Voo de galinha em procedimentos de pouso: o PIB do 2º trimestre

Voo de galinha em procedimentos de pouso: o PIB do 2º trimestre
Gilmar Mendes Lourenço.

A variação de 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, no segundo trimestre de 2025, em relação aos três meses imediatamente anteriores, medida pelo Sistema de Contas Nacionais Trimestrais (SCNT), do IBGE, resume um desempenho econômico com maior inclinação ao mercado doméstico.

Mais precisamente, o resultado confirma o princípio de desaceleração do cenário de recuperação, iniciado em fins de 2022, amparado, em grande proporção, na ampliação da massa de rendimentos, fruto da combinação entre fortalecimento do emprego, formal e informal, e das ações públicas de proteção aos vulneráveis.

Ao desviar as referências comparativas, o IBGE também apurou números favoráveis, expressos em acréscimos de 2,2%, 2,5%, e 3,2% do PIB, em confronto com igual período de 2025, no acumulado do ano e em doze meses encerrados em junho de 2025, respectivamente, conformando o pico da série histórica construída desde 1996.

A incorporação desse último indicador, à cesta de performances do lapso temporal compreendido entre janeiro de 2022 e junho de 2025, permite inferir crescimento médio anual de 3,2%, o segundo melhor pós-redemocratização brasileira, deflagrada em 1985, perdendo apenas para os 4% ao ano, aferido entre 2003-2010, compreendendo os dois mandatos seguidos da gestão petista.

Vale destacar que o embalo percebido nos governos Lula 1 e 2 traduziu a conjugação de maturação das modificações institucionais plantadas sob a gerência de antecessores, incluindo a desinflação do Plano Real e as políticas redistributivas, e o bônus internacional, produzido pela China.

No cotejo entre abril-junho e janeiro-março de 2025, o avanço pode ser imputado à expansão experimentada por serviços (0,6%), embalados por atividades financeiras e de comunicação, e indústria (0,5%), puxada pela classe extrativa (5,4%), ao passo que a agropecuária amargou encolhimento de 0,1%.

Pela ótica da demanda agregada, o incremento foi movido pelo consumo das famílias (0,5%) e exportações (0,7%), contra e investimentos (%), enquanto gastos do governo, importações e investimentos declinaram 0,6%, 2,9% e 2,2%, respectivamente.

Com isso, a taxa de investimento ficou em 16,8% do PIB, praticamente não saindo do lugar em um ano, sendo pouco superior à de 16,6% do PIB, exibida no segundo trimestre de 2024, e inferior à de 17,8%, experimentada entre janeiro e março de 2025.

O comportamento menos animador das vendas externas deriva da conjuntura internacional adversa, caracterizada pela exacerbação das incertezas associada à intensificação dos rearranjos geopolíticos, à ausência de soluções diplomáticas para os conflitos entre Rússia e Ucrânia e Israel e grupo terrorista Hamas e aos desdobramentos das atitudes precipitadas pelo chefe americano, Donald Trump, notadamente a deflagração da guerra comercial.

Em avaliação recente, o economista Martin Wolff, comentarista do Jornal Financial Times, sublinhou que “em seis meses, o presidente dos EUA fez grandes avanços na implementação de uma agenda contra tudo o que tornou o país bem-sucedido”.

Em um desdobramento da afirmação de Wolff, não é difícil identificar vários malefícios ligados não à ocupação democrática, mas à tomada do poder americano, dentre os quais sobressaem controle rápido e absoluto do governo federal, a demissão em massa de servidores e a realização nomeações relâmpagos, eminentemente políticas.

Na mesma linha autocrática emerge a conquista da aprovação, pela Suprema Corte, para desligamento e troca dos chefes das agências autônomas, sem aval do Congresso, a eliminação da independência do Departamento de Justiça e golpes contra o Federal Reserve (banco central dos EUA, a fortaleza do dólar), universidades e instituições estatísticas tradicionais.

Nessas circunstâncias, o ainda leve enfraquecimento do embalo econômico nacional serve como advertência à predileção política por “voos de galinha” fortemente dependente das bondades fiscais e renda auferida pelo fator trabalho assentado em condições precárias, com estabilidade da informalidade em 40% da força.

O escape da necessidade de pouso, ainda que suave, da ave e, o que é melhor, sua transformação em viagem de longo percurso, sem escalas e conexões, ou, em economês, um ciclo virtuoso duradouro, depende de um conjunto apreciável de fatores, que podem ser juntados na recomposição da previsibilidade global e em modificações de rota da orientação da macroeconomia nacional, abarcando parâmetros de estabilização e desenvolvimento.

Os contornos mundiais de convivência não traumática com posturas de ultradireita, lideradas por Trump, deverão priorizar a multipolarização, favorecida pelo domínio dos elementos da quarta revolução industrial, conduzida por digitalização, robótica e inteligência artificial.

Em curto prazo, emerge a ativação das forças compensatórias à perda de parcela da demanda americana, contemplando a exploração de alternativas de redirecionamento dos fluxos de comércio, carregada de complexidades em um mundo em franca rearrumação.

Será também indispensável a oferta de garantias ao cumprimento de compromissos inarredáveis com a responsabilidade fiscal, ou o não arrombamento dos orçamentos mesmo com o emprego de dribles legais, crucial à sinalização de solvência do estado e ao represamento, ou mesmo eliminação, das tensões inflacionárias oriundas do lado da demanda do sistema.

Em longo termo, urge a elaboração e negociação de um programa de crescimento que possa assegurar, de um lado, o prosseguimento e adensamento das políticas inclusivas, preferencialmente descolado da demagogia focada permanentemente no calendário eleitoral, e, de outro, catapultar a eficiência pública e privada, variável determinante do encaixe competitivo do país na onda global, de sustentação do ambiente doméstico e de enfrentamento do inexorável fechamento da janela demográfica.

O alcance de tais propósitos exige o audacioso cumprimento de uma agenda ambiciosa, centrada na execução de uma nova geração de reformas estruturais, capazes de resgatar a natureza funcional do estado e multiplicar a produtividade da microeconomia.

O cardápio de esforços engloba abertura comercial, implementação da reforma tributária dos impostos de incidência indireta e de drásticas alterações no imposto de renda (IR), severas adequações na máquina pública, aprofundamento das privatizações e redefinição de novas rodadas de transformações dos regimes previdenciários.

A propósito do mix liberalização comercial e produtividade, segundo dados do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio (OMC), dentre os estados avançados e emergentes, a tarifa média de importação brasileira, de 13,5%, só é superada pela da Coreia do Sul (13,9%), contra média global de 8,9% e 3,6% dos EUA, depois do tarifaço aplicado por Trump.

Já no que se refere à produtividade da mão de obra, de acordo com cálculos em dólares, efetuados pelo Conference Board, partindo de patamares praticamente idênticos, enquanto a da Coreia do Sul e do Chile saltaram 6,2% a.a. e 3,9% a.a., respectivamente, entre 1990 e 2023, o Brasil andou apenas 1,2% a.a.

Igualmente importante será o redesenho do federalismo fiscal, por meio da repactuação de receitas e encargos entre as três órbitas (união, estados e municípios), que possa estancar a sangria dos orçamentos públicos, promovida sobretudo pelos entes subnacionais.

Isso é particularmente grave, dado que, desde a deposição da presidente Dilma Rousseff, em 2016, tem prevalecido a continua renovação de verdadeiras farras fiscais, proporcionadas por manobras legislativas espúrias, apoiadas nas pouco transparentes emendas parlamentares, absolutamente descoladas das estratégias de estado, acordadas pelo ocupante do poder executivo, nas eleições majoritárias.

Por fim, é crucial a introdução de transformações no modus operandi financeiro, focado na intensificação da concorrência interbancária e no desmanche da oligopolização, essenciais ao barateamento e democratização do crédito, em linha com os padrões prevalecentes na comunidade financeira internacional.

Convém sublinhar que o que determina a explosão da dívida pública é o déficit nominal, fortemente subordinado à manutenção da Selic na estratosfera.  Em um ano até julho de 2025, as despesas consolidadas do governo registraram R$ 968,5 bilhões, o que equivale a 7,86% do PIB, com juros de R$ 941,2 bilhões, ou 7,64% do PIB.

Trata-se de receita ousada na direção da produção de um arranjo menos vinculado do presente e mais direcionado ao futuro, calcado nos componentes antecedentes do investimento em educação, ciência, tecnologia e inovação, infraestrutura, por meio de parcerias público-privadas, na busca de recomposição da competividade sistêmica da nação, desmanchada em estágios pretéritos por insuficiente diálogo e visão política e, em alguns casos, escorregadas contra as regras democráticas.

É prudente não esquecer a correlação direta entre construção do desenvolvimento social e preservação e aprimoramento da democracia, em clima de desmanche de posições e ações populistas extremadas, desejado pela esmagadora maioria da população que, em vez da dedicação à disputa do simbólico status de abnegado defensor da “pátria amada”, almeja apenas a disponibilidade de governantes honestos, comprometidos e vocacionados para a liderança, algo que, infelizmente, não se enxerga no horizonte.

Não por acaso, a edição impressa de 28 de agosto de 2025, da Revista Britânica “The Economist”, insuspeita por ostentar perfil irremediavelmente conservador, enaltece os ensinamentos de maturidade democrática oferecidos pelo Brasil aos EUA, no caso do julgamento do ex-comandante da nação por suposta participação em trama golpista. Em essência a matéria infere que o Brasil estaria se saindo melhor ao tratar de Bolsonaro do que os americanos fizeram com Trump.

Recorde-se que no decorrer do próprio mandato, o chefe do executivo não cansou de reverenciar torturadores e ditaduras do passado, como a chilena, de Pinochet, e a paraguaia, de Stroessner, ameaçar com o retorno do ato institucional nº 5, emblema dos anos de chumbo, e instigar posições de desobediência civil às decisões do judiciário.

O núcleo central da inconfidência – que tencionava anular os números do segundo turno do pleito à presidência, de outubro de 2022, implantar uma espécie de governo provisório, depor ou prender juízes da Suprema Corte, dentre outras agressões – constituído por oito réus, abarcando o ex-presidente, três generais e um almirante, será julgado a partir deste 02 de setembro de 2025.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *