Reforma tributária de Guedes: mais atrapalha que ajuda
Com um ano e meio de atraso, o ministério da Economia encaminhou, em 21 de julho de 2020, a proposta de reforma tributária ao Congresso Nacional, onde houve o costumeiro acolhimento protocolar, seguido de manifestações genéricas a respeito da importância do episódio e saudações ao restabelecimento da sintonia entre os poderes.
No entanto, além de extremamente parciais, as alterações apontadas no texto que foi entregue são portadoras da característica ou potencial de interrupção, ou ao menos atrapalho, do debate e tramitação de dois projetos bastante convergentes, em andamento na Casa de Leis, um de iniciativa da Câmara dos Deputados e outro do Senado da República.
De fato, coerente com a promessa de envio de um projeto fatiado, porém não tão demorado, em etapas, a equipe de Paulo Guedes, recomendou, no bloco de 21.07, a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), batizada de imposto sobre valor agregado (IVA), resultado da fusão de duas contribuições federais, PIS e Cofins, cujo recolhimento incide sobre a mesma variável, a receita bruta das organizações.
Esse tipo de intenção não traz nenhuma novidade, pois já integrava o elenco de diretrizes econômicas gerais, esboçado ainda no 1º mandato de Dilma Rousseff, na esteira das mudanças institucionais integrantes de uma suposta Nova Matriz Econômica.
A nova alíquota linear será de 12% do faturamento, exceto para as entidades financeiras, seguradoras e planos de saúde, que pagarão 5,8%, contra faixa de cobrança entre 3,65% e 9,25%, conforme o segmento de atuação das empresas, afora isenções e regimes especiais. Como a indústria poderá se valer do expediente de crédito, haverá expressivo aumento de carga para o setor de serviços.
Por enquanto, as informações correntes disponíveis indicam, sem maiores detalhes, a ocorrência de mais três rodadas de envio de transformações no desenho de impostos: IPI seletivo, cobrado sobre alguns produtos como cigarros e bebidas alcoólicas; imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas, sobretudo tributação de dividendos e redução das deduções; e desoneração da folha, compensada pela reintrodução de sucedâneo da CPMF.
A surpresa generalizada dos agentes econômicos e políticos diante da explicitação, depois de tanto tempo, de algo tão modesto, serviu apenas para corroborar a impressão reinante acerca da ausência de empenho do executivo tanto na viabilização do discurso e defesa da revisão e simplificação tributária, quanto na elaboração de esforços mais abrangentes, articulados e consistentes, englobando rearranjos no imposto de renda, na direção da recuperação da funcionalidade e justiça social do aparato de arrecadação e diminuição do custo Brasil.
Mais que isso, a postura do staff econômico embute a confirmação das suspeitas de verdadeira obsessão pela ressurreição de gravame parecido com a extinta CPMF, também conhecida como imposto do cheque, que vem sendo levantada, com disfarces pouco convincentes, desde o começo do atual mandato presidencial, como mitigação à diminuição da cunha sobre a massa salarial formal, baseada em desavergonhada, ainda que escondida, ignorância, da existência e eficácia do imposto sobre operações financeiras (IOF).
As insinuações de volta da CPMF – gravame nitidamente regressivo, em cascata, inflacionário e nocivo à produtividade microeconômica – também tem provocado recorrentes observações contrárias do próprio chefe de estado que, desde a campanha eleitoral de 2018, vem reiterando “não entender nada de economia” e, a julgar pela conduta na cadeira presidencial, também não deve ser arguto conhecedor de incontáveis outros assuntos.
Essencialmente, a proposição de instituição de um imposto sobre bens e serviços (IBS), contida na PEC 45, da Câmara, e PEC 110, do Senado, repousa na junção e/ou troca de cinco itens de arrecadação da União, Estados e Municípios, especificamente PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, que, de acordo com cálculos de experts em macroeconomia tributária, pode ampliar em mais de 20% a capacidade de crescimento da economia nacional, em aproximadamente 15 anos, contra somente 2%, se for considerada a iniciativa da turma de Guedes.
Compõe também a cesta de unificação do Senado, o IOF, a CID, chamada de imposto dos combustíveis, o salário educação e o PASEP, que está acoplado ao PIS, no relatório da Câmara.
O trânsito do IBS no parlamento também vem se encarregando do preenchimento de outra lacuna, deixada pela inação ou ação vagarosa do executivo no terreno tributário, expressa em acenos incisivos ao equilíbrio federativo, especialmente com a incorporação do ICMS, principal fonte de arrecadação das instâncias subnacionais, e, por extensão, o favorecimento da correção de anomalias nada desprezíveis, como a guerra fiscal.
A propósito disso, em vez de incitar a minimização das disparidades regionais de geração de emprego e renda no país, com a atração de empreendimentos industriais de forma pulverizada pelo território, as enormes renúncias do imposto âncora dos estados, enfeixam apreciável fator de comprometimento da eficiência privada e do equilíbrio das finanças públicas, dado que conformaram prática generalizada de concessão de benesses a corporações que, comprovadamente, na maioria das situações, não necessitavam das mesmas.
Ressalte-se que a fatura da farra de alocação de estímulos fiscais e financeiros é usualmente encaminhada à União, amparada em operações emergenciais de socorro e/ou renegociações generosas de passivos, expedientes bancados por toda a população, incluindo aqueles residentes em unidades que ficaram de fora das batalhas.
Por tudo isso, parece razoável supor a necessidade de muito “boa vontade” para sequer nomear de reforma tributária, o elenco de providências contido no documento entregue pelo titular da Economia ao Congresso. Afinal, falta quase tudo e o pouco que exprime mais atrapalha do que ajuda.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, foi diretor presidente do IPARDES entre 2011 e 2014.