Artilharia de Trump e inflexão econômica brasileira
Gilmar Mendes Lourenço.
Estimativas do Banco Central (BC) apontam que o índice de atividade econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado prévia do produto interno bruto (PIB), caiu -0,7%, em maio de 2025, sugerindo a constituição de um embrião de desaceleração da economia nacional.
Na verdade, há poucas dúvidas quanto à inevitabilidade de ocorrência de interrupção, a partir deste segundo semestre de 2025, da surpreendentemente consistente marcha de recuperação, começada em fins de 2022, baseada no dinamismo das vendas externas e escalada do consumo privado, estando este último ancorado primordialmente nos desdobramentos multiplicadores dos programas oficiais de proteção social.
O desaquecimento deriva de duas ordens de distúrbios: a exógena e a endógena. A origem externa da frenagem econômica reproduz as turbulências geopolíticas e os embaraços comerciais, aprofundados pelas condutas tresloucadas do chefe de estado dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, que, avesso à convivência internacional, dentre outras agressões diplomáticas e de comércio, decidiu, neste julho de 2025, posicionar os canhões do chamado tarifaço em direção ao Brasil.
Assentado em mandamentos ou premissas econômicas absolutamente equivocadas ou ultrapassadas, o governo Trump anunciou, sob a absurda justificativa de aplicação de reciprocidade comercial, a elevação incremental de 50% do imposto de importação de bens e serviços procedentes do Brasil, a partir de agosto do corrente ano.
É interessante assinalar que os EUA registram confortáveis superávits na balança comercial com o Brasil desde o episódio da quebra do subprime, ou segmento de hipotecas de segunda categoria dos EUA, verificada em setembro de 2008, com a decretação da falência do Banco Lehman Brothers.
Os déficits brasileiros decorrem da natureza ainda extremamente fechada da economia nacional, exibindo modesto encaixe internacional. Só a título de exemplo, o coeficiente de importações equivale a 17,5% do produto interno bruto (PIB) nacional e as exportações respondem por 18% do PIB, parâmetro inferior ao de outros países desafetos de Trump, como Japão (22%), África do Sul (32%) e Coreia do Sul (44%).
A disparada de doses cavalares de tarifas de importação, “contra tudo e contra todos” – na sequência à agressão ao Brasil, emergiu a do Canadá, de 35%, e México e Europa, 30% -, como conduta estratégica objetivando a reversão da diminuição da compressão da hegemonia e da desindustrialização norte-americana.
É a velha cantilena de ressurreição do “cinturão da ferrugem”, carregada por Trump desde a campanha desde 2016, como núcleo de um projeto nacionalista centrado na reedição do paradigma de substituição de importações, absolutamente fora de tempo e lugar, em nome da remodelagem da ordem mundial e benefício dos EUA.
Na sequência, em encontro com o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Mark Rutte, em 14 de julho de 2025, de modo igualmente bizarro, Trump ameaçou a Rússia com a imposição de tarifa adicional de 100%, caso não produza um acordo de paz com a Ucrânia, em no máximo 50 dias. Ao expor nova troca de lado na guerra, Trump anunciou que o envio de novos armamentos para abastecimento das tropas ucranianas, além de um poderoso sistema antimísseis.
Aos analistas mais tolerantes, sedentos por garimpar algum grau de racionalidade na propensão ao fechamento da economia americana, cumpriria alertar que impostos de importação de tamanha magnitude, se rebatidos com reciprocidade, terão o poder de paralisar as transações comerciais entre as nações envolvidas, sem contar os impactos negativos em cascata, consolidando um autêntico jogo de “perde-perde”.
Essa carência de compostura econômica e diplomática, materializada no encaminhamento de cartas aos “eleitos”, representa uma espécie de negacionismo do multilateralismo, ou da pulverização das frentes de comércio, adequadamente comparável à defesa de prescrição, por parte de governantes despreparados, de medicamentos destituídos de amparo científico, durante o avanço da pandemia de Covid-19, em 2020 e 2021.
Ainda que por canais intermediários, o verdadeiro destino das extravagantes bombas comerciais disparadas por Trump reside no gigante asiático. Isso porque, de copiador global, poluente e emergente em manufaturas, a China tornou-se high-tech e protagonista na economia verde e transição energética, capitaneando a produção mundial de painéis solares, turbinas eólicas, baterias de lítio e carros elétricos.
Mais do que isso, enquanto a sociedade americana possui pouco menos de quatro anos para a viabilização (ou não) do empreendimento de recolocação do “gênio” no interior da garrafa, ou do afastamento do “vampiro” com estacas de madeira esculpidas em formato de cruz, a China desdobra-se na ascensão rumo ao topo da economia global.
O posto de maior economia do planeta, por sinal, os chineses já conquistaram, se for adotado o critério de cálculo do PIB pela paridade de poder de compra (PPP), recomendado pelo Banco Mundial, para a hierarquização dos países conforme a dimensão de geração de renda.
Trump escolheu utilizar o anacrônico arsenal de proteção comercial para a disputa de batalhas políticas e ideológicas, brotadas, no caso do Brasil, de supostas ingerências da justiça na ação das plataformas digitais americanas; da pirataria comercial; e do comércio digital e serviços de pagamentos eletrônicos que seria nocivo aos EUA, especificamente o pix, produto (ou incômodo) tipicamente característico da cidadania monetária nacional.
