Trabalho de cuidado não remunerado pode valer 13% do PIB e segue invisível

Enquanto o trabalho não remunerado segue invisível, o remunerado emprega 1 em cada 4 brasileiros — em condições precárias e desiguais
Quanto vale cuidar? Se o trabalho doméstico e de cuidado não remunerado fosse pago no Brasil, representaria o equivalente a 13% do PIB nacional, segundo estudo do FGV IBRE. Esse número representa mais do que todo o setor da agropecuária, que respondeu por 5,6% do PIB em 2024, segundo o IBGE. Ainda assim, esse cuidado realizado majoritariamente dentro dos domicílios — por mulheres, muitas vezes sobrecarregadas e sem apoio — segue invisível nas estatísticas econômicas e nas políticas públicas.
Já o cuidado remunerado é visível — mas altamente desvalorizado. Segundo levantamento do projeto internacional “Who Cares?”, cerca de 1 em cada 4 trabalhadores brasileiros atua em atividades ligadas ao cuidado — como educação, saúde, limpeza, preparo de alimentos ou cuidado direto de pessoas. São mais de 25 milhões de pessoas nesse setor, que abrange ocupações diversas e essenciais.
Cuidado domiciliar
A parcela mais desvalorizada e desprotegida desse universo é formada pelas trabalhadoras do cuidado domiciliar. Em sua maioria, são mulheres negras, concentradas em funções precárias, mal remuneradas e sem proteção social. Apenas 21% das trabalhadoras que prestam cuidado direto no domicílio têm vínculo formal com a Previdência, e recebem em média menos de 7 dólares por hora. “Muitas ainda arcam com custos pessoais elevados, como perda de renda e endividamento, ao assumirem também o cuidado não remunerado em suas famílias”, diz Jorge Felix, professor de Gerontologia da Universidade de São Paulo, pesquisador do projeto e especialista em envelhecimento populacional.
“Essas trabalhadoras enfrentam a face mais dura da informalidade no Brasil, mesmo realizando tarefas essenciais à sobrevivência cotidiana das famílias”, afirma Simone Wajnman, professora da UFMG e pesquisadora do projeto. “Sem políticas públicas estruturadas, o país continuará transferindo o custo do cuidado às mulheres mais pobres, especialmente as negras”, diz.
Para discutir esses desafios e construir propostas concretas, o Colóquio Internacional “Cuidado, Direitos e Desigualdades” reunirá, entre os dias 14 e 16 de abril, na USP, mais de 70 pesquisadores e pesquisadoras, incluindo cerca de 40 especialistas internacionais. O encontro marca a culminância do projeto Who Cares? Rebuilding Care in a Post Pandemic World, que ao longo de três anos promoveu a cooperação entre equipes acadêmicas de seis países. Será um espaço privilegiado para apresentar diagnósticos, compartilhar experiências comparativas e impulsionar o cuidado como campo estratégico de política pública.
“O Brasil ainda trata o cuidado como uma responsabilidade natural das mulheres, o que, somado à informalidade e à marca racial do setor, aprofunda desigualdades históricas”, afirma Nadya Araujo Guimarães, professora sênior da USP e coordenadora geral do projeto.
Segundo ela, o Colóquio será um espaço privilegiado para discutir a diversidade e as heterogeneidades no trabalho remunerado de cuidado, com base em experiências e dados comparativos entre países. Além de marcar um passo importante ao apresentar, com dados atualizados, a inclusão do país no Índice Global de Políticas de Cuidado (Global Care Policy Index) — ferramenta internacional que mede o grau de proteção e reconhecimento das pessoas que cuidam. “Trata-se de um chamado para que o Brasil avance com políticas públicas mais consistentes e estruturantes nesse campo”, diz.
O evento será também o marco de lançamento do Observatório CuiDDe “Cuidado, Direitos e Desigualdades”, iniciativa permanente da Rede CuiDDe, que reúne especialistas de todo o país e seguirá impulsionando estudos, dados e propostas de políticas públicas após o encerramento do projeto internacional.
A programação completa do Colóquio, assim como os links para acompanhar a transmissão ao vivo das sessões, estão disponíveis em Link. O evento contará com tradução simultânea em português, inglês, francês e espanhol, os quatro idiomas oficiais do encontro.
Ampla e pioneira, a iniciativa contou com apoio financeiro inicial do CNPq, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e da Trans-Atlantic Platform, um consórcio reunindo duas dezenas de instituições de fomento à pesquisa no mundo. Outros apoiadores se somaram, como parceiros decisivos para tornar essa rede viável como o CCI/Cebrap, o COI/USP e as fundações Arymax, José Luiz Egydio Setúbal e a Open Society Foundation. A montagem final do Colóquio contou ainda com apoios do governo federal através da CAPES, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e do Ministério das Mulheres.
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