Por que as previsões econômicas falharam?

Por que as previsões econômicas falharam?
Gilmar Mendes Lourenço.

A resposta à indagação proposta como título deste artigo é relativamente simples. As previsões quase sempre falham, para mais ou para menos, o que coloca sobre os ombros do anunciador antecipado, imbuído da arte da adivinhação, o fardo explicativo da imprecisão.

Os rotineiros equívocos de intensidade e, não poucas vezes, de sinal cometidos pelos economistas acerca da marcha futura das variáveis determinantes do comportamento dos negócios, reprisados e alargados em 2023, tem estimulado cada vez mais a disseminação de percepções depreciativas do serviço prestado por aquele profissional.

Há quem argumente que os inúmeros deslizes constatados na conferência factual das expressões antecipadas, quantitativas ou qualitativas, serviriam como reforço à reputação de astrólogos, cartomantes, videntes, jogadores de búzios e demais entes dedicados ao vaticínio.

É claro que se trata de interpretação debochada e destituída de compreensão adequada do papel desempenhado pelas iniciativas empreendidas por economistas, matemáticos e estatísticos, dentre outros cientistas, voltadas à formulação prospetiva de marcos referenciais balizadores das escolhas estratégicas feitas no presente, extremamente úteis à prevenção das tendências indesejáveis e maximização das oportunidades.

A manifestação crítica também ignora as interferências das posições mutantes, assumidas pelos atores sociais, em diferentes momentos, em resposta às providências ativas, passivas ou restritivas de política econômica, ou à eclosão de posturas absolutamente fora da curva de normalidade, mesmo com margem de tolerância superior ao desvio padrão oferecido pela análise econométrica.

Esse escape do normal vem se intensificando no mundo desde a descoberta do vírus Sars-CoV-2, em dezembro de 2019, na China, o rápido e disforme alastramento geográfico, a não linearidade das providências de isolamento e distanciamento social, o derrame de vultosas somas de recursos fiscais e monetários, por parte dos tesouros nacionais e bancos centrais (BCs), destinado à minimização de prejuízos econômicos e sociais, e a heterogeneidade da caminhada de vacinação, ainda que com o desenvolvimento e disponibilização de imunizantes em tempo recorde.

Por essa ordem de ideias, não é complicado perceber que os experimentos dos especialistas fracassaram na tarefa de incorporação, aos modelos preditivos, do choque negativo duplo de oferta e demanda, ensejado pela pandemia, e dos enormes déficits orçamentários provenientes da irrigação compensatória efetuada por BCs e principais governos.

Os reenquadramentos das ferramentas não conseguiram captar igualmente os apreciáveis desdobramentos do verdadeiro desmantelamento das cadeias de suprimento de matérias primas, insumos e bens finais, em fase com a crise sanitária, e do exagerado prolongamento da duração das benesses monetárias e fiscais, o que resultou em recrudescimento da inflação e deliberação atrasada de utilização do arsenal de austeridade, especialmente a elevação das taxas de juros.

Os esforços de manuseio dos instrumentos de prospecção também malograram na acomodação dos focos de tensão ensejados por redesenhos geopolíticos, caracterizados notadamente pela agudização da disputa hegemônica entre Estados Unidos (EUA) e China, evidente desde 2016, com o cerco tarifário patrocinado pelo republicano Donald Trump (que pode regressar ao comando da Casa Branca, em 2025), contra o gigante asiático.

Os desatinos de projeção ganharam contornos mais dramáticos com as novas e velhas guerras, particularmente os intermináveis confrontos acontecidos depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, envolvendo os maiores supridores de fertilizantes e trigo do mundo, e o combate entre Israel e a organização palestina Hamas, desde outubro de 2023, que resultou no bloqueio da faixa de Gaza e, o que é pior, carrega potencial de extensão ao Oriente Médio e multiplicação dos preços do petróleo.

