Taxação das blusinhas: demasiado barulho para pouca coisa

Gilmar Mendes Lourenço.
Em contraposição às profecias realizadas por costumeiros alarmistas de plantão, incluindo o chefe de estado, a popularmente conhecida “taxação das blusinhas”, aprovada no começo deste mês de junho de 2023, pelo Congresso Nacional, a ser sancionada pelo presidente da república, não deve provocar alterações relevantes na estrutura de preços relativos e, por extensão, na dinâmica do mercado de consumo no Brasil.
De fato, a cobrança de imposto de importação (II) nas compras internacionais inferiores a US$ 50, contratadas em sites conhecidos como grandes marketplaces, principalmente chineses (Shopee, Shein e AliExpress), vem sendo defendida há mais de três anos pela indústria e o comércio nacional, em magnitude superior a 50%, e foi encampada pelos integrantes da Casa de Leis, em 2022.
Esses segmentos alegam o registro de perdas pela concorrência desleal praticada pelos fabricantes estrangeiros, contemplados com enormes subsídios concedidos pelos governos das nações de origem e dotados de menores custos de produção e transação.
Isso porque, ao mesmo tempo em que operam em regime de economias de escala, técnicas e financeiras, padrão global, as empresas originárias se valem da adoção de ferrenha e contínua violação de regras trabalhistas e preceitos de proteção ao meio ambiente.
Em sendo imediatamente aplicada, por não se encaixar nas restrições do princípio da anterioridade, expresso na noventena e anualidade, caso das contribuições sociais (como PIS e Cofins) e demais impostos, respectivamente, o ministério da Fazenda calcula que o II de 20% venha proporcionar arrecadação incremental de R$ 2,5 bilhões, por ano, aos cofres do tesouro nacional.
Lembre-se que para aquelas aquisições superiores a US$ 50 continua valendo a incidência de 60% de II, até o teto de US$ 3 mil, com desconto de US$ 20 sobre o total do tributo a ser pago.
Tal cifra pode ser considerada pouco significativa se for cotejada com as enormes necessidades de financiamento do setor público, que, reiteradamente, vem se recusando a fazer o ajuste fiscal pela via do corte de despesas, em submissão às demandas populistas convencionais.
Os pleitos buscam acomodar a fúria gastadora do Palácio do Planalto e adjacências, em contraste com a defesa dos fundamentos fiscais, esboçada pelas equipes da Fazenda e do Planejamento, e o abastecimento das vitrines eleitoreiras apresentadas em um autêntico feirão montado pela esmagadora maioria dos membros do legislativo, que, por sinal, é portador do maior grau de irresponsabilidade fiscal da história republicana.
De tão estapafúrdia, a providência foi incorporada como elemento estranho, ou jabuti, na denominação parlamentar, na discussão e deliberação do texto base da Medida Provisória do Programa “Mobilidade Verde e Inovação”, que institui novos incentivos a uma fração da indústria em troca do comprometimento com a agenda de descarbonização.
No final das contas, ao consumidor restará pagar mais caro, com a incorporação do adicional do gravame ao preço final das mercadorias, que inclui os valores de seguro e frete, que integram a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado por dentro, pelos governos estaduais.
A tendência de comportamento e intensidade das aquisições de produtos disponibilizados por varejistas localizados no exterior pela internet dependerá da oferta substitutiva interna, da nova precificação na ponta – que poderá não ser tão elástica se os distribuidores priorizarem a preservação do amplo mercado conquistado, principalmente depois surgimento e avanço exponencial da pandemia de Covid-19, em 2020 – e das preferências e do tamanho da folga nos fluxos orçamentários dos consumidores.
O que se depreende a priori é que se tratou de bastante barulho para pouca coisa. De um lado, se o propósito for a restauração do poder de concorrência dos negócios domésticos, outras frentes de estímulos deveriam ser acionadas, na direção da recomposição estrutural dos requisitos de competitividade sistêmica, em fase com o estado da arte no mundo, conduzido pela quarta revolução industrial, baseada na disseminação da digitalização e inteligência artificial.
Nessa perspectiva, emerge a importância estratégica de esforços permanentes em terrenos áridos como desburocratização, eliminação dos puxadinhos das enormes cifras de isenções fiscais, modernização e ampliação da infraestrutura, estabilidade cambial e, notadamente, indução à maciças inversões em ciência, tecnologia e inovação, ainda ausentes da pauta de diretrizes públicas e na mesa de discussões das entidades representantes dos agentes privados.
De outro extremo, se a intenção for a drástica derrubada do vultoso déficit primário e o alcance do propagandeado equilíbrio orçamentário, estabelecido na Nova Regra Fiscal e Lei de Diretrizes Orçamentárias, o efeito será como cuidar de um ferimento infecionado com o mero uso de esparadrapo.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.