Japão: Enfraquecimento da terceira maior economia do planeta
Gilmar Mendes Lourenço.
A queda de -0,8% e -0,1% do produto interno bruto (PIB) japonês, no terceiro e quarto trimestre de 2023, respectivamente, empurrou a economia nipônica para uma recessão técnica e determinou a perda do terceiro posto em geração de renda no planeta para a Alemanha.
Cálculos preliminares realizados por integrantes da comunidade especializada e amplamente repercutidos por agentes formadores de opinião, amparados na conversão das grandezas de moeda local (iene e euro) para o dólar americano, permitiram inferir um PIB nominal de US$ 4,21 trilhões, para o Japão, e US$ 4,46 trilhões para a Alemanha.
É preciso alertar que se trata de cotejo provisório, destituído tanto de rigor científico – dado que a mensuração comparativa mais adequada deve assentar-se na aplicação do critério conhecido como paridade de poder de compra (PPP), recomendado pelo Banco Mundial -, quanto de consideração da inserção dinâmica no ambiente global, pois os dois países deverão ser ultrapassados pela Índia em tamanho do PIB em futuro não muito distante.
A título de ilustração, o PIB da Índia, que totalizou US$ 3,7 trilhões, experimentou incremento de 7,1% ao ano, entre 2013 e 2018, 3,1% a.a., entre 2019 e 2022, e 5,2%, em 2023, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os Estados Unidos (EUA) ocupam o topo, com US$ 27,94 trilhões, e a China aparece na segunda colocação, com US$ 17,5 trilhões.
Como se vê, em 2023, o PIB chinês equivaleu a 4,2 vezes o PIB japonês, contra 4,1 vezes em favor do Japão, no princípio do século 21, em consequência da expansão acelerada e pronunciada penetração externa da China e do inquestionável marasmo do Japão.
Não obstante, cabe a provocação com o conhecido ditado popular “tamanho não é documento”, por meio do confronto de indicadores proxy da qualidade de vida, resumidos no índice de desenvolvimento humano (IDH), medido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), disponível para o exercício de 2021.
Enquanto Alemanha e Japão abrigam sociedades menos heterogêneas, exibindo IDH 0,942 (9º lugar, entre 191 países) e 0,925 (19º posto), respectivamente, avaliados como elevado desenvolvimento, China (0,768, 79º) e Índia (0,633, 142º), situam-se em posições intermediárias, com acentuado grau de desigualdade do tecido social.
Cumpre reconhecer que o nível de atividade japonês vem confirmando o quadro de estagnação prolongada, vivido pelo sistema econômico do país por mais de três décadas, depois do estouro da bolha financeira e imobiliária, no decênio de 1990, o que redundou na tomada do segundo lugar pela China, em contínuo e acelerado processo de modernização e penetração internacional, em 2010.
A interrupção do surto econômico dos anos 1980 e 1990 aconteceu quando a nação desfrutava do selo de segunda maior dimensão econômica mundial, atuando como autêntica condutora do progresso técnico subjacente à terceira revolução industrial, tendo com um dos cartões de visita a fabricação de aparelhos celulares com câmeras fotográficas, lançados inicialmente pela Sharp (J-SH04), em dezembro de 2000.
Isso ocorreu em paralelo à instabilidade do Vale do Silício, nos EUA, ocasionada preponderantemente pelo fim do boom vivido pelos conglomerados da tecnologia da informação e o crash da bolsa de valores Nasdaq, depois da descoberta do cometimento de fragorosas irregularidades nos balanços direcionadas a promover a apreciação artificial dos papéis, que, diga-se de passagem, foram ignoradas pelas principais empresas de auditoria globais.
Mais do que isso, o verdadeiro encantamento com o fenômeno de rápida e crescente valorização das ações das organizações pontocom, formadoras de uma Nova Economia, e o longo período de depreciação dos ativos das companhias tradicionais, levou alguns economistas menos criteriosos e/ou desatentos a decretarem o sepultamento dos movimentos pendulares dos sistemas capitalistas.
