Agronegócio: amortecedor da recessão brasileira
Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) global deve cair entre 6% e 7,6%, em 2020, dependendo da ocorrência e intensidade de uma segunda onda de contaminação pelo Novo Coronavírus, em caso de não descoberta da vacina salvadora ainda no corrente ano, a grandeza brasileira pode encolher entre 7,4% e 9,1%, de acordo com projeções da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Ressalte-se que o palco mundial deverá acomodar um espetáculo de discreta recuperação, enfeitado por avanços e retrocessos e fortemente dependente da manutenção dos estímulos fiscais e monetários acionados por governos e bancos centrais (BCs). A propósito disso, a Universidade de Michigan inferiu subida do índice de sentimento do consumidor americano, que passou de 72,3 pontos, em maio, para 78,9 pontos, em junho, superando os cálculos dos especialistas ouvidos pelo The Wall Street Journal, que previam 75 pontos.
A situação do Brasil não será ainda mais dramática em virtude da enorme eficiência competitiva do agronegócio “velho de guerra” que, ao mesmo em tempo em que vem perseguindo, de forma ativa e ferrenha, o escape das injunções emanadas do Palácio do Planalto, cumpre fielmente as suas funções clássicas.
De fato, o agro permanece representando com perfeição o duplo papel de amortecedor das pressões inflacionárias, por meio do abastecimento de bens essenciais destinados ao mercado doméstico, e supridor de enormes excedentes exportáveis capazes de eliminar, ou ao mesmo minimizar, os riscos de vulnerabilidade externa, especialmente nestes tempos bicudos em quase os múltiplos erros governamentais tem provocado evasão líquida de investimentos estrangeiros diretos.
Mais precisamente, a fortaleza agricultura deve produzir safra recorde de grãos (cereais, leguminosas e oleaginosas), em 2020, totalizando 245,9 milhões de toneladas, 1,8% superior à quantidade colhida em 2019 (241,5 milhões de toneladas), conforme acompanhamento mensal preparado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outro levantamento da entidade de pesquisa constatou volume recorde de abates de aves e suínos, no 1º trimestre do ano.
Em meio ao cenário de depressão mais aguda da história do país – gerado por uma espécie de tempestade perfeita, trazida por um vírus que provocou danos à saúde das pessoas e empresas, à renda e ao emprego, sintetizados nas enormes margens de ociosidade dos fatores de produção -, a excelência da oferta agropecuária consegue assegurar fluxos incrementais de suprimento.
Tal atributo contribui para o delineamento de um curso consistentemente descendente da espiral de preços e, por extensão, preservação do poder de compra do contingente populacional menos aquinhoado, o que abre flancos para prosseguimento das rodadas de diminuição de juros, patrocinadas pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do BC.
Tanto é assim que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mensurado pelo IBGE para captar a variação média de preços dos bens e serviços consumidos por famílias da faixa de renda mensal entre um e quarenta salários mínimos, apresentou deflação pelo segundo mês seguido, em maio de 2020 (-0,38% e -0,31%, em abril). Com isso, o indicador acumulado em doze meses situou-se em 1,88%, abaixo do piso anual de 2,5%, fixado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) como referência ao Regime de Metas de Inflação, monitorado pela autoridade monetária.
Apesar dos arranhões de imagem provocados pelo comportamento equivocado e/ou mal intencionado de várias instâncias da gestão federal, o Ministério da Agricultura vem preservando a posição de “ilha de dinamismo” em meio a um oceano marcado por incompetência e representação de interesses espúrios, predominantes na administração nacional.
Dentre os gols contra marcados pelo staff de Brasília sobressaem as malcriações cometidas por ministros e um deputado federal, filho do chefe de estado, contra o povo e dirigentes da China – empregando jocosamente um distúrbio de fala do personagem Cebolinha, da Turma da Mónica -, principal destino das vendas externas do país e responsável pela absorção de 55% exportações do agro, entre janeiro e maio de 2020.
Igualmente nocivas revelaram-se as generalizadas posições e práticas de desrespeito aos direitos humanos e outras contrárias à sustentabilidade ambiental contemporânea, capitaneadas pelo titular da pasta do Meio Ambiente, sobretudo quanto à ausência de preocupação com a devastação da Amazônia, expressas em tentativas de desqualificação dos dados oficiais e demais interferências pouco nobres.
Essa última incursão negativa colide com a agenda e demandas levantadas pelos países do continente Europeu e, em menor grau, os Estados Unidos (EUA), e constituiu campo fértil para a exacerbação de condutas protecionistas e, mais recentemente, a conformação de linha consensual de não ratificação do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.
Não obstante, o agronegócio representou mais de 45% das exportações brasileiras e, com um saldo comercial de aproximadamente US$ 90 bilhões, em doze meses até maio de 2020, constituiu o verdadeiro alicerce das contas externas da nação que, por sinal, registraram déficit anual de –US$ 44,4 bilhões, em abril de 2020, ou 2,61% do PIB, segundo o BC.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, foi diretor presidente do IPARDES entre 2011 e 2014.