Ensino no Brasil: pobreza de criatividade e anacronismo de soluções

Ensino no Brasil: pobreza de criatividade e anacronismo de soluções
Gilmar Mendes Lourenço.

A qualidade da educação básica brasileira permanece fincada no pântano de mediocridade nas avaliações apresentadas por entidades externas, em consequência de gritantes disparidades entre algumas poucas ilhas de excelência, públicas ou privadas, que funcionam em fase com os padrões globais, e o restante da rede de ensino, absolutamente incapaz de absorver e/ou replicar técnicas e métodos contemporâneos.

Não bastasse o desempenho desfavorável obtido na aferição do conhecimento mínimo nas modalidades de português, matemática e ciências, realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por meio Programme for International Student Assessment (PISA), para o exercício de 2022, assentado no 65º posto, dentre 81 nações investigadas, o país amargou posição desabonadora de seus estudantes também no item “criatividade”.

Mais precisamente, o Brasil alcançou o 49º lugar, em um painel constituído por 64 países pesquisados, abarcando membros e parceiros da OCDE, para a faixa de observação de discentes entre 15 anos e 3 meses e 16 anos e 2 meses, que possuíam ao menos seis anos de educação formal, por ocasião da aplicação do teste.

Em um terreno crucial à construção do futuro das sociedades, em plena maturação da quarta revolução industrial, conduzida pela inteligência artificial, digitalização e transição energética, os alunos brasileiros registraram 23 pontos (30 pontos, para os ricos, e 19 pontos, no caso dos pobres), em uma escala entre 1 e 60 pontos (ou 1 a 6).

Assim, a nação situou-se 10 pontos abaixo da média calculada para os integrantes da OCDE (33 pontos), e no continente americano, perdeu para o Chile (31 pontos), México e Uruguai (29 pontos), Costa Rica (27 pontos) e Colômbia e Jamaica (26 pontos) e empatou com Peru, Panamá e El Salvador.

A ranking é liderado por Singapura, com 41 pontos, Coreia do Sul (38 pontos), Canadá (38 pontos), Austrália (37 pontos), Nova Zelândia (36 pontos), Estônia (36 pontos), Finlândia (36 pontos), Dinamarca (35 pontos), Letônia (35 pontos) e Bélgica (35 pontos).

De acordo com o relatório pormenorizado dos dados fornecidos pela prova da entidade mundial, somente 10,8% dos discentes brasileiros demonstraram talento para aceno com ideias inovadoras e múltiplas ou elaboração de exercícios de abstração em tarefas dirigidas ao equacionamento de problemas cotidianos.

Ademais, mais da metade deles (54,3%) figuraram abaixo do degrau categorizado como elementar (1 e 2) e 30,9% ocuparam o bloco intermediário (3 e 4), o que pode traduzir entraves à construção de histórias amparadas em uma ideia e à proposição e preparação de planos para solucionar questões específicas, de simples a moderadas, relacionadas ao contexto escolar.

Segundo o PISA, “pensamento criativo” equivale a capacidade de envolvimento produtivo na descoberta, avaliação e aperfeiçoamento de ideias que venham provocar soluções originais e úteis e no alargamento do conhecimento, que pode ser expresso em práticas do dia a dia. Foram dezoito questões divididas em linguagem escrita e visual e solução de desafios sociais e científicos, em uma perspectiva de originalidade e funcionalidade.

Na mesma linha, o relatório da OCDE revela que quase um terço da capacidade de produção de potencial de criação deriva do aprendizado em matemática, matéria em que 73% dos alunos da nação povoam o patamar 2, o que inviabiliza o delineamento de cenários menos desconfortáveis.

A complementação das barreiras à criatividade abarca o contexto socioeconômico, sintetizado na classificação da nação como de renda média com acentuada heterogeneidade do tecido social, e a utilização descontrolada de dispositivos eletrônicos, desvinculada da possibilidade de transformação em poderosa ferramenta de conectividade digital, se empregada sob criteriosa orientação e supervisão, em sala de aula.

A perpetuação de performances desfavoráveis pelo Brasil vem acontecendo mesmo com a escolha oficial a educação como protagonista no elenco de diretrizes e prioridades das estratégias de estado e o subsequente aporte de vultosas e crescentes somas orçamentárias – 5,5% do produto interno bruto, em 2022 -, independentemente das amarras estabelecidas por expedientes macroeconômicos direcionados ao equilíbrio fiscal.

Só a título de ilustração, depois de prolongada demora, as metas decenais do Plano Nacional de Educação (PNE) foram anunciadas no final do primeiro semestre de 2024, com a incômoda lacuna de não cumprimento pleno de nenhuma das 18 metas definidas no documento lançado em 2014, prorrogadas pelo Senado da República, até dezembro de 2025.

De maneira análoga, a proposta do novo ensino médio, aprovada em 2017, durante a administração de Michel Temer, continua carente de implementação e, a julgar pelo privilegiamento dos assuntos e demandas subjacentes ao calendário das eleições municipais, as alterações a serem introduzidas pelo legislativo devem começar a valer somente em 2025.

Enquanto isso, chama a atenção a insistência das autoridades brasileiras, nas distintas esferas de governo, em oferecer ao planeta uma espécie de paradigma de ineficácia e diminuto talento na execução de programas de educação, fruto do descaso com as graves e crônicas distorções nos terrenos gerencial e de formação e valorização da mão de obra, cuja correção não consegue escapar da retórica e demagogia da classe política.

Aliás, na falta de uma agenda focada na edificação de modificações estruturais no quadro de letargia, alguns entes federados tem se empenhado na elaboração de projetos e implantação de iniciativas de “privatização disfarçada”, a prestação, mediante o fatiamento do modus operandi do ensino.

Trata-se de ações destituídas da mínima aderência às práticas de sucesso levadas a cabo ao redor do mundo, ou mesmo em certos cantos do país, que consideraram, elegeram e operaram a variável educação como componente determinante da inserção e libertação cidadã, em consonância com as peculiaridades e aspirações das diferentes comunidades envolvidas.

Sem contar a aberração da proliferação das escolas cívico-militares, um verdadeiro atraso civilizatório, importado da concepção do negacionismo educacional, deliberadamente adotado entre 2019 e 2022, por saudosistas da adoção dos rigores disciplinares e o irrestrito respeito à hierarquia, ainda que costumeiramente infectada de burocracia e, quase sempre, burra, que predominaram por aqui nos tempos bicudos de supressão de liberdades individuais e coletivas.

Seria ocioso insistir que as recentes incursões autônomas de governadores, à revelia do regramento federal, interessados na antecipação da contenda eleitoral à cadeira de chefe da nação de 2026, devem servir apenas para aprofundar a depressão da densidade criativa dos alunos brasileiros.

No fundo, essa postura dirigida à potencialização de mesquinhos interesses eleitoreiros de curto prazo representa autêntica e tola submissão ao ambiente de retorno ao passado autoritário, sufocador da vontade de conquista da emancipação e inclusão social pela via do ensino universal de qualidade.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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