Rebeldia do PIB contra os profetas do mau agouro

Rebeldia do PIB contra os profetas do mau agouro
Gilmar Mendes Lourenço.

O comportamento da economia brasileira relativo ao terceiro trimestre de 2024, ilustrado pelas estatísticas de evolução do produto interno bruto (PIB), divulgadas pelo Sistema de Contas Nacionais Trimestrais (SCNT), do IBGE, permaneceu desapontando as profecias sombrias efetuadas pelos analistas ligados às escolas ortodoxas, ao demonstrar persistente continuidade do movimento de recuperação, deflagrado ainda no segundo semestre de 2022.

A grandeza macroeconômica cresceu 0,9%, entre julho e setembro de 2024, em comparação com abril-junho, 4% frente a igual trimestre de 2023, 3,3% no ano e 3,1%, em doze meses. O empuxe trimestral foi proporcionado pelo Setor de Serviços, com evolução de 0,9%, enquanto a Indústria subiu 0,6%, puxada pela classe de Transformação (1,3%), e a Agropecuária encolheu -0,9%.

Pela ótica da demanda agregada, verificou-se aumento do consumo das famílias (1,5%), gastos do governo (0,8%) e formação bruta de capital (2,1%), o que fez, neste último quesito, a taxa de investimento pular de 16,4%, no terceiro trimestre de 2023, para 17,6%, no mesmo período de 2024. Já as importações aumentaram 1% e as exportações declinaram -0,6%, mas cresceram 4,8%, em doze meses.

É interessante observar que a marcha ascendente tem resistido ao ambiente inóspito, produzido pelo retorno da estratégia de elevação dos juros básicos, por parte da autoridade monetária, o que, de pronto, contagiou as taxas cobradas pelas instituições financeiras nas demais modalidades de empréstimos e financiamentos destinados às famílias e empresas.

Ressalte-se que a justificativa empregada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC) para a adoção de novas rodadas de subida dos juros primários repousa numa espécie de intocabilidade do manejo do sistema de metas de inflação, definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que busca a convergência da variação do índice nacional de preços ao consumidor amplo (IPCA), também do IBGE, mensurado em doze meses, para o centro de 3%, com margem de tolerância de 1,5 pontos percentuais.

Mais precisamente, a cartilha conservadora sustenta que, em caso de desgarramento da inflação da posição central, em direção ao estouro do limite superior de 4,5% ao ano, faz-se necessário o regresso de sucessivas majorações dos juros, que venham a resultar em declínio da demanda agregada e, por extensão, a eliminação das tensões na espiral de preços.

O problema é que um exame pormenorizado das oscilações de preços, medidas pelo IBGE, permite constatar a pronunciada concentração da inflação no varejo naqueles itens afetados pelos chamados choques de oferta, em especial de alimentos, ocasionados pela conjugação de acréscimo das cotações internacionais, escalada da taxa de câmbio e intempéries climáticas, absolutamente insensíveis à orientação de austeridade monetária, recomendada para situações de superaquecimento da demanda.

Há que compreender que os níveis de atividade no Brasil continuam traduzindo, de forma positiva, o cenário de prosseguimento do crescimento da economia – depois da restauração das cadeias de suprimento, desarranjadas pelos efeitos da pandemia – e queda da inflação global, mesmo com a agudização das tensões geopolíticas e dos conflitos bélicos entre Rússia e Ucrânia e no Oriente Médio, e o aprofundamento do fortalecimento do mercado doméstico, evidenciado pela consistente diminuição dos níveis de desocupação da mão de obra.

De acordo com o FMI, o PIB mundial deve fechar 2024 com crescimento de 3,2%, praticamente reprisando o desempenho de 2023 (3,3%), e a inflação encerrar em 5,8%, contra 6,7%, em 2023, em função da resposta ao arrocho monetário utilizado sobretudo pelos bancos centrais das economias avançadas – especialmente Estados Unidos (EUA) e União Europeia – que podem terminar o exercício com inflação inferior a 2,5%, versus 4,6%, no ano passado.

