Euforia de Guedes e derrocada da indústria brasileira

Em exposição feita durante a cerimônia de abertura da 5ª edição do Fórum de Investimentos Brasil 2022 (BIF), dirigida a investidores nacionais e estrangeiros, em 14 de junho de 2022, o titular da Economia prognosticou a ocorrência de recessão nas economias avançadas, que perseguiam um pouso suave antes do episódio fortuito representado pela guerra da Ucrânia.

Também afirmou que, em contraposição ao cenário de caos global, a economia brasileira estaria decolando novamente, em razão de ter se antecipado com a adoção dos expedientes de austeridade monetária, ainda no princípio de 2021, quando o Banco Central (BC) recobrou a elevação dos juros primários dirigida ao controle das pressões inflacionárias.

De acordo com o Novo Caged, do Ministério do Trabalho e Previdência, o país contabilizou 770,6 mil contratações líquidas (admissões menos demissões) com carteira assinada, entre janeiro e abril de 2022, 3,6% menor do que o apurado em igual intervalo de 2021.

No entanto, o comportamento da indústria brasileira, no 1º quadrimestre de 2022, despejou baldes de água fria sobre a postura eufórica do ministro da Economia, Paulo Guedes, na defesa intransigente da ocorrência de consistente retomada econômica, amparada quase que exclusivamente nos resultados positivos da abertura de postos de emprego formal.

De fato, sensibilização e convencimento da sociedade acerca do revigoramento da atividade econômica constituem fatores determinantes à aguardada recuperação da credibilidade do governo Bolsonaro e restauração das chances de reeleição do incumbente da nação.

A corrosão do apoio popular ao chefe de estado, evidenciado por todas as sondagens de opinião, está diretamente ligada à fragilização do quadro econômico, atingindo de forma dramática a população de baixa renda, incluindo os beneficiários do Auxílio Brasil, sucedâneo do Bolsa Família e Auxílio Emergencial.

Só a título de ilustração, a avaliação positiva da gestão presidencial pela parcela de brasileiros vulneráveis despencou de 37%, em meados de 2020, para 20%, em maio de 2022, representando, respectivamente, o ápice do fluxo dos desembolsos do apoio temporário de R$ 600 mensais, a cerca de 65 milhões de pessoas, em contexto de inflação anual inferior a 5%, e o pagamento das parcelas de R$ 400 mensais, do atual programa, a aproximadamente 18 milhões de assistidos, em um panorama de subida média de preços superior a 12% ao ano.

Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que a produção fabril nacional caiu -3,4%, entre janeiro e abril do corrente ano, em comparação com o mesmo período de 2021. O decréscimo foi generalizado, em especial para bens de consumo duráveis (-17,0%), fortemente afetado pela ascensão dos juros e do endividamento e inadimplência das famílias.

As demais categorias de uso também expressaram declínio. Para bens intermediários, a redução foi de -2,5%, bens de capital, de -3,0%, e bens de consumo não duráveis e semiduráveis, de -3,4%, este último como reflexo da combinação entre escalada da inflação, desemprego e encolhimento do poder de compra das famílias.

Dentre as atividades acompanhadas, os maiores tombos aconteceram em móveis (-25,0%), produtos têxteis (-19,2%), máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-18,6%), produtos de metal (-15,0%), produtos de borracha e de material plástico (-13,5%), produtos de confecção de artigos do vestuário e acessórios (-13,1%), produtos de couro, artigos para viagem e calçados (-10,4%) e veículos automotores, reboques e carrocerias (-9,6%).

Na mesma linha cadente, investigação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta diminuição do faturamento e do rendimento médio real do pessoal ocupado no setor de -5,6% e -1,3%, respectivamente, naquele intervalo de observação.

O quociente entre a variação do volume de produção e o de quantidade de horas trabalhadas ou o número de pessoas empregadas, especificadas para o complexo de transformação, provenientes dos dois levantamentos, permite inferir redução da produtividade da mão de obra entre -5,4%, e -6,1%, entre janeiro e abril de 2022.

O cenário conjuntural adverso à indústria, apontado pelos principais indicadores conjunturais, repousa primordialmente em injunções exógenas, particularmente os persistentes desarranjos nas cadeias globais de suprimento de insumos e componentes.

Esses eventos externos foram provocados pela pandemia e agravados pelos desdobramentos do conflito bélico travado em território ucrânio, notadamente com as sanções impostas à Rússia pelos países ocidentais, e pelas encorpadas quarentenas impostas à população chinesa, com a subida dos casos de infecções por Covid, naquele país.

Mesmo assim, outros parâmetros explicativos da trajetória das variáveis estruturais do aparelho manufatureiro operante no Brasil enfeixam a presença de obstáculos crônicos ao avanço sustentado das plantas, em sua maioria gerados dentro das fronteiras brasileiras e atrelados à omissão ou insuficiente ação coordenadora e indutora do Estado.

Segundo o IBGE, a importância relativa da classe de transformação no produto interno bruto (PIB) do país vem sofrendo drástica desidratação, tendo retrocedido de 17,4%, em 2005, para 11,3%, em 2021, o que caracteriza flagrante processo de desindustrialização.

Mais do que isso, conforme a CNI, a contribuição do parque fabril nacional na produção do planeta vem despencando desde 2014, registrando peso de 1,32%, em 2020, o que constitui o piso das apurações realizadas desde 1990 pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNIDO), o que o coloca no 14º lugar na classificação mundial.

Igualmente a participação da indústria brasileira no valor das exportações mundiais vem experimentando curso descendente desde 2017, tendo respondido por apenas 0,78% do total global, em 2020, o menor nível da série histórica iniciada em 1990, figurando na 30ª colocação em escala global.

Por representar o núcleo dinâmico dos sistemas econômicos, em virtude dos impactos difusores para frente e para trás, o complexo de manufatura nacional vem amargando sucessivos desempenhos frustrantes, associados ao custo Brasil, que retira competitividade dentro e fora das fronteiras do país.

Mais precisamente, elevada tributação, carga financeira e burocracia, precariedade infraestrutural, instabilidade da taxa de câmbio, incertezas quando às regras de reajustes dos preços administrados, ausência de incentivos a investimentos em ciência e tecnologia e inovação, configuram entraves nada desprezíveis ao encaixe da matriz nacional na 4ª revolução industrial, em rápida aceleração no mundo, baseada na digitalização e inteligência artificial.

O mais gritante, porém, é que, além de ter sido solenemente ignorado da agenda de discussão e formulação de políticas públicas nos tempos recentes, o esforço de resolução de tais mazelas ainda não foi contemplado nas plataformas dos principais candidatos às eleições presidenciais de 2022.

Apenas para mencionar o imbróglio da reforma tributária, enquanto, de um lado, empresas e consumidores reivindicam, de maneira contundente, desde os anos 1990, simplificação, progressividade, equilíbrio e igualdade da arrecadação, de outro, governo e legisladores esforçam-se em preservar a complexidade, a natureza regressiva e a incidência indireta do sistema, penalizando o piso da pirâmide social que, na retórica oficial, tanto se deseja proteger.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor e ex-presidente do Ipardes. 

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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