Nova NR-1 impõe mudanças no RH e reacende debate sobre saúde mental no trabalho

Atualização da norma exige uma nova postura das empresas diante da saúde psicossocial e fortalece o papel estratégico do RH na gestão da saúde mental
Com vigência adiada para o ano que vem, a nova versão da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) representa um marco importante na maneira como as empresas brasileiras devem lidar com saúde e segurança no trabalho — principalmente no que diz respeito à gestão dos riscos psicossociais. A atualização integra um movimento mais amplo de modernização das normas trabalhistas e obriga os empregadores a adotarem uma postura mais estratégica, preventiva e humanizada na gestão da saúde mental de seus colaboradores.
Muito além da simples revisão de procedimentos, a nova NR-1 exige uma mudança de cultura, especialmente no papel do RH, que passa a ter uma função ainda mais ativa na identificação e mitigação de riscos psicossociais no ambiente de trabalho. Com isso, temas como bem-estar corporativo, ergonomia ampliada e responsabilidade jurídica ganham espaço definitivo nas rotinas de gestão de pessoas.
A responsabilidade subjetiva e os riscos legais
A nova norma reforça a necessidade de cumprimento das exigências legais para que as empresas possam ser responsabilizadas apenas de forma subjetiva, ou seja, mediante comprovação de culpa, e não objetiva (automática) em casos de adoecimento relacionado ao trabalho.
“Estamos falando de uma responsabilidade subjetiva — ou seja, que depende da comprovação de que a empresa cumpriu todas as normas legais e ergonômicas. Se houver esse cuidado, não há razão para imputar culpa direta. Mas o descumprimento pode sim gerar responsabilidade objetiva em situações extremas, como negligência no cuidado com o ambiente psicossocial”, afirma Paulo Chubba, sócio do KLA Advogados e especialista em direito do trabalho.
Segundo Chubba, a atualização da NR-1 está em sintonia com a jurisprudência atual, que vem ampliando o entendimento sobre os deveres das empresas com relação à saúde mental dos trabalhadores. “O RH passa a ser peça-chave na coleta e interpretação de dados para que a empresa consiga demonstrar sua conformidade legal e sua boa-fé na gestão de riscos”, diz.
Segurança do trabalho: o mapeamento começa na contratação
Do ponto de vista técnico-operacional, a gestão eficiente dos riscos psicossociais exige atenção desde o momento da contratação. “O mapeamento adequado deve ser feito já na entrada do colaborador, com avaliações que identifiquem não só riscos físicos, mas também contextos emocionais, de pressão ou carga cognitiva”, explica Marcio Cardenali, engenheiro de segurança do trabalho e diretor da NCCO Consultoria Operacional.
Para ele, a principal mudança está na ampliação da visão de segurança: “Não se trata mais apenas de evitar acidentes, mas de prever cenários de adoecimento psíquico e promover um ambiente saudável. As empresas que não entenderem isso estarão expostas a riscos jurídicos e de imagem”, afirma.
Saúde mental em empresas de diferentes portes
A médica do trabalho Dra. Adriana Keli aponta que o grande desafio será adequar os processos conforme o porte da empresa. “Nas grandes corporações, há estrutura para psicólogos, ergonomistas e especialistas em gestão de saúde. Mas as pequenas e médias precisarão encontrar formas viáveis de aplicar as exigências sem comprometer a operação”, explica.
Segundo a médica, a nova NR-1 atualiza o olhar sobre os fatores psicossociais, incluindo o reconhecimento de riscos relacionados ao estresse, ansiedade, isolamento e sobrecarga mental. “É uma mudança necessária, mas que exige preparo técnico e sensibilidade para não transformar boas intenções em burocracia ineficaz”, alerta.
O novo papel do RH: dados, estratégia e prevenção
Para Rafaela Lucena, sócia da Bernhoeft e responsável pela área de Soluções em RH, a nova NR-1 transforma o RH em um protagonista nessa discussão e um agente essencial nessa ‘nova gestão’. “A norma exige que o RH mapeie os riscos psicossociais, implemente questionários, entrevistas estruturadas e análises de clima. É um trabalho multidisciplinar que envolve todos para além da área de gente. Isso demanda uma mudança de mindset e investimentos em ferramentas e capacitação da equipe”, explica.
Ela destaca que o maior desafio é construir uma cultura de prevenção. “Não adianta apenas aplicar um questionário padrão. É preciso criar um sistema contínuo de escuta, análise e resposta aos sinais de adoecimento ou desconforto emocional”, complementa.
Ergonomia: muito além das cadeiras
A ergonomia também ganha um novo papel nesse processo. Segundo a ergonomista Thatiana Gonçalves, o conceito precisa ser ampliado para além da postura ou da escolha da cadeira de escritório. “A ergonomia moderna entende que o risco não está no colaborador, mas no ambiente. Toda atividade tem uma carga física ou mental, e o que garante a segurança é a gestão da demanda, não o indivíduo em si”, afirma.
Thatiana defende que as empresas adotem uma visão sistêmica da ergonomia, considerando aspectos organizacionais, sociais, emocionais e físicos. “É preciso redesenhar o trabalho para que ele seja viável e sustentável — isso vai muito além do mobiliário”, conclui.
Um novo capítulo na gestão de pessoas
A nova NR-1 representa um avanço relevante no reconhecimento da saúde mental como parte integrante da saúde ocupacional. Mas também impõe novas responsabilidades, que exigem preparo técnico, sensibilidade e estratégia.
Para as equipes de RH, a adaptação será desafiadora — mas também uma oportunidade de se posicionar como protagonistas em um momento de transformação profunda nas relações de trabalho. O futuro das empresas passa, mais do que nunca, pela construção de ambientes seguros, emocionalmente sustentáveis e juridicamente protegidos — um desafio que começa pelo RH, mas se estende à cultura organizacional como um todo.