Retração econômica mundial e desgaste brasileiro

Retração econômica mundial e desgaste brasileiro
Gilmar Mendes Lourenço.

Os exercícios de futurologia, de qualquer natureza, tanto aqueles marcados por consultas a cartas ou Orixás, quanto os dependentes de elementares palpites ou adivinhações, até os obedientes ao rigor científico, atendem menos aos propósitos de acerto do que vem pela frente, para o bem ou para o mal, e mais ao estabelecimento de referências prospectivas balizadoras das escolhas estratégicas presentes.

Na verdade, esses instrumentos de interpretação ex ante beneficiam o processo decisório dos atores sociais (governo, empresas, trabalhadores e consumidores) ao estimularem atitudes de fortalecimento dos horizontes positivos e prevenção contra eventos indesejáveis.

Em outros termos, os indicadores antecedentes revelam-se extremamente úteis menos pela conquista a posteriori de acertos preditivos e mais pelas advertências e recomendações neles embutidas.

Por essa perspectiva, o relatório “Global Economic Prospects”, produzido pelo Banco Mundial (BIRD) e divulgado em 10 de junho de 2025, sublinhou o ano de 2025 como uma espécie de “divisor de águas” entre a etapa de recuperação cíclica da economia internacional e um estágio de acentuada desaceleração, que, se concretizado, poderá rotular a presente década como a de menor crescimento desde os anos 1960.

Lembre-se que o episódio de reativação teve início depois do controle da escalada e superação da pandemia de Covid-19, no biênio 2020-2021, com a inestimável ajuda da ciência e adesão generalizada à vacinação, e o aparecimento de fortes sintomas de supressão de fôlego acompanha e sucede os preocupante e crescentes perigos de explosão do endividamento corporativo e dos governos de países ricos, médios e pobres.

Pelos cálculos e simulações da entidade multilateral, o surto expansivo do produto interno bruto (PIB) mundial próximo de 3,5% ao ano, medido entre 2021 e 2024, deverá dar lugar a acréscimo de 2,4% a.a., no triênio 2025-2027, característico de princípio de estagnação, ainda que esta possa ser considerada efêmera, na mais benevolente das profecias.

O que explicaria essa repentina alteração de curso? Pela ótica analítica do BIRD é possível apreender, ao menos especular, que o clima de exacerbação das incertezas provocado pela “imprevisibilidade ou metamorfose ambulante” do novo chefe de estado dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, deve derrubar o ritmo da economia global e trazê-lo a patamares próximos aos subsequentes à turbulência de financeira de 2008.

Na ocasião, a quebra do segmento hipotecário de segunda linha dos EUA, conhecido como subprime, em ambiente de absoluto descontrole e ausência de regulação dos mercados financeiros que operavam com derivativos, provocou brutal e contração dos negócios em escala global.

Dentre as perturbações gestadas por aquela administração autocrática de Trump – que literalmente, se apossou de um partido político com visíveis inclinações ao desprezo das regras democráticas formais e informais – sobressai a estipulação de enormes barreiras migratórias, com a promoção de verdadeiros arrastões de deportações.

É também digno de nota, o déficit de traquejo no manejo e tratamento das complexas questões geopolíticas, em especial os conflitos bélicos entre Rússia e Ucrânia e Israel e Hamas, e a emergência da candidatura da China na disputa pela conquista do poder e hegemônico, coadjuvada pela “amiga” Rússia, preponderantemente após os embargos comerciais, adotados pelas nações Ocidente, em 2022.

Porém, a principal injeção de estrago aplicada por Trump repousa no aprofundamento das tensões comerciais, advindas da errática imposição de rodadas de gigantescas tarifas recíprocas do imposto de importação sobre produtos e serviços procedentes de aliados políticos e parceiros comerciais, da América e Europa, e, sobretudo, aqueles made in China. Há também a forte e aleatória taxação de produtos-chave, como veículos e aço.

Apesar de descartar a precipitação de um cenário recessivo, como o acontecido em 2009 (-1,3%), como desdobramento do subprime americano, e 2020 (-2,9%), por conta do surto de Sars-CoV-2 e as inúmeras quarentenas decretadas por autoridades nacionais e locais, o banco projeta incremento de 1,4% a.a. do PIB, para as nações avançadas, entre 2025 e 2027, e 3,8% a.a., para as classificadas como em desenvolvimento ou emergentes.

Dentre as nações ricas, EUA, Zona do Euro e Japão devem subir 1,6% a.a., 0,8% a.a. e 0,7% a.a., sintetizando uma semiparalisia. No elenco dos maiores estados emergentes, o destaque ficará por conta da Índia (6,5% a.a.), com redução do embalo do México (1,0% a.a., incremento de somente 0,2%, em 2025), Brasil (2,3% a.a.) e China (4,1% a.a.)

No caso brasileiro, a retração de velocidade de 3,2% a.a., entre 2022 e 2024, retrata apenas parte dos desdobramentos perversos dos desarranjos globais, que, por sinal, poderão ser até amortecidos e/ou compensados com a possibilidade de penetração das exportações nacionais em alguns mercados alcançados ou prejudicados pelo protecionismo trumpista.

Só que a irradiação dessa eventual vertente compensatória positiva para o restante da economia doméstica não carregará a capacidade de anular a inescapável exaustão do paradigma de crescimento de tiro curto, fervorosamente utilizado desde 2022, amparado no revigoramento do consumo privado, viabilizado pela estratégia de ilimitado alargamento dos gastos públicos, ocupado com os interesses eleitoreiros imediatos, apoiado na equivocada premissa e corriqueira alegação de que o poço jamais secará.

O pior é que o surto de consumo das famílias movido à maximização das transferências oficiais diretas de renda, ampliação do emprego e massa de rendimentos em circunstâncias precárias, com 40% de informalidade do mercado de trabalho, e choque entre valorização do salário mínimo, produtividade e disciplina fiscal, tem ocorrido em detrimento da elaboração, negociação política e execução de uma agenda de investimentos.

Não se enxerga, por aqui, qualquer esboço relevante de indução de múltiplos, consistentes e articulados projetos voltados, ao mesmo tempo, à restauração dos ganhos de eficiência empresariais e à devolução e aumento da competitividade sistêmica nacional, coordenada pelo estado.

Ao contrário, prevalece a timidez na identificação e preenchimento de lacunas na infraestrutura econômica e social, tanto nos aspectos físicos (energia, transportes e logística) quanto no terreno pantanoso dos itens portadores de futuro, notadamente educação, ciência, tecnologia e inovação, em linha, ainda que atrasada, com a quarta revolução industrial global, comandada por inteligência artificial, robótica e digitalização.

Mais gritante, não há qualquer compromisso com a preparação, discussão, lançamento e implementação das reformas estruturais imprescindíveis à transição segura de um modelo de crescimento via consumo, centrado na satisfação do presente, para um programa ancorado no investimento em expansão e da capacidade produtiva e do capital social básico do país, comprometido com o futuro.

Só assim será possível a amarração de círculos virtuosos de inserção competitiva externa com iniciativas de inclusão e mobilidade social de maior envergadura, fundamentais ao cumprimento da desgastante tarefa de diminuição da desigualdade e eliminação da pobreza e miséria do território nacional.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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