Mercado cripto sofre com fuga de capital e fragilidade de regulamentação
Falta de clareza na regulação e pouco diálogo com o setor tem feito empresas e investidores migrarem para outros países emergentes da América do Sul
O movimento é silencioso, mas constante: parte do capital que ajudou a impulsionar o mercado de criptoativos no Brasil começa a sair do país e o principal motivo não é o preço do Bitcoin. O que tem afastado empresas, investidores e até startups do setor é o risco regulatório crescente e a falta de previsibilidade em torno das regras que tratam de ativos digitais.
Depois de um ciclo de otimismo entre 2020 e 2022, o cenário mudou. A partir de 2023, o Brasil passou a discutir de forma mais intensa a tributação de criptoativos mantidos no exterior, além de ampliar as exigências de transparência sobre ganhos e operações com moedas digitais. Para o CEO da Mannah, especializada em blockchain, Pedro Xavier, esse cenário turbulento tem feito com que as empresas repensem investimentos grandiosos no país.
“Essas decisões sem consultar o setor de criptoativos tem sido muito controversas e afastam as empresas de olho em mercados como o Brasil. O resultado tem sido um ambiente de cautela, com várias grandes adiando planos de expansão local e parte dos investidores passou a operar fora da jurisdição brasileira. O país perde simplesmente por não compreender a importância dessas tecnologias e não conseguir dialogar com o setor”, analisa Xavier.
Os dados do Banco Central ilustram esse movimento. Segundo levantamento divulgado pela Reuters em outubro de 2024, o Brasil importou US$ 12,9 bilhões em criptoativos entre janeiro e setembro de 2024, um aumento de 60,7% em relação a todo o ano de 2023, quando o total havia sido de US$ 11,7 bilhões. Apesar do crescimento, a maior parte dessas operações ocorre por meio de plataformas estrangeiras, o que representa saída líquida de recursos do país que são convertidos em ativos digitais que permanecem sob custódia fora do sistema financeiro nacional.
Paralelamente, a Receita Federal registrou que, apenas no primeiro semestre de 2023, os brasileiros declararam R$ 133,6 bilhões em criptoativos, um aumento de 36,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. Desse total, R$ 14,5 bilhões foram declarados por meio de exchanges no exterior, um salto de 51,2% nas operações internacionais, de acordo com reportagem da Reuters baseada em dados oficiais.
“Esses números ajudam a explicar a tendência que é quanto maior a incerteza regulatória, mais o capital busca alternativas fora do país. Enquanto o Brasil ainda debate temas como custódia de stablecoins, tributação de ganhos e regras para DeFi, países como Chile e Uruguai avançam com legislações mais estáveis e previsíveis para o setor de fintechs e ativos digitais, atraindo cada vez mais dinheiro brasileiro ou que poderia estar sendo investido aqui”, afirma o CEO.
O custo dessa fuga é evidente. Além da perda de competitividade em inovação financeira, o país deixa de arrecadar tributos sobre operações que migram para o exterior e perde o impulso de startups e fundos que poderiam fomentar o ecossistema local.
Se quiser competir pela liderança da economia digital na América Latina, o Brasil precisará oferecer clareza regulatória e segurança jurídica para o setor. “Se não houver avanços e uma boa sinergia entre governo e mercado, o dinheiro continuará sendo levado para outros países que conseguiram avançar com esse ponto e fornecem hoje um suporte maior aos investidores. O Brasil tem tudo para estar na vanguarda mundial neste setor, só falta querer”, finaliza.


