Brasil soberano: remédio contra “Bolsonaro Family”

Gilmar Mendes Lourenço.
As medidas anunciadas enfaticamente pelo governo federal em 13 de agosto de 2025, na tentativa de amenizar, ou até neutralizar, as perdas amargadas pelas empresas responsáveis por 42% das exportações brasileiras aos Estados Unidos (EUA), com a mega tarifa de 50%, aplicada por ofensiva parceira, da dupla de “mui amigos” formada por Donald Trump e família Bolsonaro, devem ser interpretadas como os primeiros passos na direção correta, em linha com os reclames da comunidade empresarial.
Na verdade, escapa do raio de desvendamento e compreensão racional a posição tomada pela autoridade máxima da maior economia do planeta em implantar, de maneira unilateral, sanções tributárias contra um parceiro de menor envergadura e comercialmente deficitário.
Normalmente, escolhas estratégicas de uso de bordoadas protecionistas são efetuadas a partir de sugestões oriundas de criteriosos estudos técnicos que acenem e preconizem a prioridade de alteração do eixo de crescimento de um espaço geográfico nacional.
A ideia chave carrega privilegiamento do mercado doméstico, sob o velho paradigma da industrialização por substituição de importações, o que, no estágio e contexto de globalização das cadeias de valor, estaria inteiramente fora de tempo e lugar.
O mais grave, porém, é a constatação da presença e participação decisiva de atores políticos brasileiros, descontentes com a adversidade do desfecho das urnas, em 2022, na consumação de atos tão desproporcionais, que ferem tanto a lógica econômica elementar quanto os princípios basilares, registrados e informais, da operação dos regimes democráticos.
Trata-se de entes acampados em Washington, sob guarda do extremismo fascista mundial contemporâneo, conforme argumentação levantada pelo colunista do jornal Folha de S. Paulo, Celso Rocha de Barros, no artigo “Os gringos ladrões do Eduardo”, publicado em 17 de agosto de 2025.
No fundo, vislumbra-se um empenho de “fora para dentro” de desmanche forçado da vontade popular, que, curiosamente, advogam o emprego da Lei Magnitsky aos membros encarregados, pelas instituições, justamente de investigar e julgar as tramas e eventos golpistas.
Ressalte-se que o planejamento da anulação da peleja eleitoral foi feito por conhecidos (alguns escondidos) arautos da violência e tortura política clandestina contra adversários, desejosos de imunidade contra os controles republicanos e disfarçados de professores de liberdade de expressão e direitos humanos.
Passando ao programa de ajuda brasileiro, a experiência pretérita de aportes extraordinários de haveres oficiais destinados à mitigação dos efeitos negativos da pandemia de Covid-19, em 2020, e à sobrevivência da economia e sociedade gaúcha, vitimadas pelas enchentes de 2024, com irrestrito aval do Congresso Nacional, contribuiu para a elaboração e lançamento rápidos de um programa de ajuda transitória.
O conteúdo do apoio batizado de “Plano Brasil Soberano” está centrado quase que exclusivamente na perspectiva de manutenção dos níveis de atividade e emprego, diante das inúmeras restrições à descoberta de alternativas de escoamento da produção antes destinada aos EUA, em meio à uma verdadeira “zorra global”, provocada pelas sucessivas condutas agressivas utilizadas pelo chefe de estado daquele país.
A rigor, o choque de elevação dos impostos de importação pela administração americana alcançou os encadeamentos de valor nacionais articulados às vendas externas de maneira disforme, mesmo no interior dos segmentos alvejados, conforme o respectivo grau de subordinação à demanda dos norte-americana.
Daí que a concessão de providências compensatórias forçará, inevitavelmente, o emprego de critérios também desiguais, fortemente afetado pela capacidade de intermediação de interesses e pressões de natureza política dos ramos e companhias envolvidas junto à órbita política.
A alocação total de recursos deverá totalizar R$ 30 bilhões, e a colaboração da União não deverá ultrapassar R$ 9,5 bilhões, até o encerramento do exercício de 2026, a ser excluída da meta fiscal, o que representa uma manobra indesejável e um desgaste desnecessário dada a tolerância de déficit primário de até 0,25% do produto interno bruto (PIB).
O grosso do pacote repousará em subsídios creditícios (com fixação de juros pelo Conselho Monetário Nacional), provenientes do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) – superavitário em R$ 50 bilhões – e tributários (com a ampliação do Reintegra, ou a devolução de créditos aos exportadores, de 0,1% para 3,1%, para grandes empresas, e de 3% para 6,0%, para pequenas), e do adiamento do pagamento de impostos e passivos com instâncias governamentais.
No mais, predomina um enorme vazio prospectivo acerca da provável vida útil e magnitude do tarifaço, o que impede os esforços de cálculos do futuro, não constituindo absurda, inclusive, a premissa de extensão do choque, derivada da operação de forças absolutamente dissociadas da dinâmica de comércio exterior entre as duas nações.
