Desaceleração econômica brasileira: para além do tarifaço de Trump

Desaceleração econômica brasileira: para além do tarifaço de Trump
Gilmar Mendes Lourenço.

Não bastasse a interferência de fatores externos desfavoráveis, que foram organizados e interpretados de maneira sumária no artigo da semana passada, poderosas forças domésticas também vêm colaborando para a conformação de uma interrupção da etapa de recuperação econômica brasileira, vivenciada desde fins de 2022.

Somente para enfatizar a propósito das ameaças externas, trata-se de produto acabado do projeto neoimperialista e antiglobalização do governante norte-americano, Donald Trump, de imposição de incondicional reverência e obediência ao resto do mundo.

A título de ilustração, o senador republicano, Lindsey Graham, sentenciou, em entrevista concedida à Fox News, em 21 de julho de 2025, que os Estados Unidos (EUA) vão “esmagar as economias do Brasil, China e Índia, no caso de prosseguimento das compras de “petróleo russo barato”, o que configuraria “dinheiro manchado de sangue”, em alusão à interminável guerra na Ucrânia.

Aliás, foram identificadas operações “ocasionais” de compra entre US$ 3 milhões e US$ 4 milhões, no dia 9 de julho, pouco tempo antes do anúncio do tarifaço de Trump, cotados a R$ 5,46, e de venda, logo em seguida, a R$ 5,60, em inequívoca demonstração de perspicácia e sorte.

Como reforço perverso, as cotações das commodities globais, valoradas em reais, despencaram -9,3%, no primeiro semestre de 2025, com recuos mais acentuados das agropecuárias (-10,4%) e energéticas (-9,7%), sendo que os preços médios das matérias primas metálicas diminuíram -3,7%.

No que diz respeito às limitações internas, parece correto argumentar que há a orquestração de uma conspiração para o enfraquecimento do processo de expansão da produção, negócios, renda e emprego, fruto da mistura amarga de desarranjos macroeconômicos e acentuadas flutuações do ciclo político, disfarçadas na estéril discussão do ajuste fiscal.

A rigor, paradoxalmente, os propagadores e ferrenhos debatedores da necessidade de efetivação de arrojado esforço voltado à perseguição da restauração das condições de equilíbrio intertemporal dos orçamentos públicos são justamente os entes escancaradamente impregnados da cultura de gastança generalizada e destituídos de discernimento acerca dos princípios elementares dos orçamentos públicos.

Sem distinção, os três poderes da república e as três esferas da federação brasileira tem, reiteradamente, renovado o compromisso na preservação “artificial” da natureza infinita dos recursos públicos, despejados prioritariamente no suprimento de demandas corporativistas ou eminentemente eleitoreiras, inclusive para a viabilização da antecipação da disputa de 2026.

Frise-se que, para além das farras derivadas das vultosas emendas, o Congresso Nacional está conseguindo se superar em matéria de desconexão com a agenda da sociedade, ao aprovar a infame ampliação do contingente de deputados em 18 vagas – de modo a ajustar a proporcionalidade entre os estados, determinada pelas mudanças demográficas trazidas pelo Censo 2022 -, autorizar, de afogadilho, o estouro da boiada em direção ao substancial enfraquecimento do aparato de proteção ambiental e cogitar celebrar o autocrata ocupante da Casa Branca.

Enquanto isso, observa-se o predomínio, no âmbito das instâncias subnacionais, de entes bajuladores do ex-comandante do país, portador de tornozeleira eletrônica – que, por ora, transformou-se em principal e poderoso instrumento brasileiro na guerra comercial.

De fato, a instalação do equipamento deveu-se ao risco de fuga de Bolsonaro, ainda que se coloque como perseguido, e os fervorosos defensores estaduais disfarçam-se de moderados enquanto permanecem atentos à captura da herança política e, principalmente, dos votos da extrema-direita na temporada eleitoral de 2026.

Em circunstâncias de estupendos dribles na disciplina fiscal, só resta ao Banco Central (BC) a manutenção do dedo no gatilho da elevação dos juros primários. Isso porque, em sendo refém do regime de metas de inflação – centro de 3% ao ano, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual, para uma inflação média superior a 7% a.a., desde o lançamento do real, em julho de 1994 -, a autoridade monetária costuma, quase que por dever de ofício, contemplar apenas o pedaço da demanda do sistema econômico e, na melhor das hipóteses, negligenciar as tensões de oferta, oriundas da matriz de custos.

Lembre-se que a taxa básica, denominada de Selic, é referência para a rolagem da dívida pública e as operações interbancárias, o que, ainda que de maneira defasada, alcança as demais modalidades de transações financeiras e o lado real do organismo econômico, especificamente produção, vendas e emprego.

