O futuro do dinheiro global: o dólar está realmente perdendo sua hegemonia?
Hugo Garbe.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o dólar atua como o eixo central do sistema monetário internacional. Funciona como referência para reservas cambiais, liquidação de comércio exterior e precificação de ativos. A moeda norte-americana tornou-se infraestrutura financeira global.
Nos últimos anos, porém, intensificou-se o debate sobre uma possível redução gradual dessa hegemonia. Flutuações do dólar, tensões geopolíticas e a busca de países por acordos comerciais em outras moedas levaram governos e bancos centrais a explorar alternativas. A discussão deixou de ser teórica e passou a envolver decisões concretas, como a assinatura de contratos internacionais em outras moedas e o aumento das reservas de ouro por diversos paíse
Mudanças na hegemonia não significam substituição imediata
É essencial separar duas questões distintas. Oscilações de câmbio refletem ciclos econômicos e mudanças na política monetária. Já a perda de hegemonia é uma mudança estrutural do sistema financeiro internacional. Enquanto as primeiras ocorrem diariamente, a segunda exige transformações profundas, envolvendo comércio, finanças e confiança institucional.
A adoção crescente do yuan em transações com a China, acordos bilaterais sem o uso do dólar e iniciativas de pagamento digital entre países ilustram essa transformação. No entanto, mesmo com tais movimentos, o dólar segue como principal meio de liquidação internacional.
Por que o dólar permanece no centro?
A força do dólar não é resultado apenas de tradição, mas de fundamentos objetivos. O mercado de títulos do Tesouro dos Estados Unidos é o mais líquido e profundo do planeta, permitindo transações de grande volume com baixo impacto nos preços. Além disso, o sistema institucional e jurídico norte-americano oferece previsibilidade e segurança para investidores globais.
Existe também o efeito de rede: quanto mais o dólar é utilizado, mais racional é continuar utilizando-o. Sistemas de pagamento, contratos internacionais, precificação de commodities e instrumentos financeiros globais foram construídos sobre ele.
A transição possível: de hegemonia única para um sistema multipolar
Mudanças na moeda dominante na história sempre foram graduais. É mais plausível imaginar um sistema multipolar do que uma substituição abrupta. O euro já é relevante no comércio europeu. O yuan avança no comércio asiático e em acordos bilaterais. Além disso, moedas digitais emitidas por bancos centrais podem facilitar pagamentos internacionais no futuro.
Ainda assim, nenhuma dessas moedas reúne simultaneamente liquidez global, abertura financeira e confiança institucional. Por isso, o cenário mais provável não é o surgimento de um novo “dólar global”, mas a convivência entre várias moedas relevantes.
Impactos econômicos de longo prazo
A diversificação monetária tende a remodelar fluxos de comércio e investimentos. Países emergentes podem reduzir a exposição ao dólar, diminuindo a sensibilidade a choques cambiais e aos efeitos de decisões de política monetária dos Estados Unidos. Para empresas, a mudança exigirá novos modelos de gestão de risco, já que contratos poderão ser negociados em diferentes moedas.
No plano geopolítico, a dispersão do poder monetário reduz o alcance de sanções financeiras unilaterais e redistribui influência econômica entre os grandes blocos do mundo.
O artigo foi escrito por Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)