Lembre-se que a impulsão da tarifa da Índia, de 25% para 50%, aconteceu por conta da compra do barato petróleo russo, e a do próprio Brasil, de 10% para 50%, pode ser explicada pela “ousadia e/ou teimosia” do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgar o ex-mandatário da nação por planejamento e execução frustrada do projeto de destruição das instituições democráticas nacionais, em 2022 e 2023, depois da derrota eleitoral, como se a soberania nacional pudesse ser colocada na mesa de discussões para afrouxamento de limitações comerciais.
Considerando as chances concretas de condenação e decretação de prisão de Bolsonaro, no mês de setembro de 2025, e de antecipação de um ciclo eleitoral dominado pelo esgarçamento das correntes de direita, em condições de orfandade dos radicais, parece razoável admitir até a multiplicação das penalidades comerciais e, em consequência, do imperativo de prolongamento temporal e fortalecimento do pacote emergencial.
Em outros termos, urge a necessidade de aderência perene ao enfrentamento dos dissabores associados à possibilidade de deflagração de novos ataques da guerra comercial, o que engloba, além de inevitáveis ajustes nos patamares de produção, empenho para a não eternização do amparo provisório.
Para tanto, será imprescindível o desencadeamento de atitudes firmes voltados ao adensamento e melhoria de eficiência da rede de promoção comercial, perseguição da diversificação dos mercados de destino das exportações, celebração de novos acordos e, principalmente, restauração do poder de competição empresarial, o que requer incursões complexas e de lenta maturação.
Convém não esquecer o apreciável cacife chinês para ingresso em qualquer reduto de consumo e/ou de produção do planeta, em virtude do manuseio virtuoso da orientação macroeconômica e das permanentes e substanciais inversões em atividades portadoras de futuro da quarta revolução industrial (robótica, digitalização e inteligência artificial).
Porém, pior do que a natureza imbatível da China, é prudente reter que as chantagens de Trump, por ocasião do fechamento de acertos com diversos países, poderão devolver espaço concorrencial aos até então pouco lembrados produtos americanos, o que atrapalharia a vida de produtos e empresas brasileiras, notadamente do agronegócio.
Por seu turno, a maximização dos ganhos de eficiência da microeconomia depende da irradiação dos efeitos da estabilização macroeconômica, com inequívoca sinalização de equilíbrio intertemporal das contas públicas – para o qual os desembolsos financeiros contra os males trumpistas e bolsonaristas não fazem sequer cócegas – e da ação coordenadora do estado para a restauração dos ingredientes de competividade sistêmica.
Paradoxalmente, essa última proeza impõem a agilização e intensificação da agenda de reformas estruturais, justamente em sentido antagônico à corrente preconizadora da exacerbação de comportamentos inclinados à reservas de mercado e preservação de sonhos de isolamento, normalmente reclamados pelos defensores do estado mínimo quando se deparam com circunstâncias adversas ao funcionamento de seus negócios.
Seria uma espécie de recomposição e/ou pavimentação do caminho das transformações de base, em um ambiente inóspito ao destravamento do diálogo, entendimento e negociações com os representantes do poder americano, completamente indiferentes, ao menos até aqui, a qualquer tipo de pleito, tratativa e interlocução.
A propósito disso, cerca de 30 governos nacionais teriam mencionado a realização do firme trabalho de formação de lobbies, dirigidos à atuação junto ao staff de Trump, objetivando abrandar a conjuntura de desvantagem, sem a colheita de grandes resultados.
Só a título de exemplo, o México procurou tirar proveito da ótima relação entre os dois comandantes (Trump e Claudia Sheinbaum), a Índia pagou US$ 1,8 milhão à Jason Miller, ex-assessor e antigo conselheiro de Trump, e entre 05 e 10 províncias canadenses recorreram a Chess Mcdowell, ex-companheiro de caça do filho de Trump.
Na ausência de canais de conexão com a Casa Branca, há quem defenda a abertura de tratativas com os integrantes da supostamente inatingível dinastia de abutres, por ora acomodada em território americano, liderada por um dos filhos do orquestrador e beneficiário do malogrado trabalho de derrubada da democracia e o neto do último presidente da ditadura militar, entre 1979 e 1985 que, em entrevista ao Jornal Folha de S. Paulo, declarou a intenção de tornar-se um democrata como o avô.
Em vez do aprofundamento da aproximação com ramos empresariais americanos afetados negativamente, a recomendação dos conservadores simpáticos à ultradireita, ou de olho em seu espólio, por aqui, residiria, mesmo sem a promoção de retaliações por parte do governo brasileiro, na solicitação da feitura de esforços ou acrobacias para a reversão (ou exorcismo) das maldades ou exigências inegociáveis, por ferir os ditames da soberania nacional, por eles mesmo solicitadas, incentivadas e, o que é mais gritante, celebradas.
A esse respeito, é no mínimo estranha a atitude passiva do seleto grupo de governadores de oposição (de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Goiás), que tencionam conduzir a “direita expandida” na contenda presidencial de 2026, que, de modo alinhado à distorção na fabricação de versões, em busca do boné trumpista, tem preferido imputar à gestão brasileira a interdição dos contatos e conversações com Trump, especialmente em momentos patrocinados pelos segmentos da cobertura do edifício da distribuição de renda.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.