No que se refere ao mercado interno, além da interferência decisiva da maturação de reformas institucionais, fincadas entre 2016 e 2018, a força motriz residiu no consumo das famílias, movido pelo “efeito renda” da reorganização e alargamento dos programas oficiais de transferências assistencialistas, bagunçados na administração do executivo compreendida entre 2019 e 2022, e do impacto em cascata da reintrodução da concessão de reajustes anuais reais no valor do salário mínimo.

Tanto é assim que a taxa de desemprego desceu a 6,2% da força de trabalho, compreendendo 6,8 milhões de pessoas, no trimestre móvel findo em outubro de 2024, a menor da série histórica levantada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do IBGE, desde 2012.

Em paralelo, o rendimento real do pessoal ocupado variou 3,9%, em um ano, malgrado a ainda elevada taxa de informalidade, que experimentou discreta diminuição de 39,1%, entre agosto e outubro de 2023, para 38,9%, no mesmo período do corrente ano, o que equivale a 40,3 milhões de trabalhadores desprovidos de vínculo empregatício.

Todavia, o esforço de feitura de prospecções para 2025 deve partir de premissas pouco animadoras, ligadas à latentes perturbações estruturais, de ordem planetária, como a quase que inescapável desaceleração chinesa, de modo a evitar o furo da bolha imobiliária, adensadas com os desdobramentos do evento de alteração no comando político dos EUA, com a vitória acachapante de Donald Trump, nas eleições à Casa Branca, bafejado por conquista de maioria no Congresso e sustentado pelo domínio da Suprema Corte.

Com respeito aos problemas mundiais de base, emerge a contabilização de enorme endividamento público global, superior a US$ 100 trilhões, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), derivado da ampliação dos dispêndios durante o surgimento e alastramento da Covid-19, o acirramento da competição por recursos naturais e a intensificação da internalização de inúmeras cadeias de valor, por meio de incentivos à instalação de projetos nacionalistas defensivos, voltados ao reforço da segurança nacional, em sentido amplo.

Já a ascensão de Trump, apoiada por fiéis seguidores e/ou doadores e livre das amarras colocadas por auxiliares moderados atuantes no primeiro mandato (2017-2020), deve ampliar os procedimentos protecionistas e a fragmentação do comércio e abrandamento da cooperação internacional.

Essa postura deve penalizar notadamente as nações em desenvolvimento, enroladas com o imperativo de preservação da proteção social, em contexto de insuficiente avanço dos ganhos de produtividade vis a vis o fechamento da janela demográfica e envelhecimento populacional.

As três prováveis frentes de iniciativas de Trump 2 (comercial, imigratória e fiscal) embutem pronunciados riscos de enfraquecimento da expansão econômica verificada desde a eliminação e/ou controle do Sars-CoV-2, fortalecimento do dólar e recrudescimento da inflação mundial.

Mais especificamente, a sobretaxação das compras externas norte-americanas, a expulsão de onze milhões de imigrantes ilegais (sendo 1,3 milhões de chineses) e o corte de impostos, podem catapultar a inflação e estancar a diminuição de juros, promovida pelo Federal Reserve (Fed), o que pode ser determinante para o decréscimo dos fluxos de capitais e o estreitamento do espaço das exportações dos mercados emergentes.

Decerto que a frouxidão do arranjo macroeconômico fiscal brasileiro, que ampara e embala a vitalidade da absorção interna, desde a aprovação da PEC da transição, entre a vitória eleitoral de Lula 3, no final de outubro de 2022, e a posse, em janeiro de 2023, carece de urgente reversão não vacilante.

Mais do que isso, é imprescindível a consecução de um esforço de ajuste fiscal que mire o encaixe orçamentário à Nova Regra, que substituiu o Teto de Gastos, em 2023, sob pena de exacerbação das expectativas negativas quanto à solvência do estado e, em consequência, o controle da inflação, e a curva dos juros e dos ativos de risco.

