Fraquezas e desafios do investimento no Brasil

Gilmar Mendes Lourenço.
No artigo publicado neste espaço, em 17 de outubro de 2024, foi propositadamente deixada aberta a porta de entrada à indispensável reflexão acerca das apreciáveis chances de a expansão média de 3% ao ano da economia brasileira, registrada no triênio 2022-2024, vir a esbarrar em obstáculos quase que instransponíveis e reprisar, pela enésima vez, a velha película do “voo de galinha”.
A variável chave à compreensão destes entraves é sintetizada no investimento, ou formação bruta de capital fixo (FBCF), segundo denominado pelo Sistema de Contas Nacionais (SCN), do IBGE, que pode ser definido como a aplicação de recursos em ampliação e/ou modernização da capacidade de oferta do sistema econômico, incluindo as compras de máquinas, equipamentos e instalações – que, por sinal, vem insistindo, há muito tempo, em manter um comportamento bastante acanhado.
É oportuno recordar que com a exaustão do modelo de industrialização por substituição importações, vigente entre o começo dos anos 1930 e o final dos 1970, por conta da ruptura de seu padrão de financiamento, ancorado na combinação entre poupança pública e externa, a taxa de investimento despencou da posição de mais de ¼ do produto interno bruto (PIB), nos anos 1970, para patamares extremante reduzidos, no transcorrer dos quase quatro decênios e meio subsequentes.
Trata-se de anomalia estrutural que explica a trajetória cambaleante da renda e do emprego, alternando períodos de expansão, só que de fôlego limitado, derivado da adoção de políticas econômicas de tiro curto, ocupadas primordialmente com o adensamento dos rendimentos da população, acoplado ao controle da inflação, com etapas (algumas prolongadas) de retração dos níveis de atividade.
Mais precisamente, em pouco mais de quarenta anos, a estrutura produtiva nacional abarcou vários momentos de desaceleração cíclica e ao menos quatro episódios de profunda recessão, especificamente entre 1981-1983 (provocada pelo colapso da dívida externa), 1987-1988 (causada pela fadiga da geração dos Planos Cruzado), 1990 (em função do intervencionismo tresloucado do incumbente recém-empossado, que decretou a retenção de 80% das cifras lastreadas em ativos financeiros), 2009 (em razão dos efeitos da crise do subprime, nos Estados Unidos), 2014-2016 (com a deterioração do populismo implícito na Nova Matriz Econômica) e 2020 (com a pandemia de Covid-19), não compensados, na maioria das vezes, pelos estágios considerados de prosperidade.
Por uma breve observação retrospectiva, é fácil perceber que, depois de ter concretizado o preenchimento dos vazios tecnológicos da segunda revolução industrial, baseada na petroquímica e metalmecânica, especialmente com a maturação das inversões contempladas no II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), implantado entre 1974 e 1978, pela ditadura militar então conduzida por Ernesto Geisel, o Brasil padeceu com a autêntica interrupção dos requisitos à expansão de longa maturação.
Com isso, o país passou a empilhar dificuldades à complementação da terceira revolução fabril, capitaneada pela microeletrônica, biotecnologia, química fina, mecânica de precisão e novos materiais, e ao embarque no trem do quarto paradigma, sustentado por inteligência artificial, robótica e processos digitais, com variantes relevantes decorrentes da concatenação entre os elementos determinantes da diminuição das emissões de carbono e da transição energética.
O encalhe da matriz produtiva nacional no pântano da defasagem tecnológica e, por extensão, da incapacidade de encaixe pleno na diversificada e sofisticada dinâmica global e de indução do fortalecimento do mercado doméstico, marcado por dramática heterogeneidade distributiva, deriva de sucessivas políticas equivocadas.
Estas costumam priorizar a obtenção de dividendos imediatos, em detrimento da preparação dos pilares do futuro, que, por seu turno, depende, inescapavelmente, da escolha da rota de sintonia fina entre investimento e reindustrialização, na intransigente busca do alcance do progresso e justiça social.
Apenas em caráter de ilustração da perda de embalo da marcha histórica do investimento no Brasil, depois de chegar a aproximadamente a terça do PIB, no período de industrialização pesada, despencou para menos de 15% do PIB, na chamada década perdida de 1980, insuficiente, na maioria das táticas empresariais e públicas, para atender sequer as necessidades de reposição do capital fixo.
Desde então a tônica foi de arranques circunstanciais e a apuração de pontos fora da linha rasa, como a taxa de 20,5% do PIB, no primeiro trimestre de 2000, depois da compreensão e absorção pelos agentes do novo regime de política econômica, empregado a partir de 1999, com o tripé constituído por câmbio flutuante, metas de inflação e superávits primários.
Pela mesma linha de identificação de disparadas pontuais, o investimento chegou à média de 20,7% do PIB, entre o primeiro trimestre de 2010 e janeiro-março de 2014, em consequência da maturação de um conjunto de fatores virtuosos, com ênfase para as reformas estruturais formuladas e executadas nos anos 1990, o bônus das commodities, propiciado pela escalada chinesa, o prosseguimento da ortodoxia fiscal na macroeconomia e o aprofundamento das iniciativas oficiais de transferência de renda.
Esse elenco de forças de empuxe interferiu sobremaneira na concessão do grau de investimento ao Brasil, por parte das três principais companhias globais de classificação de risco (Standard & Poor`s, Moody`s e Fitch), o que ensejou o crescente ingresso líquido de capital de risco no front doméstico.
Tanto que os saldos positivos dos investimentos estrangeiros diretos (IEDs) compensaram com folga os desníveis nas transações correntes do balanço de pagamentos, amargados entre 2008 e 2012, em decorrência das reacomodações dos portfólios associadas à instabilidade financeira desencadeada no mercado hipotecário de segunda linha dos EUA.
Igualmente destacável foi o ápice do programa de financiamento público fortemente subsidiado, oferecido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), conhecido como “campões nacionais”, coberto preponderantemente por sangria de haveres do Tesouro Nacional e, o que é pior, portador de resultados de eficácia, no mínimo, duvidosa.
A par disso houve o manejo inapropriado, na mais condescendente das avaliações, dos instrumentos macroeconômicos, traduzido no represamento dos reajustes de preços-âncoras, como energia elétrica e combustíveis, e ingerência na administração dos juros e do câmbio.
O complicador é que o abrupto reparo daqueles estragos, a partir de 2015, precipitou a maior contração dos negócios da história da república, que, somada aos crimes de responsabilidade cometidos pela chefe de estado, provocaram o seu impedimento e cassação.
Os atores econômicos e sociais acusaram as manobras de gestão e as tensões políticas por meio da exacerbação das expectativas negativas, o que derrubou a FBCF para 14,3% do PIB, no segundo trimestre de 2017, o menor nível desde o drama dos anos 1980.
Mesmo com os aprimoramentos institucionais introduzidos durante o mandato tampão do presidente Michel Temer, entre maio de 2016 e dezembro de 2018 – Teto de Gastos, reforma trabalhista, Lei de Responsabilidade das Estatais, Lei das Terceirizações – o investimento experimentou modesto revigoramento, ainda em resposta a providências governamentais focadas em interesses imediatos e/ou eleitoreiros, totalizando 16,8% do PIB, no segundo trimestre de 2024, conforme o IBGE.
Em um cotejo internacional, inferências do Banco Mundial atestam que a taxa de investimento nacional é a segunda menor entre os países do G20, situando-se a frente somente da África do Sul (menos de 15% do PIB), em um ranking encabeçado pela China, a segunda maior economia do planeta, e os Tigres Asiáticos, com tamanho relativo superior ou próximo dos estupendos 40% do PIB.
Algumas simulações das fatias setoriais do investimento no Brasil, na última década e meia, demonstram declínio da participação da construção de 50% para 41,9%, notadamente edifícios e estruturas, que recuaram de 30% para 23,5%, e de pesquisa e desenvolvimento, de 4,3% para menos de 3%, e avanço de máquinas e equipamentos (39% para 43,6%), e aparato de informática (de 5,4% para 8,9%).
Enquanto isso, a contribuição da indústria de transformação na composição do PIB decresceu de mais de 25%, em meados do decênio de 1990, para cerca de 12% nos anos 2000 e 2010, com discreta recuperação no biênio 2022-2023, ostentando média de 15,1%, o que sugere a hipótese de abrandamento do processo de desindustrialização.
A propósito disso, a justificativa de repetição no Brasil do fenômeno de encolhimento da manufatura, já acontecido nos estados avançados e alguns emergentes, e alargamento dos serviços, notadamente aqueles de natureza superior, é completamente destituída de retaguarda empírica. O que vê, por aqui, é a acentuada diminuição do reduzido peso dos “serviços de informação e comunicação”, do pico de 4,6% do PIB, em 2005, para 3,4% do PIB, em 2023.
Já a decomposição do investimento pela ótica dos segmentos institucionais mostra, de um lado, a estabilidade da magnitude relativa das empresas não financeiras e das famílias (compras e reformas de imóveis residenciais), no intervalo em tela, com participação de 60% e 30%, respectivamente, e, de outro, a drástico declínio da presença da entidade governo, de pouco mais de 15% para menos de 10%, o que explica o decréscimo denotado nas contratações de construção.
Não há receita pronta para a montagem dos requisitos à virada do jogo do investimento no Brasil, que exigem amplas negociações e entendimentos de natureza política, abarcando o debate de ideias convergentes e antagônicas, capazes de viabilizar a restauração da funcionalidade do estado e alavancar a competitividade sistêmica da microeconomia nacional.
O cardápio de alternativas de atuação política é extenso e não exaustivo, devendo encampar a aceleração da agenda de transformações estruturais, resgatada com a simplificação dos impostos de incidência indireta, em fase de regulamentação no Senado da República.
A pauta deve incorporar modificações no modus operandi do sistema financeiro, na perspectiva de barateamento do custo do capital e, preponderantemente, a diminuição do spread bancário (diferença entre a taxa final dobrada de consumidores e empresas e a de captação), a instauração de um contemporâneo federalismo fiscal e a reengenharia na obsoleta e cara administração pública.
Também serão vitais o adensamento das privatizações e da celebração das parcerias público privadas (PPPs), voltados à restauração, ampliação, modernização e diversificação da infraestrutura, e a indução de projetos nas áreas nobres de ciência, tecnologia e inovação.
Caberia sublinhar ainda a premência de restabelecimento do arranjo macroeconômico equilibrado entre os pilares fiscal, monetário e cambial e o caprichado recolhimento dos entulhos burocráticos ou cartórios (stricto sensu) que tanto atrapalham a vida das empresas e cidadãos (trabalhadores e consumidores) brasileiros.
Por fim, a democracia terá que oferecer mesmismos de enfrentamento o imbróglio produzido pela multiplicação da voracidade do legislativo sobre a execução orçamentária, dirigida à satisfação de interesses paroquiais de caciques e asseclas, em disputa aberta contra as políticas de estado, legitimadas nas urnas pela sociedade.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.