Brasil 2025: Lances da conjuntura econômica e política
Gilmar Mendes Lourenço.
A economia brasileira deve encerrar o exercício de 2025 desmanchando, novamente, as profecias catastrofistas, ou, na mais elegante apreciação, previsões desanimadoras, criteriosamente preparadas pelos integrantes dos meios especializados, no começo do ano, e que se aprofundaram durante o cumprimento do calendário.
De fato, a maioria dos prognósticos dos experts, operantes em uma espécie de indústria fabricante de pânicos, apoiava-se em apostas que denotavam pronunciada perda de embalo dos níveis de atividade, derivada de forças negativas externas e domésticas, em especial o fator “imprevisibilidade” ligado ao uso da doutrina intimidatória do governo Trump 2.0, no afã de transformação do Ocidente em área de influência direta americana, otimizada com a adoção de medidas ultra protecionistas.
As predições dos “espectadores imparciais” das cenas do espetáculo das economia e política assumiam ainda que o retrato desfavorável sofreria interferência da pronta resposta das nações afetadas pela deflagração da guerra comercial, da intensificação dos desarranjos decorrentes da não resolução dos principais conflitos bélicos (Israel versus grupo terrorista Hamas e Rússia contra Ucrânia) e pelo não equacionamento do substancial imbróglio geopolítico, marcado pela disputa hegemônica entre americanos e chineses.
No ambiente endógeno, os esforços de futurologia de curto prazo encaminhavam a emergência de um cenário de instabilidade e exacerbação das incertezas, associado à persistência do panorama de juros estratosféricos, consequência do descontrole da inflação, com a desgarrada do teto anual de 4,5%, estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Igualmente nociva à atmosfera de transações seria a inevitabilidade de explosão das carências de financiamento e da dívida do setor público, sugestiva de condição de insolvência do estado, o que afetaria as condições básicas de governabilidade e provocaria danos ao sistema de produção, emprego e tecido social.
A esse amplo conjunto de incômodos de cunho econômico se somaria a agudização dos focos de desequilíbrio de natureza política e institucional, com o adensamento da polarização, plantada em 2018 e renovada nas eleições de 2022, à enésima potência.
Porém, o clima de negócios e as esticadas de preços não confirmaram as reiteradas pressuposições de proximidade de erguimento do caos. Ao contrário, o que se observou, no terreno internacional, foi praticamente a repetição da expansão média do produto interno bruto (PIB) de 3,2% ao ano, constatada desde a depuração estatística dos efeitos da pandemia de Covid-19, a partir de 2022.
Mais do que isso, surpreendentemente houve um quase que instantâneo ajustamento das cadeias de suprimento de matérias primas e produtos acabados ao choque tarifário aplicado pelo presidente americano, que, por sinal, ostentou como mais importante característica, estocadas iniciais e recuos posteriores.
No final das contas, as penalizações mais drásticas recaíram sobre a pauta de exportações brasileira, em fase de guinada em razão dos diálogos e negociações ensejados pelo entendimento franco entre Lula e Trump, e indiana, castigada pela aquisição de petróleo barato produzido pela indústria Russa.
Em idêntica linha, o consistente declínio das cotações das commodities e do dólar, nas principais praças financeiras, colaborou decisivamente para a configuração de uma rota moderadamente cadente da inflação, aproximando-se do objetivo anual de 2%, definido pelo Banco Central Europeu e pelo Federal Reserve (Fed), ou BC norte-americano.
Aliás, a identificação de escape da marcha da inflação ao consumidor para 3% ao ano, nos EUA, deveu-se essencialmente, aos desdobramentos do tarifaço no cotidiano de precificação americano, induzindo a diminuição da renda líquida disponível das famílias.
Apenas a título de ilustração, a inflação global no varejo declinou de 5,8%, em 2024, para 4,2%, em 2025, permanecendo em 2,5%, nas nações avançadas, e encolhendo de 7,9% para 5,3%, nos mercados emergentes, de acordo com cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI).
De seu turno, enquanto os preços das commodities metálicas subiram 23,1%, por conta da impulsão da demanda chinesa, vinculada à disparada dos investimentos em infraestrutura, os das agropecuárias e energéticas recuaram -3,6% e -4,2%, respectivamente, sendo esses últimos determinados pela queda das cotações de petróleo.
No que diz respeito à dinâmica no plano nacional, percebeu-se a prevalência da vagarosa propensão à estagnação da economia, ou o propalado “pouso suave”, em decorrência, preponderantemente, da prolongada austeridade monetária praticada pelo BC, destinada à contenção de focos de impulsão de demanda, ladeada, paradoxalmente, pela reversão da tendência de recrudescimento inflacionário, motivada por choques benéficos de oferta (safra, câmbio e energia).
Por essa perspectiva, a compensação do aperto monetário via expansão fiscal, focada na ampliação dos investimentos e, sobretudo, gastos públicos, sendo estes direcionados prioritariamente ao alargamento da proteção aos vulneráveis – culminado em acréscimo de 2,6% do PIB, neste ano, contra 3,4%, em 2024 – tem servido de anteparo contra a diminuição da velocidade de crescimento das exportações e garantido a obtenção expressivos ganhos sociais.
Nunca é demais ressaltar que a magnitude das alocações no programa Bolsa Família, considerado o carro chefe das iniciativas inclusivas, desde o primeiro mandato de Lula, mais que quadruplicou em sete anos, saltando de 0,4% do PIB, em 2018, para 1,7% do PIB, em 2025.
Também integrando o elenco de bondades, o Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), dirigido a pessoas com deficiência e idosos com 65 anos ou mais, com renda domiciliar mensal per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo, pulou de 5,1 milhões de assistidos (R$ 6,7 bilhões), em janeiro de 2023, para 6,5 milhões (R$ 10 bilhões), em setembro de 2025.
Por fim, mas não menos relevante, o retorno da política de valorização do salário mínimo, implantada nos tempos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), aprofundada nos governos petistas e cancelada sob o mando de Bolsonaro, ajuda a decifrar a vitalidade da renda e do emprego.
Tanto que, conforme o IBGE, o país contabilizou recordes na performance de ocupação de mão de obra (102,6 milhões) e geração renda (R$ 3.528,00 per capita/mês) da série, e alcançou as mínimas históricas nas variáveis relacionadas à concentração de renda, pobreza e miséria.
Só que o volume de vendas do comércio varejista ampliado (que também abrange veículos e motos, partes e peças, materiais de construção e atacado de produtos alimentícios, bebidas e fumo) apresentou crescimento zero em doze meses terminados em outubro de 2025, como demonstra pesquisa do IBGE.
A posição abaixo da linha de melhoria ou estabilidade vem sendo preenchida pelo setor industrial, portador de indicadores de produção, vendas, emprego, massa de rendimentos, salários médios e ocupação da capacidade instalada em modo acomodação, o que tem resultado na predominância da manifestação de pessimismo capturada nas sondagens de confiança realizadas junto à comunidade empresarial, tanto pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) quanto pela Fundação Getúlio Vargas.
O desempenho da categoria vem sendo resguardado pela classe extrativa, concentrada em petróleo e minério de ferro, dotada de menor potencial de agregação de valor vis a vis os ramos de manufatura, e os segmentos mais articulados à pujança do agronegócio.
A Pesquisa Industrial Anual (PIA) Empresa, efetuada pelo IBGE constatou diminuição de -11,4% do salário médio pago pela indústria, entre 2014 e 2023, recuando de 3,5 para 3,1 salários mínimos, com quedas em 25 das 29 atividades objeto de observação.
Outras medições demonstram cabalmente autêntica paralisia da produtividade fabril nacional nas últimas três décadas, em função da conjugação entre insuficiente clareza das estratégias oficiais visando à reversão da desidratação setorial, fenômeno conhecido como desindustrialização, e o poder de contágio da postura apática das lideranças produtivas, acomodadas sob o guarda-chuva dos eternos incentivos e subsídios oficiais.
Em termos agregados, a eficiência do trabalho industrial decresceu -23%, em 30 anos, o que se revela extremamente preocupante em contexto de rápido envelhecimento populacional e exaustão do bônus demográfico, marcado pelo declínio da participação das pessoas em idade ativa e aumento das idosas na estrutura etária, o que exigirá renovados ajustes no aparato previdenciário e vultosos investimentos em saúde e educação profissionalizante.
Em outras palavras, enquanto o mundo avança em ritmo acelerado na concretização da quarta revolução, com a apropriação e difusão das tecnologias digitais, robótica, inteligência artificial e plantas inteligentes, o Brasil ainda patina na absorção e emprego de conceitos contemporâneos de processos e linhas dedicados à transformação fabril.
Esse evidente marasmo repousa na não percepção de uma atmosfera de negócios virtuosa, dominada por marcos regulatórios robustos e eficazes, estabilidade, solidez e transparência jurídica, política industrial definida e, notadamente, previsibilidade de natureza macroeconômica.
Até porque, em 2025, o Brasil situou-se na 52ª posição, em um painel de139 nações, no índice Global de Inovação (IGI), produzido pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), em parceria com a CNI, descendo dois degraus frente a 2024, sacrificando o 1º posto na América Latina, em benefício do Chile.
Logo, não é difícil notar que o atingimento de fôlego incremental excepcional à efetivação de inversões carregadoras de maior conteúdo tecnológico esbarra nos, cada vez mais corriqueiros, acidentes de percurso verificados na fronteira político-institucional.
Não bastasse os movimentos pendulares ou as bruscas alterações de humor dos atores políticos, nos diferentes poderes e instâncias da federação, ao longo do ano, agravados pela insolente ativação de arsenal antipatriótico, de fora do território brasileiro, por engajados defensores de regimes de exceção, e pelo desfecho previsível do julgamento dos responsáveis pelo planejamento do golpe de estado, em 2022, apoiados em negacionismo da derrota no pleito de outubro daquele ano, o apagar das luzes de 2025 comporta o transbordamento de fortes emoções para 2026, cuja peça mais saliente inclui o episódio eleitoral.
Do delineamento das brigas mais ferozes afloram algumas peculiaridades abjetas, exprimidas pelos distintos agentes da democracia, supostamente representativa da sociedade, com ênfase para a operação do poder executivo permanentemente avesso à celebração e cumprimento de compromissos com a responsabilidade fiscal,
No legislativo, a Câmara dos Deputados comporta uma agenda diametralmente antagônica à maioria dos anseios e interesses da população, com inaceitáveis procedimentos autoritários e acertos de cúpula visando à conquista de retrocessos institucionais, como a deplorável aprovação do arquivamento do processo de cassação do mandato da deputada, Carla Zambelli, condenada pelo STF por invasão de sistemas do Conselho Nacional de Justiça, e presa, na Itália, em regime fechado.
A conduta do chefe da Casa, em fiel obediência ao acordão com os poderosos padrinhos a necessidade de adular distintos cavalheiros, ao delegar tarefas de relevo a parlamentares pouco qualificados, como um representante egresso do velho peleguismo incrustrado nos movimentos sindicais, envergonha o legado deixado pela nobreza da política, capitaneada pelo doutor Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988.
O Senado, de seu lado, também acumula inúmeras manobras absurdas ancorado em uma interpretação conservadora e, principalmente, descuidada do estágio presente, imaginando ter o poder de usurpar a autoridade do governo na indicação de ministros da Suprema Corte.
Ambas as casas, diga-se de passagem, embora com a escolha, por vezes, de atalhos bastante distintos, estão umbilicalmente atreladas ao governo quando o assunto dominante compreende a consolidação do processo de deterioração das finanças públicas.
Já o judiciário, a despeito do enorme ativo conquistado com a defesa intransigente da sustentação do estado democrático de direito, apequena-se ao “dar de ombros” para os incômodos agrados patrocinados pelo mundo corporativo, abarcando as famosas caronas.
No rol das incongruências da justiça afloram os penduricalhos, que maximizam os vencimentos inúmeras vezes acima do teto constitucional e, mais recentemente, o empenho no erguimento do empreendimento que a ciência política designa como self protection, amparado excessivamente em despachos monocráticos na calada da noite, não isento de conflitos de interesses.
Não por acaso, o pior dos mundos reserva a agudização das contendas entre executivo, legislativo e judiciário, cada qual com uma bandeira ou atitude protagonista de auto blindagem para “chamar de sua”, que, no fundo, equivale a sinônimo de licença para a feitura de pomposas “festas políticas” cobertas por haveres públicos cada vez mais escassos.
A inescapável fatura endereçada à sociedade reunirá a multiplicação do dispêndio orçamentário corrente, composta por “gasto é vida”, adiantamento das vultosas emendas paroquiais – serão R$ 40,8 bilhões, em 2026, sendo R$ 26,5 pagas até o final do primeiro semestre, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – e incursões ativas junto as verbas alocadas nos ministérios motrizes na tentativa de colheita de dividendos em uma espécie de “salve-se quem puder”.
A crise de identidade da extrema-direita, demasiadamente presa à uma família de rejeitados ou enforcados, e de parte da direita da matriz ideológica, acéfalas do capitão-mor, com desavenças por mera e endêmica ambição e destituídas de cotejos programáticos, e a lacuna de postulações de centro, equidistantes dos extremos, reforçadas por agradáveis surpresas do populismo distributivista, podem representar a embalagem do presente a ser concedido pelas urnas à plataforma da candidatura progressista.
Ainda assim, parece razoável admitir que, tal como na complexa e acirrada contenda levada a cabo em 2022, segmentos moderados do universo de eleitores possam fazer a diferença na coreografia do desenlace em segundo tempo, mesmo que por diminuta margem.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.


