A dívida mascarada: por que empresas que pagam em dia vivem sob estrangulamento financeiro

Cláusulas abusivas, taxas sobrepostas e renegociações opacas corroem silenciosamente o caixa de PMEs e médias empresas
Mesmo com os pagamentos “em dia”, milhares de empresas brasileiras operam sob um endividamento silencioso: contratos de crédito e financiamento repletos de custos ocultos (juros efetivos elevados, tarifas agregadas, seguros embutidos e pacotes de serviços) que drenam margem e sufocam o giro de caixa.
Em um ambiente de juros altos e crédito seletivo, esse estrangulamento se intensifica e, não raro, antecipa decisões de corte ou de postergação de investimentos. A taxa Selic permanece em patamar elevado e as atas do Copom sinalizam manutenção prolongada de juros altos; nesse quadro, qualquer ponto de eficiência financeira faz diferença na operação diária da empresa.
Segundo o advogado empresarial Arthur Rodrigues, especialista em recuperação de empresas, a boa notícia é que há soluções técnicas e seguras: “O empresário não precisa estar inadimplente para sofrer com contratos desequilibrados. E revisar não é brigar com o banco, mas sim um processo técnico para restabelecer o equilíbrio econômico do contrato e, quando cabível, recuperar valores pagos a maior. O efeito prático é liberar fôlego para caixa, sem criar novas dívidas”, afirma.
O problema tem dimensão macro. Em janeiro, o país registrou 7,1 milhões de empresas inadimplentes, um recorde histórico — e isso nem captura as companhias que seguem pagantes, porém comprimidas por contratos onerosos e spreads elevados. Em março de 2025, os pedidos de recuperação judicial atingiram o maior número do ano até então, sinalizando fragilidade financeira generalizada no setor produtivo.
Onde costumam estar os “vazamentos”
Na prática, os desequilíbrios mais frequentes aparecem em juros efetivos acima do pactuado, seguros e serviços agregados sem clara contraprestação, tarifas cumulativas e renegociações que capitalizam custos e alongam prazos em condições piores. Não é raro que contratos já quitados guardem margem para revisão, uma via especialmente relevante para frotistas, logística, revendas e indústrias que financiam ativos móveis.
“Quando a empresa resgata capital ‘perdido’ em contratos antigos, ganha fôlego imediato para renovar frota, reduzir manutenção e investir no que importa. Em vez de novo empréstimo, ela recupera eficiência que estava travada na estrutura contratual”, analisa Arthur Rodrigues.
O pano de fundo operacional reforça a urgência: a qualidade das rodovias influencia diretamente o custo operacional do transporte, e a Pesquisa CNT de Rodovias estimou aumento de 32,7% no custo do transporte rodoviário de cargas por conta da má conservação do pavimento, uma pressão que se soma ao custo do dinheiro caro.
Conheça os sinais de “dívida mascarada” para checar hoje
O especialista Arthur Rodrigues dá algumas dicas para identificar se no seu negócio existem dívidas que você não está conseguindo identificar.
- Parcelas “em dia”, mas caixa sempre apertado e necessidade recorrente de rolar capital de giro;
- Contratos com seguros/serviços agregados de difícil comprovação de uso;
- Renegociações frequentes que reduzem a prestação, mas elevam o custo total;
- Divergência entre o juro nominal divulgado e o CET (custo efetivo total) na prática;
- Múltiplos débitos acessórios (tarifas, taxas administrativas) sem clareza contratual.
“O primeiro passo é um diagnóstico documental. Analisar contratos, aditivos, extratos e comprovantes. A partir daí, avaliamos a recomposição econômica, ou seja, o que é revisável, o que pode ser restituído e como preservar a relação bancária,” conclui Arthur.