PIB do 1º trimestre de 2024: condicionantes conjunturais e desafios estruturais

Gilmar Mendes Lourenço.
O crescimento de 0,8% do produto interno bruto (PIB) brasileiro, no primeiro trimestre de 2024, em relação aos últimos três meses de 2023, e de 2,5%, frente a janeiro-março do ano passado, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) corrobora a tendência ascendente, ainda que modesta, delineada desde o final de 2021.
Pela ótica da produção, a grandeza macroeconômica foi impulsionada pela agropecuária (11,3%) e serviços (1,4%, sendo 3,0% no comércio), tendo a indústria encolhido -0,1%, o que caracteriza estagnação, mesmo com o empurrão de +0,7% da classe de transformação.
A aferição dos itens da demanda agregada mostra ampliação de 4,1% da formação bruta de capital fixo (FBCF) ou investimento,1,5% do consumo das famílias e 0,2% das exportações, sendo que os gastos do governo exibiram variação zero e as importações aumentaram 6,5%.
É fácil perceber que a expansão enfeixa uma performance restrita à dois elementos de empuxe: o exógeno, na margem, e o doméstico. No front internacional, destaca-se a impulsão das exportações de commodities, em razão da recuperação da demanda e dos preços, apesar dos embaraços geopolíticos e das dificuldades das nações avançadas em derrubar a inflação e, por extensão, deflagrar ciclos consistentes de redução dos juros.
Apenas a título de ilustração quantitativa, de acordo com levantamento do Banco Central do Brasil (BC) e Commodity Research Bureau, as cotações das commodities subiram 7,9%, em doze meses encerrados em abril de 2024, com acréscimo de 10,9% das metálicas, 8,1% das alimentares e 3,8% das energéticas.
No que diz respeito à alavanca interna, foi notável a evolução do consumo privado, depois do recuo constatado no final de 2023, determinada pelo incremento dos patamares de ocupação e renda do trabalho, influenciados pela redenção e alargamento dos programas oficiais de transferência de renda, liderados pelo Bolsa Família, e o regresso da política de valorização do salário mínimo.
Tanto que as taxas de desemprego vêm registrando os menores níveis em 9 (nove) anos, aproximando-se de 7% da força de trabalho, os rendimentos reais tem aumentando quase 5% ao ano e a massa salarial (emprego + renda) vem experimentando incremento de 8% a.a.
Surpreende que esse fenômeno venha acontecendo sem a contrapartida da produção de pressões inflacionárias, algo comum em estágios de aquecimento econômico, o que poderia ser imputado provisoriamente, nesse particular, à indiscutível flexibilização da dinâmica ocupações, ensejada pela reforma trabalhista de 2016.
Outro componente explicativo repousaria na estabilização do endividamento e inadimplência dos consumidores em degraus elevados. Conforme sondagem da Confederação Nacional do Comércio (CNC), 78,5% dos brasileiros possuíam algum tipo de dívida, em abril de 2024, 28,6% estavam com parcelas atrasadas, em média superior a dois meses, e 12,1% mencionaram não dispor de condições para quitação.
O pior é que 87,1% estão presos a passivos no cartão de crédito, que, na modalidade rotativo, cobra juros médios de 423,5% a.a., segundo o BC, embora os limites quantitativos impostos pela autoridade monetária, vigentes desde o começo do ano.
Em idêntico sentido, pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), revela que o Brasil contabilizava, em abril de 2024, 68,78 milhões de pessoas inadimplentes, a despeito dos impactos minimizadores do programa Desenrola, lançado pelo governo federal ainda em 2023.
Igualmente assinável é que mesmo com a fuga do vale, amargado no terceiro trimestre de 2023, favorecida pelo salto nas compras externas, a variável investimento representou apenas 16,9% do PIB, contra 17,1%, no primeiro trimestre de 2023, bastante aquém dos parâmetros compatíveis ao amparo de taxas de crescimento mais encorpadas do PIB.
Isso é consequência da carência de um programa de longo prazo, voltado à restauração da eficiência do estado e à indução da iniciativa privada à escolha de projetos de ciência, tecnologia e inovação – em fase com os requerimentos da quarta revolução industrial, ditados por digitalização e inteligência artificial -, infraestrutura e transição energética limpa.
Cumpre sublinhar que o inevitável evento de transformação da matriz energética global constitui o verdadeiro trunfo competitivo do Brasil, portador de inúmeras oportunidades de intensificação da diversificação e diminuição da dependência de combustíveis fósseis.
Partindo da premissa de que o investimento produtivo reflete a combinação entre retorno e confiança, urge a formulação, negociação política e execução de estratégias direcionadas ao barateamento do custo do capital, incluindo os juros, o que, por seu turno, requer o resgate do esforço de implantação de reformas institucionais, além de renovadas e vigorosas demonstrações de desapreço por pautas impregnadas de posturas e iniciativas de indisciplina fiscal.
A viabilização dessa complexa agenda não poderá prescindir do fortalecimento da democracia, começando com o abrandamento ou até o desmanche do ambiente de radicalização, potencializado pela operação de verdadeiros “soldados universais”, acomodados nas redes sociais.
Mais do que isso, o desencadeamento de uma fase expansiva sustentada, menos sensível às flutuações dos humores dos agentes econômicos, em curto prazo, não poderá prescindir de uma maior plasticidade do executivo, voltada ao deslocamento da vitrine dos palanques, em direção ao depósito dos ingredientes de fortalecimento do diálogo e entendimento e minimização de inúteis posturas de enfrentamento.
Em paralelo, será vital a compreensão plena e madura do parlamento acerca da premente supremacia dos interesses nacionais ante a disparada de atitudes ocupadas exclusivamente com o alcance de propósitos e redutos eleitoreiros, que, em um cenário enfraquecimento das agremiações – que, via de regra, servem somente para abocanhar e repartir os fundos eleitoral e partidário – e consolidação de blocos de ações temáticas, podem sepultar o expediente de presidencialismo de coalização, instaurado com a Constituinte de 1988.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.