Juros proibitivos e canais de vazamento de recursos públicos

Juros proibitivos e canais de vazamento de recursos públicos
Gilmar Mendes Lourenço.

A despeito da disseminação de interpretações contrárias no ambiente especializado e no núcleo dos formadores de opinião, guiados pelos meios de comunicação, não soa desprovida de racionalidade a ideia de que os juros estratosféricos, que transbordam da base para as demais modalidades de empréstimos e financiamentos, não enfeixam o tratamento adequado à reversão da curva de preços de varejo no Brasil.

Se a prescrição fosse correta, os índices de inflação ao consumidor estariam, há bastante tempo, convergindo de maneira consistente em direção ao teto da meta anual, com objetivo central de 3%, determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

É preciso lembrar que, com o estabelecimento do intervalo de tolerância de um e meio ponto percentual para mais ou para menos, a referência do sistema, representada pelo índice nacional de preços ao consumidor amplo (IPCA), do IBGE, pode oscilar entre 1,5% ao ano e 4,5% a.a., demarcando o trajeto de abrangência da política monetária.

Uma observação da conjuntura recente permite apreender que, depois de ter flertado por razoável período de tempo com o pico da meta, chegando a ultrapassa-lo e seguir ao ápice de 5,53% em doze meses, em abril de 2025, o IPCA recuou para 4,68%, em outubro de 2025, na mesma base de comparação, em virtude, primordialmente, do choque negativo de oferta proporcionado por alimentos, em função da safra recorde de grãos, energia, com o bônus de Itaipu e a suspensão temporária da bandeira tarifária vermelha, e câmbio, por meio da depreciação do dólar.

Por essa ordem de identificação, não parece ficção acadêmica indefensável a argumentação de que a prolongada terapia de juros altos é demasiadamente amarga e, ao que tudo indica, inócua, dada a supremacia do exagerado diagnóstico da moléstia inflacionária, ocasionada por forças de demanda, como insistem em defender os membros do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), endossados por manifestações da comunidade financeira, ao imputar a culpa especificamente à expansão fiscal.

Há evidências de que não tem sido suficientemente contemplada pelos responsáveis pela ortodoxia monetarista, a repercussão inflacionária oriunda da interferência dos aspectos de imprevisibilidade internacional, com o tsunami Trumpista, a persistência das guerras e o acirramento das tensões de natureza geopolítica, somadas aqueles neutralizadores de oferta, antes mencionados, que explicam a acomodação e discreta inversão da marcha ascendente dos medidores de preços.

Mais do que isso, considerando que a maioria das nações submetidas aos rigores formais do regime de metas de inflação – ou seguidores de declarações de intenções de marcadores decrescentes, por parte dos bancos centrais – possuem déficit orçamentário superior ao brasileiro, acompanhado de inflação menor e crescimento econômico mais robusto, não constitui desprezível a hipótese de superdimensionamento da austeridade monetária.

Igualmente não despropositado seria o lançamento da premissa argumentativa de que o esforço associado à manutenção dos juros reais elevados – vice-líderes no mundo, perdendo somente para a Turquia – que, finalmente, começa alterar a trajetória de expansão dos níveis de atividade, renda e emprego, iniciada no final de 2022, estaria intimamente sincronizado com a preservação dos interesses dos eternos vencedores do campeonato distributivo, acomodados no trivial trabalho de rolagem da dívida pública.

A propósito da desaceleração da economia, o índice de atividade econômica do Banco Central (IBC-Br), uma espécie de prévia da variação do produto interno bruto (PIB), decresceu – 0,9%, em setembro de 2025, em comparação com agosto, puxado pela agropecuária (-4,5%), com encolhimento de -1,0%, na indústria, e -0,3%, em serviços.

Nessa perspectiva, a multiplicação das necessidades de financiamento, expressa no déficit primário (receitas menos despesas, exceto juros), e do endividamento do setor público, “cairia como uma luva” como resposta aos pleitos do oligopólio formado pelas instituições financeiras e grandes e médias corporações produtivas, satisfatoriamente acomodadas com a maximização dos ganhos não operacionais, propiciados pelas transações de tesouraria.

Decerto que ainda que a disparada do dispêndio público corrente esteja diretamente vinculada ao alargamento da abrangência dos programas de proteção social, por motivações eminentemente eleitoreiras, descoladas de estratégias de estado, o poder central, permanece deliberadamente preso à gastança desenfreada, como válvula de escape à armadilha da polarização, que domina o país desde ao menos o calendário eleitoral de 2018.

Com isso, em vez da dedicação à formulação, explicitação e deflagração de diálogo e entendimento político voltado à construção coletiva e implantação de um projeto de longa maturação, o governo prefere o esconderijo da desculpa de premência de priorização da administração e/ou resolução de macroproblemas institucionais, com destaque para as variantes das sucessivas tentativas de subversão à ordem democrática.

Sem dúvida, as investidas contra os esteios institucionais acontecem fora e dentro do território nacional, conduzidas por uma minoria de atores do espectro político, acomodados na extrema-direita, avessos ao reconhecimento de derrotas em eleições limpas, barulhentos nas redes sociais e especializados na produção e espalhamento de notícias falsas e desinformação.

Não bastasse a ausência de compromissos claros com iniciativas que extrapolem as aspirações eleitorais de perpetuação no poder, a administração de Lula 3 e o folclórico parlamento, por uma qualificação educada, empenham-se em tarefas na linha de produção de abundante munição à manutenção da postura e ação conservadora do BC, ancoradas na abertura de novas comportas fiscais.

Aos menos três expedientes mereceriam destaque na tônica de irresponsabilidade fiscal reinante por essas paragens: o ralo de escoamento de haveres dos cofres públicos por meio de empresas estatais cronicamente ineficientes e perdulárias; a bagunça orgânica das iniciativas de inclusão social; e a farra orçamentária tocada e/ou patrocinada pelo Congresso Nacional.

Começando pelas organizações controladas pela União, o quadro é simplesmente desalentador, caracterizado por um estilo gerencial ideológico e aparelhado partidariamente, fruto da realização de nomeações de diretores e membros dos conselhos, por critérios políticos, e o loteamento de inúmeros cargos de confiança, por demanda dos movimentos sindicais, sem o cumprimento dos requisitos mínimos de qualificação técnica, atestando e delineamento da indisfarçável rotina de confronto de interesses e compadrios.

Isso resultou em sangrias recorrentes, conforme apurado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), aprofundados após o abrandamento da Lei das Estatais – sancionada em julho de 2016, na gestão Temer -, por liminar deferida, em março de 2013, pelo então Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski.

Para o conjunto de 27 empresas que possuem receitas próprias e estão incluídas na mensuração do déficit público (fora a Petrobrás e os bancos públicos, a STN estimou perdas líquidas de R$ 9,2 bilhões, em 2025, e R$ 6,7 bilhões em 2026, puxadas pela performance dos Correios.

O mais gritante é que os Correios, que experimentaram déficit de R$ 2,6 bilhões, no segundo trimestre de 2025, superando em 4,7 vezes o desnível registrado entre abril e junho de 2024 (R$ 553 milhões), perfazendo R$ 4,4 bilhões no semestre, devem ser agraciados com canalização de recursos federais da ordem de R$ 20 bilhões, quando o encaminhamento mais decente seria a transferência à iniciativa privada ou até o encerramento das atividades.

Outras locadas em igual embarcação são a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear (ENBpar), subsidiária da Eletronuclear (buraco de R$ 1,4 bilhão), cálculo que poderá passar dos R$ 20 bilhões, em condições de conclusão da Usina de Angra 3, Infraero, Casa da Moeda Companhias Docas de Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Pará.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *