Venda do Banco Master e a “joia da coroa”

Venda do Banco Master e a “joia da coroa”
Gilmar Mendes Lourenço.

No final do mês de março de 2025, o Banco de Brasília (BRB, originalmente denominado Banco Regional de Brasília), controlado pela administração do executivo do Distrito Federal, sinalizou a aquisição de fração do Banco Master, também atuante como corretora de investimentos, que vem amargando apreciáveis problemas de fluxo de caixa associados à inúmeros equívocos de gestão financeira.

No embalo, o BTG Pactual manifestou explicitamente anseio e apetite por outro pedaço da empresa financeira em posição crítica, justamente aquele expresso no filé mignon, hospedeiro dos empréstimos em consignação, portadores de diminutas probabilidades de inadimplência, e o interesse precípuo de controle pleno do capital anexado.

A participação de uma entidade estatal no processo de transferência de patrimônio de um banco privado, situado, como se diz na gíria popular, “no bico do corvo”, vem causando apreensão nos meios especializados, em função da forte estabilidade e solidez das instâncias privadas, que seriam motivos suficientes para a cobertura da transação de encampe do empreendimento quase arrasado.

Ressalte-se que o aparato financeiro nacional se mostra ultraprotegido pela engenharia regulatória brasileira, que enseja a multiplicação dos ganhos de tesouraria em curto prazo, assentados na rolagem dos papéis da dívida pública com garantia de recompra. Somente os títulos colocados pelo Tesouro Nacional correspondem a 52,5% do produto interno bruto (PIB), pouco mais de dois terços da dívida bruta do governo geral (76,2% do PIB).

A opção pela deliberação de calote e confisco, decretado por medida provisória, semelhante ao empregado pelo governo de Fernando Collor de Mello, em 16 de março de 1990, foi vedada a partir da Emenda Constitucional Nº 32, aprovada e promulgada em 2001.

O BRB terá que desembolsar R$ 2 bilhões, o que equivale a 58% do capital do Master, só que abarcando 49% das ações ordinárias (com direito a voto) e a totalidade das preferenciais (sem direito a voto), o que conferiria a manutenção do domínio decisório com o atual proprietário, que, inclusive, presidirá o Conselho de Administração. A desculpa de garantia de voto afirmativo em temas específicos configura “conversa mole para boi dormir”.

A transação carece de autorização do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e do Banco Central (BC), neste último baseada em criteriosa apreciação, por membros do corpo técnico dotados de vasta experiência em complexas operações de aquisições, incorporações e fusões no organismo financeiro, conforme apurado pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Em paralelo, segundo o Radar da Veja, estaria em andamento, em caráter preliminar, no Senado da República, uma investigação a respeito da instituição presidida por Daniel Vocaro e, “à boca pequena”, já haveriam senadores com o “dedo no gatilho” para solicitação da instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Além da natureza imprescindível da excelência técnica, as etapas de avaliação e deliberação não poderão prescindir dos componentes associados à transparência sob pena de emergência ou maximização de suspeitas acerca da lisura do vultoso negócio no terreno da intermediação financeira.

Isso porque predominam densas e cinzentas nuvens que minimizam a relevância da mera manifestação de compra e venda de uma instituição de trajetória exponencial, amparada quase que exclusivamente no lançamento de Certificados de Depósitos Bancários (CDBs), remunerados a taxas bastante superiores às praticadas pelo mercado de papéis.

Em linha análoga, destacam-se incursões do Master em bancas consideradas de elevado risco, especialmente a absorção de precatórios – créditos a receber de União, estados e municípios – com desconto no mercado secundário, perfazendo ativos totais de mais de R$ 7 bilhões, em 2024.

O Banco também enveredou em aventuras com fundos de pensões e na captura de negócios com desequilíbrios financeiros crônicos, como a Metalfrio, Restoque e Oncoclínicas, objetivando a realização de rápido esforço de reestruturação e saneamento e posterior comercialização lucrativa. Com o malogro desse projeto, o Master contabiliza aproximadamente R$ 30 bilhões em recursos empoçados, avaliados como de reduzida liquidez.

Convém recordar que, já no final de 2023, o Banco Central havia estabelecido rigorosas regras de aperto à exposição de instituições financeiras à CDBs e precatórios, principalmente a eliminação o tratamento isonômico com aqueles dispensados aos bônus governamentais. Pelo jeito, o Master não levou a sério a orientação da autoridade monetária.

Mesmo assim, para a turbinagem e/ou viabilização dessas principais empreitadas, a plataforma de captação de recursos da organização se valeu da exagerada exaltação da segurança do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), instrumento privado instituído na década de 1990 com a finalidade conferir credibilidade e estabilidade ao funcionamento do mercado financeiro.

O FGC assegura as pessoas físicas e empresas, que escolheram, por exemplo, os CDBs em rearranjos de carteiras ou como modalidade de aplicação de eventuais excedentes, a devolução de até o limite de R$ 250 mil (1 milhão em quatro anos), em circunstâncias de falência do ente operador do referido produto.

Porém, o elevado volume de vendas dos CDBs emitidos pelo Master provocou acentuado desequilíbrio no FGC, em razão da absorção potencial, em caso de default, de mais de 40% do patrimônio líquido apresentado pelo fundo, de acordo com cálculos para lá de conservadores.

Em uma demonstração cabal de absoluta incompreensão dos melindres da dinâmica financeira do país e dos perigos sistêmicos, ilustres figuras do Congresso Nacional chegaram a sugerir o alargamento do teto de garantia do FGC para até R$ 1 milhão, o que configuraria um prêmio aos rentistas com poder de mercado e/ou de exercício de eficientes lobbies.

Decerto que a constatação e correção dessa anomalia do Master resultará na adoção de posturas mais cautelosas dos agentes e no inevitável desaparecimento da feitiçaria representada pela disponibilização de CDBs anabolizados, notadamente por entes financeiros de pequeno e médio porte.

Pela ótica do BRB, a incorporação de parcela do portfólio do Master constitui elemento-chave da estratégia ancorada em economias de escala, na direção da transformação de banco regional em nacional, como se isso tivesse algum apelo social, desprovida de injunções de natureza política, o que não passa de rústica retórica da cúpula da agência.

Contudo, é necessário entender de uma vez por todas que a estabilidade do sistema financeiro brasileiro foi construída e/ou conquistada a partir do desencadeamento de um bloco de encorpadas reformas institucionais, preparadas e implantadas na década de 1990.

Tal fenômeno se verificou pari passu com a necessidade de adequação ao processo de ajustamento macroeconômico, propiciado pelo fim do imposto inflacionário, em consequência do Plano Real, preponderantemente a edição dos programas de socorro aos bancos públicos e privados (Proes e Proer) e os incentivos à desestatização e intensificação das fusões e aquisições de estabelecimentos menores pelos de maior envergadura.

Logo, na ausência de identificação de falhas capazes de engendrar instabilidades sistêmicas, a resolução dos conflitos e distorções deve ser reservada e/ou repassada preferencialmente aos mecanismos e lógica prevalecentes no mercado, deixando a alocação dos recursos públicos, ou da “Joia da Coroa”, apartado para o atendimento das prioridades sociais, que, por sinal, não são poucas e vem sendo supridas, na maioria das ocasiões, de forma precária.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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