Por essas razões, parece razoável acolher os escancarados e sucessivos pecados, englobando enganos de diagnósticos e prognósticos, cometidos por organismos internacionais respeitáveis, como o Banco Mundial (BIRD), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A dimensão recessiva da Covid-19 teria sido superdimensionada, a retomada pós vacinação subestimada, o flagelo inflacionário, derivado da continuidade desproposital dos incentivos ao alargamento da demanda, negligenciado, e o tardio tratamento via juros elevados, os maiores em quatro décadas, não acompanhado com a merecida atenção pelos “olhos de águia”.

Não por acaso, ao contrário das profecias realizadas pelas equipes técnicas do BIRD, FMI e OCDE, a economia global não foi alcançada plenamente pelo transbordamento do fenômeno de estagflação (forte desaceleração do PIB e disparada da inflação), de 2022 para 2023.

Não obstante, ainda prevalece a ocupação da zona de inflexão da atividade. Especificamente a economia da União Europeia encerrou o ano passado em estado letárgico, convivendo com índices de inflação e desemprego bastante superiores ao padrão histórico e juros recordes, sem qualquer aceno relevante de reversão em curto prazo.

Enquanto isso, os dados da economia americana revelam acentuação da queda da desocupação da mão de obra, convergindo para os menores patamares desde o pós-Guerra, estimados em 3% da força de trabalho, e chances de o Federal Reserve (Fed) apressar o desmonte do maior e mais longo aperto monetário da história, a depender da tendência inflacionária, hoje ao redor dos 3% ao ano, distante da meta de 2% a.a.

Já, a China, embaraçada pelo empenho mitigatório às sanções comerciais impostas pelo Ocidente à Rússia, por causa da ocupação de parte do território soberano da Ucrânia, e presa aos propósitos de dominação continental – exaltados na continua advertência de apropriação da ilha autônoma de Taiwan – e à exacerbação da provisão de crédito ao setor privado, permanece em flagrante movimento de perda de embalo.

Para complicar, o professor da Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard, Dani Rodrik, acrescenta a necessidade de enfrentamento de perturbações assustadoras, ainda desdenhadas pelos policy makers, como as brutais modificações climáticas, denotando urgência cooperativa para descarbonização e implantação de alternativas verdes; as disparidades sociais; o desaparecimento da classe média; o abandono do mercado de trabalho não qualificado; e a desindustrialização.

No caso brasileiro, os defeitos em série observados nos prenúncios recentes não constituem novidade. Somente a título de ilustração, o titular da Fazenda nos governos Lula e Dilma, Guido Mantega (2006-2014), se notabilizou pela habitual divulgação de expectativas alvissareiras de crescimento da economia nacional, frequentemente atropeladas pela realidade mensurada por organismos externos ou agências públicas internas.

Nas circunstâncias atuais, é oportuno esclarecer o paradoxo entre as apostas de variação inferior a 1% do produto interno bruto (PIB), em 2023 – feitas o começo do exercício, de acordo com os cenários mais otimistas preparados pelas entidades multilaterais e experts domésticos – representantes da comunidade financeira e grandes empresas produtivas, consultados semanalmente pelo Banco Central (BC), na pesquisa Focus – e o provável acréscimo de 3%, aferido recentemente.

Sem contar o levantamento da conjugação entre declínio consistente, embora não tão encorpado, da inflação, desemprego, juros, taxa de câmbio e risco país, e valorização recorde dos papéis negociados em bolsa, crucial ao trabalho de tomada de decisões macro e microeconômicas para distintos horizontes de tempo, conforme as peculiaridades das várias atividades.

Na verdade, além das influências oriundas das dificuldades de encaixe, com alguma razoabilidade, dos incômodos produzidos no resto do planeta, predominava no ambiente especializado brasileiro a sensação de instabilidade política e derrocada da orientação econômica do novo governo.

A operação ladeira abaixo seria consequência da colheita ruim, resultante de sementes podres plantadas pelo populismo fiscal, subjacente ao projeto de reeleição do incumbente anterior, apesar da aprovação da PEC da Transição, no final de 2022, decorrente de entendimentos maduros entre a futura gestão do executivo e o parlamento.

