou variação nula (0,0%), em julho de 2021, em relação a junho, depois de crescer 1,4%, no mês de maio, quando inverteu uma trajetória de três meses seguidos de declínio, acumulado de -4,7%, de acordo com o IBGE.

Enquanto isso, o volume de vendas do comércio varejista ampliado (que incorpora veículos, motos e materiais de construção) aumentou 1,1%, em julho, recompondo metade do encolhimento de -2,1%, mensurado em junho. Também houve queda da média móvel trimestral de 1,6%, em junho, para 0,7%, em julho.

Já o volume de serviços prestados exibiu incremento de 1,1%, em julho de 2021, no cotejo com junho, atingindo patamar 3,9% superior ao de antes do surto, em fevereiro de 2020, também o maior desde março de 2016, ápice da recessão na administração de Dilma Rousseff.

média móvel trimestral subiu 1,6% em julho de 2021, em prosseguimento à marcha crescente, iniciada em julho de 2020. Ainda assim, a atividade do setor funciona 7,7% abaixo do recorde histórico, acontecido em fevereiro de 2014, e os serviços prestados às famílias operam em degrau 23,2% inferior ao imediatamente anterior ao surgimento da pandemia.

Esse desempenho pouco animador contrasta com o estágio positivo vivenciado pelas economias avançadas e a esmagadora maioria dos mercados emergentes e com as expectativas triunfalistas manifestadas pelo ministério da Economia e parcela dos meios especializados domésticos.

Por uma interpretação comparativa direta, o resultado frustrante e descolado daquele experimentado pelo resto do mundo, pode ser imputado à lentidão do processo de imunização da população contra o Sars-CoV-2, no período em tela, especialmente em caráter completo, o que prejudicou sobremaneira a retomada plena dos níveis de atividade nos diferentes elos das cadeias de negócios, particularmente no segmento de serviços.

Trata-se de identificação quase que consensual de uma anomalia suficientemente difundida e lamentavelmente profetizada desde o final do ano passado em razão da ausência de planejamento e de coordenação adequada do enfrentamento da pandemia, por parte do executivo federal.

O governo esteve empenhado, desde a tomada de posse, em janeiro de 2019, na realização de sucessivas batalhas contra verdadeiros “moinhos de vento” de cores vermelhas que estariam interessados em tragar uma administração focada, por suposto, na salvação nacional.

A trajetória dos fatores determinantes do fracasso no combate à endemia e na busca de reversão dos efeitos derivados do desastre sanitário, englobando inações e iniciativas desastrosas emanadas do Palácio do Planalto, deliberadamente desarticuladas das ações estaduais e municipais, em suas múltiplas facetas, vem sendo exaustivamente avaliadas e criticadas por especialistas das diferentes áreas, sendo absolutamente ociosa a feitura de recordações e repetições neste espaço.

No entanto, parece razoável admitir que a performance desanimadora não traduz apenas um freio de arrumação associado à vagarosa vacinação e/ou ao precário gerenciamento da enorme flutuação provocada pela entrada e alastramento do vírus por aqui.

Há uma mistura de componentes econômicos e políticos/institucionais, fabricados internamente, que explicam a surpreendente constatação de perda de fôlego da matriz de produção e transações e da escolha pela caminhada de lado do conjunto da economia brasileira.

Começando pelos embaraços macroeconômicos, por ótica conjuntural emerge a demora de quatro meses para o retorno do amparo financeiro transitório às pessoas que perderam emprego e rendimentos por causa do alastramento da patologia, que, em um clima de ascensão dos juros, inflação, desemprego e informalidade, afetou drasticamente o consumo privado.

Pelo ângulo das limitações estruturais, chamou atenção, desde o princípio do mandato presidencial, a designação de algumas diretrizes gerais, compatíveis com a cartilha liberal, destituídas do necessário detalhamento, alinhamento com as demandas levantadas por representantes empresariais e dos trabalhadores, e discussão com os membros do parlamento.

Aliás, até aqui, o diminuto número de ações que avançou, no terreno das reformas e na ativação de incentivos monetários e fiscais voltados ao abrandamento dos impactos devastadores da Covid-19, carrega o carimbo do legislativo na concepção e aprovação.

