TJPR julga ação contra lei de Curitiba que restringe transporte intermunicipal e interestadual de corpos
O Tribunal de Justiça do Paraná deve julgar agora em julho uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, contra a Lei Municipal nº 15.620/2020, que mudou as regras para transporte fúnebre de residentes de outros municípios que faleceram em Curitiba. Com a mudança, a família agora pode optar apenas entre funerária da capital ou de empresa legalmente estabelecida no local de residência da pessoa falecida. A ADI foi proposta por doze deputados estaduais de diferentes partidos.
A petição, assinada pelas advogadas Larissa Brune de França e Luana de Paula Becker, sustenta que a Lei 15.620/2020 afronta a Constituição do Estado do Paraná e a Constituição Federal, ao legislar sobre matéria de interesse regional e nacional, no caso o transporte intermunicipal e interestadual de corpos de residentes em outras localidades, que tenham falecido em Curitiba.
A lei também fere o Código de Defesa do Consumidor, ao usurpar das famílias o direito de escolha do prestador de serviço. Diariamente, cerca de 25% dos 46 óbitos registrados na capital são de pessoas que residem em outras cidades*. Em geral, encontram-se em Curitiba para tratamento de saúde. A ofensa ao direito de escolha atinge ainda com mais gravidade pelo menos 400 mil pessoas de cerca de 95 municípios paranaenses que não têm funerária. Elas ficam obrigadas à funerária da vez no rodízio feito pelo Serviço Funerário Municipal de Curitiba.
Antes da alteração, em que a prefeitura extrapola sua competência, as funerárias não sediadas na capital tinham o poder de remover corpos sem restrições territoriais. Qualquer funerária contratada pela família retirava o corpo e fazia o translado intermunicipal ou interestadual. O mesmo regramento valia, ainda, para a retirada de corpos no Instituto Médico Legal (IML).
“O Estado do Paraná já cuidou de legislar sobre a matéria no artigo 1º da Lei 14.164, de 29 de outubro de 2003, dispondo que o serviço funerário, incluindo a fabricação e o fornecimento de caixões mortuários, o transporte de mortos, a instalação e manutenção de velórios e outros serviços complementares, são livres à iniciativa privada, assegurada a livre vontade dos familiares do falecido”, destaca o deputado Antônio Anibelli Neto (MDB), que assina a ADI juntamente com os deputados Paulo Roberto da Costa (Podemos), Marcel Henrique Micheletto (PL), Luciana Guzella Rafagnin (PT), Mabel Canto (PSC), Nelson Justus (DEM), José Rodrigues Lemos (PT), Requião Filho (MDB), Émerson Gielinski Bacil (PSL), Paulo Rogério do Carmo (PSL) e Artagão de Mattos Leão Júnior (PSB).
Liminares já obtidas
Pelo menos duas medidas liminares já foram concedidas pela justiça paranaense contra a Lei 15.620/2020. Em uma delas, o desembargador Leonel Cunha determina que o Município se abstenha de exigir dos nove autores** do mandado de segurança o cumprimento de requisitos da lei, sob pena de multa diária de R$ 5 mil.
Em outra ação, a juíza Bruna Greggio definiu multa de R$ 10 mil em favor da Funerária Nossa Senhora de Lourdes, do mesmo grupo da Luto Curitiba. A liminar caiu quando o Presidente do TJPR acolheu o pedido de Curitiba para impedir parcialmente a atuação de funerárias de outros locais dentro da capital paranaense.
O litígio entre a funerária e o município chegou ao STF na última semana. O ministro Dias Toffoli determinou a suspensão da decisão do TJPR, mantendo a liminar inicial. “Nesse caso, a discussão sobre o interesse público envolvendo os serviços funerários em Curitiba deve ocorrer no STF, sendo esse o tribunal competente para lidar sobre a questão”, explica o advogado Fábio de Mattos Lima, que moveu a ação.
Também há jurisprudência no âmbito federal sobre questões territoriais. A petição menciona decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2019, reafirmando que compete ao Estado legislar sobre questões que transcendem os limites físicos do Município.
Regra já foi derrubada
A mesma tentativa de reservar o transporte de corpos a serem velados em outras cidades para as empresas do rodízio funerário municipal foi feita em 2002, com a sanção da Lei nº 10.595/2002. Reconhecido como inconstitucional pelo TJ do Paraná, o texto foi reformado em consonância com as Constituições do Paraná e do Brasil.
A restrição trazida mais uma vez pela Lei nº 15.620/2020 também fere princípios da livre iniciativa, ao quebrar a isonomia entre as empresas concorrentes, favorecendo as que atuam na capital. Esse favorecimento ganha reforço com a medida administrativa comunicada em janeiro deste ano por e-mail do Serviço Funerário Municipal a dezenas de funerárias de todo o estado que constam de seu cadastro.
Na mensagem assinada pela Fiscalização do Serviço Funerário Municipal de Curitiba, com o título de Cadastro/Renovação – 2020, informa-se que todas as funerárias alheias ao rodízio devem manter atualizados e dentro de sua validade os documentos exigidos. Isso vale inclusive para certidões negativas de débitos dos municípios de origem, documentos que têm validade de apenas 30 dias.
Anteriormente, a documentação devia ser reapresentada ao final de cada ano. “Além de aumentar a burocracia e os custos de empresas de todo o Paraná, com a necessidade de apresentação mensal de vários documentos, a Prefeitura de Curitiba mais uma vez extrapola de seus poderes, ao se arvorar em fiscal de procedimentos que dizem respeito a outros municípios”, alerta a advogada Larissa Brune de França.
Na prática essa exigência aumenta o favorecimento das 25 funerárias que integram o rodízio funerário de Curitiba, gerando um sistema de monopólio, com impacto na economia das empresas de outras praças. No endereço http://mse.curitiba.pr.gov.br/Funerarias, em que deve ser feito cadastro ou atualização de dados, informa-se que a validação dos documentos ocorrerá em até cinco dias úteis – período em que as empresas funerárias ficam indevidamente suspensas para análise da documentação pela municipalidade. Ou seja, uma funerária de outro município, independentemente de estar apta e regular para atender, não poderá prestar o serviço caso se encontre suspensa dentro do prazo de análise de documentação.
Medida inadequada
Na mensagem encaminhada à Câmara Municipal para alteração da lei, o prefeito Rafael Greca atribui a mudança à intenção de “aumentar o controle e fiscalização do serviço funerário executado no Município”. A ADI em apreciação pelo TJPR observa que a Prefeitura escolhe meio não legítimo e inadequado para obter seu objetivo, ao invocar um critério exclusivamente territorial.
A medida também não é razoável ao impor à família a escolha de funerária de seu município, visto que o consumidor, na condição de usuário do serviço público, pode ter preferência por prestadores de serviço de outra localidade, por relacionamento ou vantagem econômica.