A paralisia japonesa recente também repousa na dificuldade de superação do triplo desastre natural verificado em 2011, marcado por terremoto de grandes proporções, tsunami e acidente nuclear.
Na atual década ressaltam os efeitos da pandemia de Covid-19 e da diminuição do ímpeto da economia mundial, esta última resultado da agudização das tensões geopolíticas e da generalização da adoção de estratégias monetárias e fiscais restritivas, destinada ao desmanche dos focos de demanda e, em menor medida, de custos, da maior escalada inflacionária verificada desde a segunda guerra.
Especificamente no Japão, os elementos determinantes do enfraquecimento econômico repousam na absorção doméstica, notadamente na contração do poder de compra das famílias e, consequentemente, do consumo, por conta da persistência inflação anual acima da meta de 2%, desde abril de 2022, a despeito da orientação monetária extremamente frouxa, incluindo a manutenção de juros nominais negativos (-0,1% a.a.) pelo Nichigin, banco central do país, absolutamente na contramão da trajetória internacional.
Há ainda a interferência da apatia do investimento privado, derivada da persistência de barreiras estruturais à novas elevações de produtividade, sintetizadas na combinação entre insuficiência de mão de obra qualificada, intensificação do envelhecimento demográfico, o que serve para diminuir o contingente da população economicamente ativa, e permanente descaso e/ou postergação de imprescindíveis e profundas reformas nos sistemas de saúde e previdência.
Assim, depois de ter crescido apenas 1,2% a.a., entre 2013 e 2018, contra média global de 3,5% a.a., fruto da plena recuperação da turbulência ocasionada pela quebra do subprime norte-americano, no final dos anos 1990, o PIB japonês encolheu -0,2% a.a., entre 2019 e 2022, versus acréscimo de 2,2% a.a., do mundial.
Ressalte-se que a Alemanha padece de problemas semelhantes, o que estreita as margens de manobra para a obtenção de ganhos de eficiência, em um contexto de ampliação da longevidade e declínio da natalidade da população, algo que vem sendo equacionado com programas de imigração.
Até porque, especificamente em 2023, enquanto o PIB mundial avançou 3,1%, o japonês variou 1,9% e o germânico recuou -0,3%, oportunizando constatar que o sacrifício da terceira posição no cenário global advém de alterações na matriz de preços relativos, produzidas pela dobradinha formada por juros baixos e câmbio desvalorizado.
Em outros termos, ao mesmo tempo em que o governo japonês preferiu forçar uma depreciação cambial de quase 20%, dirigida à restauração da competividade das exportações de manufaturados, sobretudo em relação à China, o executivo alemão optou pela aplicação do receituário ortodoxo sugerido pelo Banco Central Europeu (BCE).
As linhas básicas do BCE pressupõem alinhamento instantâneo e incondicional às condutas do Federal Reserve (Fed), BC dos EUA, em circunstâncias de disparada dos preços da energia, explicada pela diminuição do suprimento de gás russo, desde a imposição de sanções comerciais pelos países do Ocidente, depois da invasão da Ucrânia.
Portanto, embora possa assumir o caráter meramente transitório, imputado mais à deliberada desvalorização do iene e menos à performance do PIB, a saída do Top 3 global tende a produzir apreciáveis estragos à imagem do governo do primeiro-ministro Fumio Kishida, portador de popularidade já suficientemente combalida por inúmeros vacilos e tropeços.
Mesmo assim, as expectativas de reversão da heterodoxia monetária, vigente desde 2007, por meio de inescapável subida dos juros domésticos, ainda no primeiro semestre de 2024, podem não se confirmar em face da provável acentuação da debilidade dos eixos da demanda interna, precisamente consumo das famílias e inversões corporativas, e da retração das compras chinesas de bens finais e intermediários.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.