Reforma tributária vai exigir revisão de contratos empresariais, alertam tributaristas

Cláusulas de preço, repasse de tributos e equilíbrio econômico-financeiro ganham relevância diante da criação da CBS e do IBS
A entrada em vigor da Reforma Tributária, que substitui tributos como PIS, Cofins, ICMS e ISS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), não deve impactar apenas a rotina fiscal das empresas. Para especialistas, a mudança também atinge a redação e a interpretação de contratos, exigindo maior atenção a cláusulas de preço, repasse de tributos e mecanismos de reajuste.
Carlos Crosara, advogado do Natal & Manssur Advogados, afirma que será necessária a revisão dos contratos anteriores, já que os novos tributos vão onerar os preços tanto na aquisição de insumos quanto na venda de mercadorias e serviços. “As cláusulas de preço precisarão ser reavaliadas com muito cuidado, pois isso interfere diretamente na rentabilidade e no fluxo de caixa. É recomendável a menção expressa à CBS e ao IBS esteja prevista nos contratos, definindo claramente se os custos serão repassados integral ou parcialmente”, observa.
Ele lembra, porém, que existe um mecanismo de atenuação: a não cumulatividade plena. “Todos os insumos adquiridos com incidência da CBS e do IBS vão gerar direito a crédito integral na saída. Ainda assim, como a alíquota geral prevista é de 26,5%, o impacto será muito relevante para o custo de aquisição, o fluxo de caixa e o capital de giro. Por isso, os empresários precisam ter atenção redobrada nesse ponto.”
Para Erlan Valverde, sócio do IW Melcheds Advogados, a redação genérica das cláusulas de repasse pode abrir espaço para disputas judiciais. “Quanto mais aberta for a cláusula, mais complexa será a discussão em caso de revisão contratual. A alteração tributária pode ser alegada como fato imprevisível, permitindo pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro”, explica. Ele lembra que a Lei Complementar 214/25 já prevê critérios de reajuste em contratos administrativos, mas alerta para a dificuldade de renegociações em setores como saneamento.
Desafio
Outro desafio apontado por Valverde é quando empresas em um mesmo contrato estão em regimes distintos, como Simples Nacional e regime regular. “Os adquirentes poderão pressionar fornecedores optantes pelo Simples a adotar o regime híbrido, mas sem repassar a majoração tributária. Esse será um ponto de tensão contratual importante”, afirma.
Nos contratos de longa duração, o risco é ainda maior, segundo Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados. “Uma obra ou contrato de fornecimento assinado agora pode atravessar o período de transição da reforma (2026–2033), com diferentes regimes aplicáveis em fases distintas da execução. Por isso, é altamente recomendável incluir cláusulas de recomposição tributária, prevendo ajustes automáticos em caso de alteração legislativa”, orienta.
Ele acrescenta que setores como construção civil, energia, concessões de infraestrutura e contratos de fornecimento industrial precisam dessa proteção, já que uma mudança tributária no meio da execução pode até inviabilizar economicamente a operação. Para as pequenas e médias empresas, Garcia recomenda atenção especial: “Sempre que assinarem novos contratos, devem incluir cláusulas-padrão de repasse, estruturar controles para não perder créditos no cruzamento de sistemas e prever reajustes periódicos também por variação tributária.”
Insegurança
Já André Felix Ricotta, professor do IBET e sócio da Felix Ricotta Advocacia, destaca a insegurança trazida pela indefinição das futuras alíquotas da CBS e do IBS. “As cláusulas de reajuste e rediscussão tornam-se indispensáveis para mitigar riscos e garantir equilíbrio econômico-financeiro, devendo conter gatilhos claros, fórmulas de cálculo transparentes e definição da base de comparação”, ressalta.
Para ele, outro ponto crucial será a integração entre advogados e contadores. “A reforma não é apenas fiscal; envolve aspectos jurídicos, econômicos e operacionais. Uma abordagem multidisciplinar é essencial para capturar todos os riscos e oportunidades.”
Na avaliação dos especialistas, a transição para o novo modelo tributário exigirá um movimento preventivo das empresas. A revisão contratual cuidadosa e a cooperação entre áreas jurídicas e contábeis podem ser decisivas para evitar litígios e preservar a segurança jurídica nos próximos anos.