Brasil: prejuízos da Covid-19 no ambiente econômico e social
Enquanto o governo Bolsonaro prioriza, de maneira escancarada, o desprezo e a desqualificação da produção de conhecimento científico e a elaboração de indicadores relevantes para o exercício de escolhas estratégicas de agentes públicos e privados, em diferentes áreas, os braços de pesquisa das entidades de classe e organismos oficiais permanecem firmes na tarefa de preparação de estudos, levantamento de dados e geração de informações qualitativas e quantitativas destinadas ao atendimento de dois objetivos sincronizados.
De um lado, é destacável a busca de facilitação e aprofundamento do entendimento das flutuações conjunturais, ocasionadas, sobretudo, pelas agruras contabilizadas neste prolongado estágio de penetração e devastação associado à pandemia do Novo Coronavírus no Brasil.
De outro extremo, nota-se empenho no fornecimento de elementos úteis ao processo decisório governamental e corporativo, na direção do cumprimento de expedientes antecipatórios para consolidação das tendências delineadas, a partir da identificação de oportunidades e exploração de potencialidades, e reversão dos cenários considerados indesejáveis.
Na verdade, os resultados e conclusões extraídos das sondagens sensitivas e apurações estatísticas tem se revelado bastante preocupantes ao sintetizarem flagrante piora do ambiente de transações e ocupações que, por sinal, já sinalizava deterioração antes da eclosão do surto sanitário.
Paradoxalmente, tais episódios vêm na contramão das mensagens retóricas triunfalistas e/ou negligentes, rotineiramente enviadas pelo staff do Palácio do Planalto, encabeçado pelo chefe de estado, e algumas figuras hospedadas nos meios especializados. Essencialmente isso sugere combinação perversa entre diminuta capacidade de observação e planejamento, desinteresse na ampliação da compreensão e intervenção corretiva em eventos desfavoráveis e escassa sensibilidade social.
Um dos exemplos da perspectiva de atuação virtuosa, no terreno econômico e social, repousa nos esforços empreendidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em recente relatório, preparado com apoio de levantamento efetuado pelo Instituto FSB Pesquisa e divulgado em 17 de julho de 2020, a entidade apontou que 67% dos pesquisados não creem em imediata ocorrência de recuperação dos níveis de atividades e 61% avaliam que esta só começará em no mínimo um ano.
Ademais, 71% das pessoas consultadas afirmaram terem sofrido diminuição de renda, desde o surgimento da pandemia, e 71% dos trabalhadores (englobando os com carteira assinada e aqueles informais) mencionaram ter algum medo de perder o emprego, sendo que 45% manifestaram ter receio máximo.
Cumpre sublinhar que o inquérito da FSB Pesquisa contou com a participação de 2.009 pessoas, com idade superior a 16 anos, em todos os estados da federação, entre os dias 10 e 13 de julho, que foram ouvidas por meio de telefones fixos e móveis, em razão das recomendações de isolamento e distanciamento social.
Em outra frente de batalha, mais precisamente no aprimoramento e atualização do fluxo das estatísticas de curto prazo, emerge ações inovadoras do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sua mais nova Pesquisa, denominada “Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas”, apurou que 522,7 mil (ou 39,4%) das 1,3 milhão de firmas em situação de interrupção de atividades (temporária ou definitiva), na 1ª quinzena de junho de 2020, imputou o revés aos efeitos dos percalços sanitários.
Do conjunto, 258,5 mil (49,5%) operavam no setor de Serviços, 192,0 mil (36,7%) no Comércio, 38,4 mil (7,4%) na Construção e 33,7 mil (6,4%) na Indústria, e, o mais grave, 518,4 mil (99,2% do total) pertencia ao grupo de pequeno porte (que possuem até 49 empregados), evidenciando a intensificação de um fenômeno bastante comum, expresso na precoce e elevada taxa de mortalidade dos empreendimentos de menor dimensão.
Porém, os desdobramentos econômicos da Sars-CoV-2 mostraram-se bem mais abrangentes ao prejudicar drasticamente o funcionamento das companhias que não paralisaram os trabalhos. Destas, 70,0% acusaram quedas na produção, vendas e prestação de serviços, entre março e junho de 2020, período que coincide com as heterogêneas medidas de restrição aplicadas por todo o país, com frequência de 70,1% para pequenas, 66,1% para médias e 69,7% para grandes.
Pela ótica setorial, os registros negativos foram generalizados, atingindo 74,4% das empresas de Serviços, 72,9% da Indústria, 72,6% da Construção e 65,3% de Comércio, em especial aquelas intensivas em mão de obra e/ou dependentes de contato pessoal, como serviços prestados às famílias e construção civil.
Em igual intervalo, cerca de 1,2 milhão (44,5%) das empresas em atividade postergaram o recolhimento de tributos, sendo que, destas, (51,9%) o fizeram com aprovação do governo. Apenas 347,7 mil (12,7%) delas tiveram acesso ao crédito emergencial para cobertura da folha de salários, sendo que 2/3 dessa pequena fração apoiadas diretamente pelo governo.
Especificamente em relação à mão de obra, a PNAD Covid-19, do IBGE, inferiu queda no nível de ocupação entre as semanas compreendidas entre 3 e 9 maio e 21 e 27 de junho de 2020. Houve recuo de 49,3% para 48,5% da força de trabalho, ou redução de 1,4 milhões de pessoas no contingente ocupado, com informalidade de 34,5% da força.
Como se vê, trata-se de razoável elenco de perturbações que, se fosse incorporado às mentes e iniciativas dos membros do 1º escalão governamental, dispensaria atitudes e procedimentos despreparados de renovação de desejos de ressurreição da anacrônica CMPF, disfarçada de imposto digital, e subsequente inclusão na agenda de constituição da proposta de reforma tributária.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, foi diretor presidente do IPARDES entre 2011 e 2014.