Os exemplos da elogiável desenvoltura do Congresso Nacional repousam na definição do novo aparato das aposentadorias e pensões, do pagamento do auxílio emergencial à população vulnerável, do suporte creditício às micro e pequenas empresas mais afetadas pela endemia, do orçamento extraordinário para a cobertura de dispêndios incrementais em saúde e da ajuda financeira a estados e municípios.

Ainda no terreno de indicações do imobilismo governamental, encaixa-se a identificação de que o arranjo legal e regulatório das poucas privatizações e concessões de infraestrutura que aconteceram depois de 2019, constitui obra desenhada pela equipe do presidente Michel Temer.

Também integram os itens virtuosos herdados da administração anterior, o encaminhamento de um esboço de ajuste fiscal, amparado na Lei do Teto de Gastos, e a diminuição estrutural da inflação e dos juros primários para patamares próximos aos das economias centrais e em desenvolvimento.

Parte expressiva daqueles ativos, disponibilizada pelo grupo comandado pelo mandatário antecessor, foi desperdiçada pelo atual governo com a abdicação de elaboração e encaminhamento para debate democrático de um projeto consistente de nação, mirando o longo prazo.

Passando à esfera político/institucional, verifica-se que em vez de operar no atacado, palco para colocação e cotejo de questões representativas dos interesses conflitantes dos diferentes atores sociais, a aliança hegemônica conduzida ao poder em 2018, desprovida de ideias, prioridades e políticas consistentes, preferiu a implantação de uma improvisada e desconexa estratégia de varejo, que privilegiou a provocação sistemática, ou mesmo a ressurreição, dos derrotados, e a pavimentação do caminho à reeleição.

O repúdio veemente ao modus operandi imposto pelo presidencialismo de coalização, praticado desde a redemocratização do país, em 1985, ensejou um ajuste para funcionamento de uma máquina administrativa desprovida de retaguarda legislativa, induzida permanentemente a acionar o trator contra os demais poderes da república.

O fracasso da tentativa, as crescentes suspeitas de malversação de haveres públicos pelo clã familiar do mandatário e a multiplicação das chances de desmanche do empreendimento da reeleição, forçou a rendição do governo ao outro presidencialismo, o de cooptação, por meio da aliança com o bloco legislativo conhecido como centrão, composto pela ala essencialmente fisiológica e clientelista do Congresso Nacional.

Com o arrendamento da garantia do mandato ao centrão – no velho estilo do amor “infinito enquanto dure” da música de Vinicius de Morais – o executivo sacrificou a prerrogativa de governar, se é que a utilizou em algum momento, e passou a promover ataques sistemáticos às demais instâncias integrantes do estado democrático de direito, na perspectiva de contenção da disparada da rejeição e restauração do apoio popular, perdido pelo cometimento de vasto e diversificado cardápio de equívocos e irresponsabilidades.

Para tal tarefa, os atuais ocupantes do planalto tem contado com fervoroso contingente de devotos das redes “antissociais”, ainda que em número cada vez menor, encarregado da disseminação de notícias falsas e conclamação daquelas manifestações públicas contrárias aos princípios constitucionais.

Essas condições inóspitas conformam campo fértil à exacerbação do mau humor dos agentes quanto à marcha da economia, expressa principalmente na maximização das inquietações a respeito da solvência do estado e, por extensão, na volatilidade dos mercados de risco (dólar, ações e juros futuros), com repercussões adversas no comportamento da inflação, que, por sinal, chegou à casa dos dois dígitos em doze meses, em agosto de 2021.

Adicione-se ao elenco de componentes de instabilidade, o reconhecimento oficial da escassez hídrica, com um ano de atraso, e a aprovação do orçamento para 2022, em bases artificiais, contemplando, por exemplo, o pagamento de mais de R$ 90 bilhões em precatórios, por parte da União, e a criação do programa Renda Cidadã, em substituição ao Bolsa Família, sem a designação das fontes específicas de recursos.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é ecoomista, consultor e ex-presidente do Ipardes.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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