A inclinação à sugestão de tropeço apoiava-se também nos inúmeros empecilhos à construção de coalização majoritária confiável no legislativo, otimizados pelo transbordamento da polarização e rachadura eleitoral, atestado pelo evento golpista de 8 de janeiro de 2023, que, em tese, representaria considerável entrave à aprovação de projetos relevantes, preponderantemente por um governo portador de escasso compromisso com a responsabilidade fiscal e desatento ao imperativo de ampliação das reformas estruturais.

Se mantidas, tais incongruências poderiam favorecer a organização de cenários de insolvência intertemporal do setor público e, por extensão, a deflagração de precificações especulativas pelo mercado, no sentido da elevação dos juros futuros, corrida contra as aplicações financeiras em moeda nacional, descontrole inflacionário, diminuição do poder de compra da população mais pobre e retração do emprego e da atividade econômica.

No entanto, a despeito da prevalência sincrônica entre a voracidade gastadora do bloco centrão, âncora congressual de todos os governos brasileiros e controlador do orçamento público, e o “fogo amigo”, emanado da cúpula diretiva do Partido dos Trabalhadores (PT), acrescido da participação da ex-presidente, Dilma Rousseff, pouco sensíveis à perseguição dos fundamentos fiscais da estabilização, o país pode contabilizar avanços nada desprezíveis, a partir de diálogos entre governo e parlamento, encabeçados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

No conjunto de ativos de curto prazo sobressaiu o retorno, começo da limpeza da bagunça, herdada da equipe antecedente, e ampliação, dos programas sociais – Bolsa Família, Farmácia Popular, Minha Casa Minha Vida e valorização do salário mínimo – e a abertura de flancos para a renegociação de dívidas das famílias.

Dentre o elenco de conquistas de longa maturação destaca-se a recriação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – de reputação pretérita nada abonadora quanto à utilização de haveres do estado -, dirigido prioritariamente à recuperação e diversificação da infraestrutura.

Em continuidade, o revigoramento do ânimo e a melhora das esperanças dos agentes repousou na pronta tramitação e deliberação da nova regra fiscal, mais tolerante que o maltratado teto de gastos, instituído sob Michel Temer, do marco de garantias e, principalmente, da simplificação do aparato de impostos de incidência indireta.

Em paralelo, ocorreu a confirmação dos acertos de conciliação entre os expoentes da elite brasileira, por meio da rápida demolição da operação lava jato, viabilizada com a inversão de conduta do topo do poder judiciário – centrada na suspensão ou mesmo anulação monocrática de ações contra a corrupção, como condenações, processos, investigações e provas, notadamente do Petrolão – justificadas pelo cometimento de enganos formais e abuso de poder, por parte de alguns juízes e procuradores.

O delineamento dos vetores de desafios e potencialidades, condutores do exercício de 2024, deve, invariavelmente, abarcar renovadas aflições ligadas ao quadro de ameaças de deterioração fiscal, fabricado essencialmente pelas incontáveis e nocivas pressões políticas direcionadas à neutralização do empenho de calibragem dos dispêndios públicos correntes, efetuado pelo ministério da Fazenda, agravadas pelo calendário das eleições municipais, crucial à estruturação e lançamento de arranjos para 2026.

Em contraste com as nuvens cinzentas, podem ser identificadas margens de manobra para a preponderância de aspectos virtuosos, ou menos desagradáveis, expressos pela estabilização das cotações internacionais das commodities primárias e do câmbio, o curso cadente da Selic e, em menor medida, dos juros finais, e da inadimplência de empresas e consumidores, e a continuidade da recuperação do crédito e do emprego, sendo este último beneficiado pela flexibilização da legislação trabalhista, aprovada em 2017.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

3 comentários sobre “Por que as previsões econômicas falharam?

  1. Ah! Meu Brasil brasileiro! Desde criança que escuto que o Brasil é o país do futuro. Que bom que as previsões pessimistas de grande parte dos analistas econômicos não se concretizaram. Os desafios pòs-pandemia são grandes, mas os resultados recentes da economia nacional mostram que o país está no rumo certo.

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