Essa anomalia é ressaltada nas constatações oferecidas pela Sondagem Industrial, preparada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), anotando que, entre abril e junho de 2025, o setor amargou piora das condições financeiras das empresas.

A restrição dos juros altos passou da 3ª para a 2ª posição no elenco de dificuldades, entre o primeiro e o segundo trimestre do ano, com 29,5% de assinalações, desbancando a insuficiência de demanda doméstica (28,3%), e ficando atrás da carga tributária (36,7%).

Por tudo isso, não é difícil perceber a constituição de um ambiente discreta inflexão dos níveis de atividade, atestada pelo comportamento do bloco de estatísticas econômicas relativo às cercanias do fechamento do primeiro semestre do ano, disponibilizado por entidades públicas e agentes de representação empresarial.

De acordo com o IBGE, a produção industrial caiu -0,5% no mês de maio, em relação a abril, com retração em bens de consumo duráveis (-2,9%), de capital (-2,1%) e semiduráveis e não duráveis (-1,0%), reflexo da corrosão da renda com o empuxe inflacionário e do encarecimento do crédito. A única categoria que registrou estabilidade foi a de bens intermediários (+0,1%), sustentada pelos ramos de extração mineral, borracha, plásticos, couros e calçados e química, com fortes laços com o mercado exterior.

Em semelhante direção, levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CMI) captou declínio no faturamento (-1,2%), massa de salários (-3,9%) e salários médios (-3,8%), em maio, já com desconto do efeito inflacionário, e de -1,1% na utilização da capacidade instalada. O nível de ocupação da mão de obra permaneceu estável (+0,1%) e as horas trabalhadas na produção subiram 0,8%.

Se do lado da oferta identifica-se, na melhor das hipóteses, estagnação, no front da demanda os indicadores sugerem posições cautelosas. Isso porque, igualmente associado ao encarecimento das compras a prazo e a contração da renda, o volume de vendas do comércio varejista, acompanhado pelo IBGE, encolheu -0,2%, em maio.

Apesar de ter crescido 0,3% no cálculo ampliado, que acrescenta os segmentos de veículos, motos, partes e peças e material de construção, a média móvel trimestral permanece próxima de zero, resultado que propõe a avaliação de preocupante redução de velocidade.

Pelas mesmas razões agregadas, a despeito de situar-se 17,5% acima do status pré-pandemia (escalado como o mês de fevereiro de 2020) e se igualar ao maior degrau da série histórica (alcançado em outubro de 2024, o volume de serviços prestados, medido pelo IBGE, variou apenas 0,1%, em maio.

O modo paralisia pode ser melhor compreendido pela constatação da impulsão do endividamento das famílias (cartão de crédito, cheque especial, crédito pessoal, crédito consignado, carnês, e financiamento de carro e casa) e das contas em atraso (em média acima de 64 dias).

Conforme sondagem da Confederação Nacional do Comércio (CNC), os endividados e inadimplentes passaram de 76,7% e 29,3%, respectivamente, em dezembro de 2024, para 78,4% e 29,5%, respectivamente, em junho de 2025. Aqueles que informaram não disporem de condições de quitação são 12,5%.

Pior, a modalidade de empréstimo no rotativo do cartão de crédito, a mais cara, que cobrava juros médios de 444,9% ao ano, em maio de 2025, segundo acompanhamento do BC, é empregada por quase 84% dos consumidores. Inquérito feito pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em parceria com a Offerwise, 82% dos consumidores que usam o rotativo desconhecem a taxa de juros mensal.

Mais do que isso, mesmo com a implantação das leis do Superendividamento, em 2021, e do Desenrola, em 2023, a Serasa inferiu cerca de 77 milhões de brasileiros estavam inadimplentes, em maio de 2025, o que também constitui recorde histórico e acúmulo de dívidas da ordem de R$ 465 bilhões, sendo os principais passivos com bancos e cartão de crédito.

O princípio de indisposição econômica, atestado pelo desempenho mais entrincheirado dos parâmetros correntes, já começa a interferir no estado de ânimo dos agentes econômicos, por meio da disseminação e aprofundamento do espectro do pessimismo.

Tanto que o índice de confiança do empresário industrial, medido pela CNI, atingiu 47,3 pontos (varia entre zero e cem pontos, sinalizando desconfiança quando abaixo de 50 pontos) em maio de 2025, intensificando o curso descendente verificado desde o começo do ano, sintetizando o mau humor dos empresários.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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