Também interferiram os recados vindos do encontro do Brics; principalmente o aceno de antagonismo ante o império do dólar, com a renovação da proposta de criação de uma moeda comum; e as gestões feitas por um deputado federal, licenciado e em exílio espontâneo, junto ao Partido Republicano e à Casa Branca.
A ideia central da “chantagem documentada”, barata no jeito e custosa nos desdobramentos, devolvida pelo executivo brasileiro e aceita, aberta ou veladamente, e até comemorada, por políticos de direita, consiste em buscar a intimidação e submissão das autoridades democráticas nacionais, especialmente os integrantes do poder judiciário independente, ou o Supremo Tribunal Federal (STF).
A respeito das reações conservadoras erráticas, abarcando governadores e parlamentares, de um lado asseveram o desmascaramento de identidades em momentos de flutuações institucionais, e, de outro, denunciam o oportunismo repugnante contrário aos interesses nacionais.
O ocupante do Palácio dos Bandeirantes, por exemplo, fincou estacas nas duas frentes ao escolher, inicialmente, usar o boné do trumpismo, e, logo depois, encenar a perseguição de feitura de reuniões de negociações paralelas com empresários paulistas.
A vontade preponderante de Trump é a supressão do julgamento, condenação e inevitáveis penalizações do mandatário brasileiro, no período 2019-2022, autocrata predileto de Trump no Cone Sul, cujo crime principal, em julgamento, teria sido o planejamento e execução fracassada de uma ruptura institucional.
Bolsonaro representa uma fotografia 3×4, ou uma película em preto e branco, de péssimo roteiro, diga-se de passagem, de seu mentor, ao repetir retórica e prática do americano, em eventos de desqualificação de protocolos eleitorais, não reconhecimento de derrota nas urnas e incitação dos fiéis devotos à invasão da Casa de Leis, com o propósito de anular o desejo majoritário dos eleitores.
Tanto lá quanto cá as iniciativas malograram. A diferença é que, enquanto nos EUA as investigações tardaram e a justiça se rendeu aos encantos e reiterados ataques de Trump, no Brasil o repúdio popular à intentona ou bandalheira criminosa levou ao revigoramento do aparato democrático, com exaustivas investigações, apreciações judiciais e penalizações.
Nessa perspectiva, o modelo de interferência trumpista no “quintal dos outros” pode reproduzir uma pancada às avessas, fortalecendo os enfileirados na guarda das instituições e as candidaturas não alinhadas à chantagem, na contenda eleitoral de 2026, repetindo o fracasso amargado por Trump no Canadá, Austrália e Alemanha.
Quanto a isso, pesquisa efetuada pela Quaest, entre 10 e 14 de julho de 2025, junto a um painel de 2.006 entrevistados de 16 anos ou mais em todo o país, indicou subida da aprovação do governo de Lula 3, de 40% para 43%, e diminuição da reprovação de 57% para 53%, entre maio e julho.
Em texto divulgado em 13 de julho de 2025, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, organizou “encorpada, imprescindível e inútil” argumentação em defesa da democracia e do judiciário nacional e sublinhou que os embargos tarifários determinados por “tradicional parceiro comercial” seriam fruto de “compreensão imprecisa dos fatos ocorridos no país nos últimos anos”.
De qualquer modo, impõem-se a abertura de diálogos internos e negociações externas focadas no abrandamento dos prejuízos potenciais de produtos, empresas e, principalmente, empregos preponderantes na pauta de exportações brasileiras destinadas aos EUA.
Ressalte-se as prováveis perdas das cadeias de valor de petróleo, aviões, ferro e aço, máquinas e equipamentos, autopeças, madeira e móveis, pasta de madeira, carne bovina, suco de laranja, mel e pescado, controladas, paradoxalmente, por apoiadores e até financiadores dos autovitimados orquestradores da destruição do estado democrático, patriotas fajutos, portadores da bandeira “o Brasil acima de tudo” e simpatizantes do trumpismo.
Em paralelo ao esforço do Itamarati por caminhos diplomáticos, foi ativado o Comitê Interministerial de Emergência, criado pelo governo central e composto por membros das pastas da Fazenda, Relações Exteriores e Casa Civil, coordenado pelo vice-presidente da República e Ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC.
O time deverá discutir e formular, com representantes da comunidade empresarial, táticas de conversações com entidades de comércio exterior no Brasil e nos EUA, e, sobretudo, o estabelecimento de canais de interlocução com parceiros microeconômicos americanos afetados pela incursão trumpista, no intento de multiplicação da capacidade de intermediação de interesses e de pressão.
Nessa perspectiva, a Câmara do Comércio dos EUA e a Câmara Americana de Comércio no Brasil (Amcham Brasil) emitiram declaração conjunta, em 15 de julho de 2025, que assinala a relevância da abertura de negociações entre os governantes para o encontro de uma solução negociada, dado a existência de aproximadamente 6,5 mil pequenos negócios dos EUA, importadores de produtos brasileiros, e que 3,9 mil empresas também investem no território nacional.
A motivação doméstica da perda de embalo da economia nacional exige exame criterioso e pormenorizado e avaliação atenta da marcha da cesta de indicadores correntes e antecedentes, que serão apresentados no artigo da próxima semana. Até lá.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia


