“Quebra de patentes” como retaliação ao tarifaço tem complicadores

“Quebra de patentes” como retaliação ao tarifaço tem complicadores

Juridicamente definida como “licença compulsória”, medida é aplicável apenas em casos de excepcionalidade

A “quebra de patentes” de produtos norte-americanos, cogitada pelo governo federal como resposta ao tarifaço imposto por Donald Trump aos produtos brasileiros, provocou reações nos especialistas da área. Embora vista como forma de conter a ofensiva dos Estados Unidos, a estratégia envolve riscos jurídicos significativos.

Para a advogada Karen Sinnema, sócia-fundadora do Sinnema Barbosa, escritório jurídico especializado em propriedade intelectual, “a instabilidade jurídica é a grande preocupação. Para começar, a expressão “quebra de patentes” é um pouco enganosa, porque não descreve exatamente o que acontece na prática. Juridicamente, o termo correto é “licença compulsória””, explica.

Uma patente é um direito legal que garante ao seu titular o controle sobre a exploração comercial de uma invenção ou propriedade intelectual. Ou seja, só quem detém a patente pode produzir, vender ou licenciar aquela tecnologia ou produto.

Licença compulsória

Quando se fala em licença compulsória, a patente não deixa de existir. O que acontece é que o governo ou a lei autoriza terceiros a utilizar a patente sem precisar da permissão do proprietário original. Em outras palavras, o dono da patente ainda mantém seus direitos, mas outras pessoas podem produzir ou vender a tecnologia licenciada, normalmente mediante o pagamento de uma compensação financeira justa ao titular.

“A licença compulsória é prevista na Lei de Propriedade Industrial (Lei Federal 9.279/1996). No entanto, deve ser aplicada em situações excepcionais, fundamentada tecnicamente, e não apenas como instrumento de retaliação política – o que pode banalizar a eficácia da medida”, explica a profissional.

Segundo ela, “quebrar patentes” contribui para agravar um problema histórico no Brasil: a ausência de uma cultura consolidada de proteção à propriedade industrial. Atualmente, o Brasil conta com mais de 18 milhões de empresas registradas nas Juntas Comerciais, porém apenas 15% delas buscam registrar suas marcas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), segundo dados da Fapesp.

“O brasileiro ainda não possui uma cultura consolidada de proteção às suas criações e desconhece os benefícios de investir em propriedade intelectual. Essa medida representa, na prática, um entrave, pois transmite a ideia de que proteger inovações é arriscado — quando, na verdade, acontece exatamente o contrário”, diz a advogada.

A especialista explica que, historicamente, o Brasil já utilizou a licença compulsória de patentes, porém em situações específicas, como em casos de abuso de direito pelo titular da patente ou para atender a necessidades de saúde pública. Um caso emblemático ocorreu em 2007. À ocasião, o governo brasileiro adotou licença compulsória (“quebra de patente”) para o medicamento Efavirenz, utilizado por pacientes no tratamento do HIV. “Havia uma necessidade urgente de interesse público, caso de saúde pública, de se garantir o acesso das pessoas a esse medicamento”, ilustra.

Mas, antes, relembra, houve tratativas com a detentora da patente, com o intuito de diminuir os custos. Só após essa tentativa foram seguidos todos os trâmites legais e tomadas as providências para que, com a licença compulsória, pudessem ser utilizados genéricos daquele medicamento.

“A licença compulsória, ou quebra de patentes, como comumente se chama, não pode vir em uma ‘canetada’. Há todo um processo anterior, de negociação”, argumenta Karen Sinnema.

Histórico

A possibilidade da “quebra de patentes” foi aventada dias depois do anúncio por Trump, em 9 de julho, do tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros. Com a regulamentação da Lei da Reciprocidade, em 15 de julho (Lei Federal 15.122/2025), chegou a ganhar fôlego. Medicamentos, softwares e outros produtos tecnológicos, e até bens artísticos e culturais (filmes, músicas e livros), poderiam ser objeto de “quebra de patente”.

Contudo, diante da complexidade da medida, no lugar da retaliação, o governo tem, por ora, focado em outras estratégias. Tentativas de negociações com o governo estadunidense, busca de novos mercados e, internamente, medidas mitigatórias, como o plano de ajuda a exportadores, lançado em 13 de agosto, são ações em curso.

Com as negociações, 700 produtos ficaram de fora do tarifaço, como suco de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes e aeronaves civis. Segundo o governo federal, apenas 36% das exportações brasileiras para os Estados Unidos estão sujeitas ao tarifaço de 50%.

Para Karen, a “quebra de patentes” parece, no momento, em “banho-maria”, diante dos complicadores. Mas não parece ainda ter sido descartada.

Crédito da foto: Freepik

 

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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