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Barreiras à nova industrialização brasileira

Gilmar Mendes Lourenço.

Estatísticas recentes relativas ao comportamento da indústria brasileira evidenciam o prosseguimento da “caminhada de lado” do setor, esboçada desde o fim do ciclo recessivo, verificado entre 2014 e 2016, e o desaparecimento dos impactos econômicos nocivos da pandemia de Covid-19, em 2020 e 2021.

De acordo com pesquisa do IBGE, a produção fabril nacional amargou declínio de -0,2%, entre janeiro e setembro de 2023, em comparação com o mesmo período de 2022, puxado pelos segmentos componentes da base do sistema, formada por bens de capital ou de investimento (-10,4%) e intermediários (-0,3%), que abriga as matérias primas, peças e componentes.

Foram apuradas variações negativas em 17 dos 25 ramos, 52 dos 80 grupos e 56,8% dos 789 produtos acompanhados, com destaque para itens de madeira (-12,1%), máquinas, aparelhos e materiais elétricos (-11,1%), equipamentos de informática, eletrônicos e ópticos (-9,2%), confecção de artigos do vestuário e acessórios (-8,9%), minerais não metálicos (-7,4%), químicos (-7,2%), máquinas e equipamentos (-6,9%), e veículos automotores, reboques e carrocerias (-5,8%).

Em simultâneo, os bens de consumo duráveis e semiduráveis e não duráveis cresceram 3,2% e 2,8%, respectivamente, em resposta às providências pontuais de política econômica, especificamente a ampliação da oferta de crédito, ainda que caro, a renegociação de dívidas das famílias e os programas de transferência direta de renda, particularmente a ressurreição anabolizada do Bolsa Família.

Com isso, o volume de produção industrial, em setembro de 2023, situa-se 1,6% abaixo do observado em fevereiro de 2020, considerado pré-surto pandêmico, e corresponde a 81,9% do patamar recorde atingido em maio de 2011, na gestão de Dilma Rousseff.

Na época, houve o prolongamento das medidas anticíclicas, empregadas pelo governo Lula, visando à mitigação dos desdobramentos domésticos negativos da crise financeira internacional de 2008, surgida com o colapso do subprime, segmento hipotecário de segunda linha dos Estados Unidos (EUA).

Em idêntico sentido, levantamento efetuado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou redução de -0,8%, -0,4% e -2,8%, no faturamento real (com desconto da inflação), quantidade de horas trabalhadas na produção e utilização da capacidade instalada, no mesmo intervalo de tempo.

Em contraposição, a massa salarial real e o rendimento médio real dos trabalhadores subiram 3,1% e 2,4%, respectivamente, em razão da combinação entre continuidade da recuperação do mercado de trabalho e diminuição das pressões inflacionárias atrelada à persistente conjuntura de juros elevados.

Outro complicador repousa no preocupante rearranjo da matriz de custos industriais. Apesar da variação geral de apenas 0,9%, em quatro trimestres encerrados em junho de 2023, a CNI captou elevações expressivas em despesas de capital (12,7%) e pessoal (10,5%).

Não por acaso, o índice de confiança do empresário industrial (ICEI) vem despencando desde agosto de 2023, chegando a 50,5 pontos, em outubro, o pior resultado desde agosto de 2020, aproximando-se da linha divisória entre otimismo e pessimismo, demarcada pelos 50 pontos.

Decerto que o complexo industrial do país ainda reproduz a persistente disfuncionalidade das cadeias de suprimento globais, desmanteladas a partir da emergência avassaladora e combate geográfico heterogêneo da onda de Sars-CoV-2, e fortemente abaladas com a invasão russa à Ucrânia e o prolongamento do conflito bélico.

Igualmente destacável na performance industrial é a pronunciada desaceleração do crescimento da economia mundial, motivada pelas tensões geopolíticas, com a disputa pela hegemonia entre EUA e China, as guerras e a retomada do arsenal ortodoxo de combate à inflação, que, por sinal, tem apresentado limitada eficácia.

Cumpre sublinhar o mais novo confronto, travado entre Israel e seus incondicionais apoiadores do Ocidente, notadamente os EUA, amparado na tática de punição e extermínio coletivos, e palestinos, encabeçados, desta feita, pelo grupo Hamas.

No entanto, há embaraços internos a interferir e explicar a ausência de empuxe do complexo fabril, com ênfase para a difusão das incertezas derivada da incongruência entre a convicção macroeconômica de responsabilidade fiscal, do Ministério da Fazenda, e a preferência pelo abandono formal, ou ao menos o relaxamento ou adiamento antecipado, da meta de déficit primário zero em 2024, emanado da orientação e iniciativas populistas orquestradas nas cercanias da presidência da república, endossadas pela base de apoio no Congresso Nacional.

Não bastasse a gula por aprovação, alocação e liberação de verbas federais destinadas ao rotineiro abastecimento financeiro dos interesses incrustrados nos currais eleitorais, a retaguarda legislativa notabiliza-se pelo exercício de denodada pressão por facilitações na concessão de benefícios e isenções tributárias aos apadrinhados de sempre ou de ocasião.

Mais do que isso, proliferam dúvidas quanto ao compromisso e empenho oficial no encaminhamento e aprovação das reformas institucionais imprescindíveis à restauração da capacidade operacional do setor público e melhoria do ambiente microeconômico.

A despeito da peregrinação do Ministro do Desenvolvimento e vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, na arregimentação, acolhida, sistematização e negociação das demandas manifestadas pelas lideranças industriais, não há qualquer indício de construção de programas de longa maturação.

Em outros termos, a nação carece da formulação e implantação de uma agenda transformadora, constituída por instrumentos de ação que favoreçam a derrubada das barreiras sistêmicas, especialmente a elevada carga tributária, dado o prolongado período de implantação do novo arranjo, aprovado pelo Senado em 08 de novembro de 2023.

Outros entraves não menos relevantes constituem o brutal fardo financeiro carregado por empresas e consumidores, o câmbio não competitivo, a exagerada burocracia, a precariedade infraestrutural e a insuficiência de investimentos em educação, ciência, tecnologia e inovação.

A virada do jogo da decadência industrial, a reversão da desindustrialização precoce, acompanhada da correção das não poucas falhas e preenchimento de lacunas de mercado, e a viabilização da “nova industrialização”, defendida por autoridades e empresários, exigirão a aplicação e condução de uma pauta estratégica que deverá dedicar energias ao encaixe da nação na quarta revolução industrial, em curso no mundo, dominada por inteligência artificial e processos digitais, e o alcance de objetivos sustentáveis.

Esse último aspecto deverá assentar-se na exploração a aproveitamento de flagrantes vantagens comparativas desfrutadas pelo país, particularmente para a transição energética, em convergência com a intensificação da utilização de fontes limpas e renováveis, como eólica, solar, hidrogênio verde e biocombustíveis.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin
Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 49 anos na área de jornalismo, sendo 47 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.
https://www.miriangasparin.com.br

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