Barreiras à nova industrialização brasileira Artigos Economia by Mirian Gasparin - 9 de novembro de 20230 Gilmar Mendes Lourenço. Estatísticas recentes relativas ao comportamento da indústria brasileira evidenciam o prosseguimento da “caminhada de lado” do setor, esboçada desde o fim do ciclo recessivo, verificado entre 2014 e 2016, e o desaparecimento dos impactos econômicos nocivos da pandemia de Covid-19, em 2020 e 2021. De acordo com pesquisa do IBGE, a produção fabril nacional amargou declínio de -0,2%, entre janeiro e setembro de 2023, em comparação com o mesmo período de 2022, puxado pelos segmentos componentes da base do sistema, formada por bens de capital ou de investimento (-10,4%) e intermediários (-0,3%), que abriga as matérias primas, peças e componentes. Foram apuradas variações negativas em 17 dos 25 ramos, 52 dos 80 grupos e 56,8% dos 789 produtos acompanhados, com destaque para itens de madeira (-12,1%), máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-11,1%), equipamentos de informática, eletrônicos e ópticos (-9,2%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-8,9%), minerais não metálicos (-7,4%), químicos (-7,2%), máquinas e equipamentos (-6,9%), e veículos automotores, reboques e carrocerias (-5,8%). Em simultâneo, os bens de consumo duráveis e semiduráveis e não duráveis cresceram 3,2% e 2,8%, respectivamente, em resposta às providências pontuais de política econômica, especificamente a ampliação da oferta de crédito, ainda que caro, a renegociação de dívidas das famílias e os programas de transferência direta de renda, particularmente a ressurreição anabolizada do Bolsa Família. Com isso, o volume de produção industrial, em setembro de 2023, situa-se 1,6% abaixo do observado em fevereiro de 2020, considerado pré-surto pandêmico, e corresponde a 81,9% do patamar recorde atingido em maio de 2011, na gestão de Dilma Rousseff. Na época, houve o prolongamento das medidas anticíclicas, empregadas pelo governo Lula, visando à mitigação dos desdobramentos domésticos negativos da crise financeira internacional de 2008, surgida com o colapso do subprime, segmento hipotecário de segunda linha dos Estados Unidos (EUA). Em idêntico sentido, levantamento efetuado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou redução de -0,8%, -0,4% e -2,8%, no faturamento real (com desconto da inflação), quantidade de horas trabalhadas na produção e utilização da capacidade instalada, no mesmo intervalo de tempo. Em contraposição, a massa salarial real e o rendimento médio real dos trabalhadores subiram 3,1% e 2,4%, respectivamente, em razão da combinação entre continuidade da recuperação do mercado de trabalho e diminuição das pressões inflacionárias atrelada à persistente conjuntura de juros elevados. Outro complicador repousa no preocupante rearranjo da matriz de custos industriais. Apesar da variação geral de apenas 0,9%, em quatro trimestres encerrados em junho de 2023, a CNI captou elevações expressivas em despesas de capital (12,7%) e pessoal (10,5%). Não por acaso, o índice de confiança do empresário industrial (ICEI) vem despencando desde agosto de 2023, chegando a 50,5 pontos, em outubro, o pior resultado desde agosto de 2020, aproximando-se da linha divisória entre otimismo e pessimismo, demarcada pelos 50 pontos. Decerto que o complexo industrial do país ainda reproduz a persistente disfuncionalidade das cadeias de suprimento globais, desmanteladas a partir da emergência avassaladora e combate geográfico heterogêneo da onda de Sars-CoV-2, e fortemente abaladas com a invasão russa à Ucrânia e o prolongamento do conflito bélico. Igualmente destacável na performance industrial é a pronunciada desaceleração do crescimento da economia mundial, motivada pelas tensões geopolíticas, com a disputa pela hegemonia entre EUA e China, as guerras e a retomada do arsenal ortodoxo de combate à inflação, que, por sinal, tem apresentado limitada eficácia. Cumpre sublinhar o mais novo confronto, travado entre Israel e seus incondicionais apoiadores do Ocidente, notadamente os EUA, amparado na tática de punição e extermínio coletivos, e palestinos, encabeçados, desta feita, pelo grupo Hamas. No entanto, há embaraços internos a interferir e explicar a ausência de empuxe do complexo fabril, com ênfase para a difusão das incertezas derivada da incongruência entre a convicção macroeconômica de responsabilidade fiscal, do Ministério da Fazenda, e a preferência pelo abandono formal, ou ao menos o relaxamento ou adiamento antecipado, da meta de déficit primário zero em 2024, emanado da orientação e iniciativas populistas orquestradas nas cercanias da presidência da república, endossadas pela base de apoio no Congresso Nacional. Não bastasse a gula por aprovação, alocação e liberação de verbas federais destinadas ao rotineiro abastecimento financeiro dos interesses incrustrados nos currais eleitorais, a retaguarda legislativa notabiliza-se pelo exercício de denodada pressão por facilitações na concessão de benefícios e isenções tributárias aos apadrinhados de sempre ou de ocasião. Mais do que isso, proliferam dúvidas quanto ao compromisso e empenho oficial no encaminhamento e aprovação das reformas institucionais imprescindíveis à restauração da capacidade operacional do setor público e melhoria do ambiente microeconômico. A despeito da peregrinação do Ministro do Desenvolvimento e vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, na arregimentação, acolhida, sistematização e negociação das demandas manifestadas pelas lideranças industriais, não há qualquer indício de construção de programas de longa maturação. Em outros termos, a nação carece da formulação e implantação de uma agenda transformadora, constituída por instrumentos de ação que favoreçam a derrubada das barreiras sistêmicas, especialmente a elevada carga tributária, dado o prolongado período de implantação do novo arranjo, aprovado pelo Senado em 08 de novembro de 2023. Outros entraves não menos relevantes constituem o brutal fardo financeiro carregado por empresas e consumidores, o câmbio não competitivo, a exagerada burocracia, a precariedade infraestrutural e a insuficiência de investimentos em educação, ciência, tecnologia e inovação. A virada do jogo da decadência industrial, a reversão da desindustrialização precoce, acompanhada da correção das não poucas falhas e preenchimento de lacunas de mercado, e a viabilização da “nova industrialização”, defendida por autoridades e empresários, exigirão a aplicação e condução de uma pauta estratégica que deverá dedicar energias ao encaixe da nação na quarta revolução industrial, em curso no mundo, dominada por inteligência artificial e processos digitais, e o alcance de objetivos sustentáveis. Esse último aspecto deverá assentar-se na exploração a aproveitamento de flagrantes vantagens comparativas desfrutadas pelo país, particularmente para a transição energética, em convergência com a intensificação da utilização de fontes limpas e renováveis, como eólica, solar, hidrogênio verde e biocombustíveis. O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.