Queda dos serviços: balde de água fria na retomada
O desempenho ruim do setor de serviços, no mês de maio de 2020, aferido por pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), despejou um “balde de água fria” no entusiasmo que dominava parcela dos meios especializados, governo e alguns formadores de opinião, neste começo de julho, amparado na divulgação de alguns indicadores positivos, oficiais e de entidades de classe.
De fato, as informações do curso das variáveis industriais, acompanhadas pelo IBGE e Confederação Nacional da Indústria (CNI), do volume de vendas do comércio varejista, relativas a maio, e outros indicadores correntes e antecedentes não convencionais, cobrindo o mês de junho, ensejaram a constatação de ocorrência do fundo do poço depressivo, em abril, e a subsequente defesa de conformação de um processo de retomada econômica.
O advento do cenário virtuoso seria consequência da conjugação entre os efeitos das ações mitigadoras e imprescindíveis na área de emprego e renda – aplicadas pelo executivo federal, com interferência direta e irrestrito apoio do Congresso Nacional -, em especial o auxílio emergencial às famílias mais vulneráveis – semelhante às políticas adotadas em outras nações, dotadas de cacife fiscal -, e o abrandamento ou suspensão das quarentenas, impostas pela gestão da pandemia de Covid-19.
Incursões mais atentas alertavam se tratar de leitura precipitada, baseada em resultados isolados para um único mês, em comparação com o período imediatamente anterior, que fora marcado pela interrupção da esmagadora maioria das atividades não essenciais, nos principais espaços geográficos da nação, com ênfase para as capitais e algumas regiões metropolitanas.
O restante da cesta de dados quantitativos e qualitativos de suporte à sentença triunfalista apresentava consistência discutível ou expressava essencialmente a torcida por imediato retorno de dias melhores, o que parece pouco aderente à evolução da conjuntura sanitária e econômica global e nacional, anomalia agravada por constantes perturbações de natureza política e institucional.
Por essa ordem de reparos, a performance sofrível dos serviços serviu como uma espécie de segurada na prematura linha de análise, resumida em mensagens de crescentes injeções de ânimo ancoradas na premissa de que o pior já passou e daqui para frente é só alegria. Até porque, ao incitar um enganoso relaxamento, tal conduta revela-se nociva tanto à saúde quanto à economia.
O IBGE apurou que, em maio de 2020, o volume de serviços decresceu -0,9% em relação a abril, refletindo a continuidade dos desdobramentos devastadores da entrada e alastramento do Novo Coronavírus no país. O resultado corresponde à 4ª queda consecutiva, contabilizando perda acumulada de -19,7%.
O decréscimo foi de -19,5%, no cotejo com o mesmo período de 2019, o 3º encolhimento seguido e o maior da série histórica, levantada desde janeiro de 2012, e de -7,6%, nos cinco primeiros meses do ano, puxado por alojamento e alimentação (-32,1%), transporte aéreo (-30,4%) e outros serviços prestados às famílias (-24,8%).
A retração de maio frente a abril atingiu três dos cinco grupos observados, a saber: serviços de informação e comunicação (-2,5%), e -8,9%, entre janeiro de maio; serviços profissionais, administrativos e complementares (-3,6%), que experimentou contração de -20,6%, em oito meses a fio, e outros serviços (-4,6%), sofrendo o 3º revés seguido e declínio de -12,4%, entre março e maio de 2020.
Em contraposição, transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio e serviços prestados às famílias, experimentaram variação positiva de 4,6% e 14,9%, respectivamente, em razão da preservação das linhas de produção e comercialização consideradas imprescindíveis e da nova dinâmica caseira determinada pelos confinamentos.
Igualmente dramático foi o comportamento no trimestre móvel findo em maio, com recuo de -6,8%, em confronto com abril, o que intensificou a velocidade de queda ante os trimestres acabados em janeiro (-0,1%), fevereiro (-0,4%), março (-2,5%) e abril (-6,5%). Os cinco grupos padeceram de retração, principalmente serviços prestados às famílias (-27,6%), transportes, serviços auxiliares aos transportes e correio (-8,1%) e serviços profissionais, administrativos e complementares (-6,2%). As áreas de outros serviços (-4,3%) e informação e comunicação (-2,3%) fecham o panorama desolador.
A reversão dessa situação inóspita requer, de um lado, planejamento, coordenação e articulação entre união, estados e municípios nas múltiplas empreitadas voltadas ao combate e controle do avanço da Sars-CoV-2, em lugar da verdadeira sabotagem exercida pelo chefe de estado.
De outro, impõe implantação de providências econômicas necessárias ao gerenciamento dos vários eventos de restrições e flexibilizações do isolamento e distanciamento social, respeitando as peculiaridades regionais, em paralelo aos esforços da ciência no sentido de descoberta e oferta de medicação adequada e vacina.
Para tanto, será crucial o prolongamento temporal da ajuda financeira à população vulnerável (informais e desempregados), acoplado ao alargamento da exitosa experiência do programa Bolsa Família, condicionado à preservação do teto constitucional para a variação das despesas primárias da União em 2021, de modo a impedir uma deterioração das finanças públicas decorrentes dos desembolsos mitigadores.
Inferências do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) revelam que o bônus emergencial compensou 45% da diminuição da massa de salários, derivada da pandemia, no mês de maio, chegando a praticamente 100% para os estratos abaixo da linha de pobreza.
Também demonstra caráter fundamental o desbloqueio das operações de financiamento dirigidas às micro, pequenas e médias e empresas (MPMEs), para que a nação não se transforme em cemitério de organizações produtivas e de postos de trabalho.
Por fim, aqueles que, de maneira superficial e afoita, passaram a anunciar que o setor que contribui com quase ¾ do produto interno bruto (PIB) nacional permanece no abismo, convém esclarecer que, ao menos o retrato estatístico não se mostra tão apocalíptico.
Decerto que os serviços respondem por 73,5% do PIB brasileiro, conforme o Sistema de Contas Nacionais do IBGE. No entanto, a investigação mensal do organismo nacional não comporta os segmentos de saúde e educação (17,7% do PIB), comércio (13,2%) e atividades financeiras (7,6%), sobrando 38,5% do PIB como alvo da compressão denotada.
É preciso entender que a saúde respira, a educação sobrevive, o comércio esboça reação e as entidades financeiras não conhecem o que é crise por aqui. Ademais, o agronegócio, que está fora dessa conversa, permanece eficiente e preparado para, ao mesmo tempo, suprir a mesa dos brasileiros e gerar saldos positivos e crescentes nas contas externas do país. Nem tudo está perdido. Melhor se o governo não atrapalhar.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, foi diretor presidente do IPARDES entre 2011 e 2014.