Prognósticos do FMI e escape brasileiro do fundo do poço Artigos Economia by Mirian Gasparin - 15 de abril de 202015 de abril de 20200 A vigorosa disseminação e escalada do Coronavírus em múltiplos espaços geográficos deve produzir a maior recessão da história da economia global, suplantando o empuxe negativo daquela deflagrada em 1929, conhecida como Grande Depressão, e a registrada em 2009, fruto da irradiação do default do subprime, mercado hipotecário “caixa baixa” dos Estados Unidos (EUA), sobre os fluxos os financeiros e as correntes de comércio. Tanto é assim que relatório apresentado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em 14.04.2020, projeta queda de -3% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, em 2020, que depois de amortecimento e reversão pode experimentar acréscimo de 5,8%, no exercício de 2021, sendo que o comércio deve retroceder -11%, em 2020, e subir 8,4%, em 2021. O desmonte da depressão estará subordinado à rapidez, intensidade e efeitos das estratégias cooperativas multilaterais, adotadas pelos vários governos, incluindo pacotes fiscais emergenciais contínuos e compartilhamento de recursos médicos e conhecimento para tratamento de descoberta de vacinas, e atuação hiperativa dos bancos centrais na provisão de liquidez abundante ao sistema. Considerando que a entidade previa, em fevereiro deste ano, expansão de 3,3% da principal grandeza macroeconômica internacional, os estragos provocados pelo Covid-19 – cuja gênese, dinâmica e combate são pouco conhecidos – resultarão em retrocesso superior a -6%, incomparavelmente maior do que o amargado em períodos de guerra e grandes eventos de instabilidade política e econômica. Apesar de envolver de maneira generalizada estados avançados, com contração de -6,1% (-5,9%, nos EUA), os de renda média (-1%) e pobres (+0,4), a situação regressiva deverá ser sentida de forma mais acentuada por nações emergentes, em especial as de matriz produtiva fortemente dependente da produção e exportação de commodities minerais, metálicas e alimentares, com demanda e preços flagrantemente cadentes. O PIB da América Latina deve recuar –5,2%, em 2020, e variar 3,4%, em 2021, enquanto o do Brasil deve encolher -5,3%, neste ano, e crescer 2,9%, no próximo. O caso brasileiro é indiscutivelmente mais grave. Ao contrário da esmagadora dos países desenvolvidos e em desenvolvimento que, no final de 2019 e começo de 2020, tentavam reverter um princípio de colheita de desaceleração cíclica, semeada no segundo semestre de 2018, com a eclosão do conflito de tarifas entre EUA e China, a nação perdeu o trem global de quase uma década de bonança. Mais que isso, num intervalo em que o mundo escapou das agruras e deixou para trás a turbulência do biênio 2008-2009, o Brasil mergulhou no maior colapso político, institucional e econômico da era republicana, marcado pelo fracasso de uma “nova matriz econômica” intervencionista, por conta da descoberta, investigação e comprovação de escândalos de corrupção, expressos em vultosos assaltos ao caixa das companhias estatais e aos orçamentos públicos. Não menos relevante foram a falência do estado, instauração e execução de expediente de impeachment da presidente da república, em 2016, contabilização de seis anos de recessão e estagnação dos níveis de atividade e retorno da ultradireita, paradoxalmente liberal e populista, ao poder, em um tumultuado episódio eleitoral, em 2018. Ressalte-se que a plataforma explicitada em campanha pela aliança vencedora mostrou-se extremamente vaga, preocupada com o convencimento coletivo da necessidade de sepultar a suposta esquerda corrupta, que teria governado o país entre 2003 e 2016, e foi sucedida, entre maio de 2016 e dezembro de 2018, por atores políticos manifestadamente comprometidos com estabilidade macroeconômica e alterações de base. Porém, a recusa dos novos inquilinos do palácio do planalto em costurar redes de apoio legislativo, imprescindíveis à tramitação, discussão e aprovação das reformas estruturais requeridas ao reequilíbrio orçamentário e financeiro do governo e à impulsão da eficiência microeconômica em médio e longo prazo, propiciou o aparecimento de uma administração governamental estilo “colcha de retalhos”, arraigada defensora ferrenha dos confrontos prevalecentes nos palanques eleitorais, desprovida de planos e programas no atacado e conferindo prioridade a desconexas ações de varejo. Seria ocioso mencionar os embates, na maior parcela das vezes inadequados, provocados ou protagonizados pelo chefe de estado, com veículos da mídia, ambientalistas e profissionais de educação, além de alguns incidentes diplomáticos, que prejudicaram sobremaneira a operação da máquina governamental em feições minimamente equilibradas. Por tais anomalias, a pandemia apanhou o país em condições pouco animadoras, sintetizadas em incremento do PIB per capita próximo de zero, entre 2017 e 2019, enorme ociosidade dos fatores de produção (mão de obra e capital), relação dívida pública/PIB em patamares estratosféricos e diminutos níveis de investimento em infraestrutura econômica e social, que, no conjunto, constituem significativas barreiras à retomada do crescimento. Os ativos acumulados pelas atuais ocupantes do poder repousam na marcha cadente da inflação e dos juros e moderado e localizado avanço no programa de privatizações e concessões, todos rigorosamente herdados da equipe do mandatário anterior. A despeito dessas dificuldades, não é aconselhável olhar o retrovisor, nem chorar o leite derramado. Em circunstâncias tão dramáticas, cumpre, ao executivo ortodoxo, a tarefa de reconhecimento da insuficiência da cartilha liberal no fornecimento de mecanismos e instrumentos para enfrentamento de terremotos econômicos, sobretudo os que não possuem qualquer relação direta com acontecimentos oriundos do funcionamento dos mercados. Feita essa rápida penitência, urge a ampliação da abrangência e aprofundamento de ações na direção da salvação de vidas, empresas e empregos, por meio do retorno do intervencionismo estatal, via expressiva elevação do gasto e endividamento público e abastecimento, em larga escala, de massa de crédito subsidiado. Decerto que é uma saída complicada, repleta de alternâncias entre fases de reforço e afrouxamento de restrições a mobilidade de pessoas e funcionamento de atividades, sobretudo com confinamentos e distanciamento social, no afã de, ao mesmo tempo, reforçar defesas contra o vírus e diminuir a contaminação e minimizar os danos econômicos. Mas não há outro jeito. O esforço de construção da compressão das peculiaridades da doença e identificação de seu potencial destrutivo na saúde, economia e tecido social é gradativo. Por isso, posições e atitudes devem ser permanentemente revistas e atualizadas com amparo do curso da Ciência, nas distintas áreas. O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, foi diretor presidente do IPARDES entre 2011 e 2014.