A proposta de pacote de providências anunciada pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em 27 e 28 de novembro de 2024, depois dos vários remendos e subtrações realizadas em negociações travadas com a vanguarda do populismo, acomodada na Casa Civil do governo, coadjuvada pelas “cabeças não pensantes” do Partido dos Trabalhadores (PT) e com a base aliada volátil no legislativo, mostra-se demasiado tímido.

Ante a dimensão e complexidade das discussões, os pontos levantados estão distantes da adequação da propensão altista das despesas obrigatórias ao arcabouço fiscal, mesmo com a projeção de supressão de gastos em até R$ 70 bilhões, em dois anos, e de R$ 327 bilhões, até 2030, o que reproduz mera futurologia.

Subordinadas aos desígnios da ala política, formada por bajuladores juramentados de Lula 3, as medidas constituem, na melhor das hipóteses, um passo extremamente curto, mesmo que no sentido correto, na perspectiva de enfrentamento dos desafios exógenos e aqueles produzidos dentro de casa, equacionáveis apenas com um novo e pesado bloco de modificações institucionais que devolvam funcionalidade ao estado.

Numa apreciação geral, nota-se que o valor das emendas parlamentares deve crescer menos, sendo que 50% daquelas de comissões serão canalizadas ao SUS; o abono salarial será gradualmente reduzido até o limite de 1,5 salário mínimo até 2035; as concessões do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do Bolsa Família obedecerão a critérios mais rigorosos, com obrigatoriedade de biometria; os supersalários serão restringidos ao teto (pela enésima vez); a criação de benesses tributárias estará condicionada à ausência de déficit primário; e o reajuste salarial dos servidores públicos será de no máximo de 0,6%, em anos de diminuição dos gastos discricionários.

Em um esforço político compensatório, foi incorporada ao conjunto de ações de cortes a intenção concreta de aplicação da progressividade tributária, com a extinção da incidência de imposto de renda-pessoa física IR-PF) para rendimentos mensais inferiores a cinco salários mínimos e a fixação de instrumentos que ensejem a cobrança de ao menos 10% das categorias com renda (incluindo dividendos e aplicações financeiras) superior a R$ 50 mil/mês, a partir de 2026.

Não obstante os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lyra, e do Senado, Rodrigo Pacheco, terem afirmado peremptoriamente a acolhida e tratamento do tema IR somente em 2025, o mercado financeiro foi tomado por um arrastão especulativo e o dólar suplantou a marca histórica de seis reais.

Sob a justificativa de fragilidade do projeto de ajuste fiscal apresentado, os espetáculos encenados nas praças dos portfólios voláteis, descartam a participação da principal anomalia das finanças públicas nacionais, consubstanciadas nos vultosos subsídios e renúncias tributárias concedidas as empresas, que abocanham 7% do PIB por ano, o que acomodaria o déficit primário consolidado, registrado em 2024, por quase doze anos.

Pela lógica política, o rentismo expressou ferrenha contraposição ao cumprimento do contrato vencedor na campanha eleitoral de 2002, pertinente em democracias, resumido no amparo à população mais pobre que, ao sufragar majoritariamente Lula 3, em dois turnos de votação, dispensou a nação da submissão a mais quatro anos de trevas e travas.

Por isso, o tamanho e a urgência da perseguição do resgate do equilíbrio intertemporal das contas do governo devem ser cotejados com a premência de considerável redução do custo de financiamento de famílias e empresas. Só assim será factível o afastamento do risco eminente de inflexão na atividade econômica, com repercussões negativas no mercado de ocupações e nos indicadores sociais.

Somente em caráter de ilustração, pela órbita real do aparelho econômico figura como preocupação central a perversa concatenação entre a disparada dos juros e da inadimplência. Pesquisa do BC indica que enquanto o IPCA situa-se em 4,77%, em doze meses, e a Selic em 11,25% ao ano, com viés de alta, as taxas médias cobradas na modalidade rotativo do cartão de crédito estavam em 438,9% a.a., em outubro de 2024.

Não por acidente, acompanhamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) apurou que 68,11 milhões de consumidores brasileiros adultos encontravam-se negativados, em outubro de 2024, o que representa (41,23%) da população e aumento de 1,1% em relação ao mesmo mês de 2023.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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