Tamanho do saco do Papai Noel no Congresso Nacional

Tamanho do saco do Papai Noel no Congresso Nacional
Gilmar Mendes Lourenço.

O encerramento das atividades do tumultuado ano legislativo brasileiro foi caracterizado, mais uma vez, por ofensivas daquilo que a ciência política tradicional costuma denominar de “esforço concentrado”, destinado à limpeza de temas considerados relevantes.

Neste período, a Casa de Leis confere especial cuidado ao exame, apreciação e deliberação de pautas retardadas – quase sempre por negligência e/ou interesses políticos menos nobres -, não necessariamente aderentes aos anseios populares e, na maioria das vezes, ocupadas com o atendimento das ambições personalistas de agentes portadores de notável influência política, financeira e corporativa, na órbita pública e privada.

Prova disso foi a transformação do discreto “pacote de ajuste fiscal”, preparado pelo Ministério da Fazenda, em uma verdadeira colcha de retalhos, chancelado somente após árduas negociações com os caciques das agremiações e blocos partidários dominantes, condicionadas ao destravamento e pronto derrame dos recursos das emendas e à permissão de contingenciamento ou bloqueio de no máximo 15% dos valores reservados às de comissão, em caso de comprovada necessidade.

Também ficaram de fora do freio de arrumação as regalias e abusos explícitos das super remunerações do topo do serviço público, que suplantam o teto constitucional, não estipuladas em legislação complementar, as aposentadorias dos militares e as alterações das regras de atualização do Fundo Constitucional do Distrito Federal.

Foram ainda amenizados os cortes no Fundeb e rejeitadas as sugestões de proibição de acúmulo do Benefício de Prestação Continuada (BPC) por domicílio e de extinção do acesso e pagamento para pessoas físicas dotadas de somas de bens e direitos superiores ao limite de isenção do imposto de renda (IR) e/ou com capacidade de trabalho.

De positivo, no afã de estancamento da sangria, restou a obrigatoriedade do teto de 2,5% para o reajuste anual real do salário mínimo (SM), crucial à gestão financeira do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e de outros programas assistenciais, e as transformações do abono pago à população com rendimento mensal inferior a dois SM.

Recorde-se que a estabilização e declínio do endividamento público, como proporção do produto interno bruto (PIB), exigiria economia da ordem de R$ 300 bilhões, sendo que o empenho da pasta da Fazenda sugere adequação de apenas R$ 30 bilhões, em 2025, e R$ 40 bilhões, em 2026.

É curioso observar que em simultâneo a vultosas intervenções do Banco Central (BC) no mercado de câmbio, com o objetivo de mudar a curva ascendente do dólar, supostamente vinculada à exacerbação das expectativas negativas em relação ao controle das finanças públicas, o governo liberou e despejou substanciais haveres das emendas, em atendimento à autêntica chantagem do legislativo.

Isso serviu para ratificar a condição de sócio privilegiado, assumida pelo Congresso, do hesitante executivo – capitaneado pelo chefe de estado, que persiste na ação de empurrar com a barriga o imbróglio da subida das necessidades de financiamento –, na longa jornada de descalabro fiscal, visando ao colapso da máquina pública.

Nunca é demais repetir que o presidencialismo de coalizão, instaurado com a redemocratização nacional, em 1985, e ratificado pela Assembleia Constituinte de 1988, ganhou feições de cooptação com os eventos do Mensalão, nos anos 2000, e Petrolão, na primeira metade do decênio de 2010, e, para complicar, foi transformado em parlamentarismo de extorsão, com a festança fiscal predatória, a partir do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

Lembre-se que a sinalização de minimização do desequilíbrio orçamentário revela-se crucial para a reversão das incertezas quanto à solvência intertemporal do setor público, que provocam a cavalgada dos juros e preços ativos de risco e o desgarramento da inflação da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), na faixa entre 1,5% e 4,5% em doze meses, tendo como centro 3%.

Tanto que o estoque de bônus governamentais atrelados à taxa Selic saltou de 38,2% do numerário total, em dezembro de 2022, para 48,2%, em outubro de 2024, e a dívida bruta pulou de 71,7% do PIB, para 78,6% do PIB, equivalente a R$ 9,0 trilhões, no mesmo período.

O parlamento também não abriu mão da atribuição de preparação e inclusão das emendas impositivas ao Orçamento Geral da União (OGU), em uma ampliação bastante questionável das suas respectivas atribuições, em linha com o perene encapsulamento na premissa de expansão infinita da gastança estatal.

Igualmente desabonador foi o desmanche de incursões dirigidas ao enquadramento do pagamento das emendas obrigatórias nos limites dos demais dispêndios primários da União, tanto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), cuja aprovação ficou para 2025, quanto no embrulho fiscal.

De outra parte, com o novo arranjo tributário, aprovado como projeto de lei complementar, fruto de complexo e árduo trabalho de diálogo e entendimento político e federativo, o poder legislativo ofereceu, depois de quase seis décadas de discussões e fervorosos reclames dos agentes econômicos e sociais, um elenco de regras de taxação do consumo, simplificadas e alinhadas com a experiência internacional.

Apenas a título de esclarecimento, o emaranhado de impostos de incidência indireta implantados sob a incumbência do regime militar, na segunda metade dos anos 1960, e piorado nas administrações, autoritárias e democráticas, subsequentes, penalizou sobremaneira a população mais pobre, com a penalização da produção e consumo, com alíquotas e regras diferentes setorial e regionalmente, além de inúmeras exceções e regimes especiais, ao gosto dos fregueses poderosos.

Porém, trata-se aqui do primeiro tempo da reformulação do aparato arrecadatório nacional que deverá ser acompanhada da formação do organismo gerenciador da operação dual – a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá PIS, Cofins e IPI, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que ocupara o lugar do ICMS e o ISS, e o imposto seletivo (IS), abrangendo veículos, bebidas açucaradas, embarcações e aeronaves, cigarros, bebidas, dentre outros.

Enquanto a difusão da arrecadação tenderá a representar um antídoto contra a sonegação, a natureza não cumulativa incitará o recolhimento de impostos para usufruto de créditos nas operações de compra de bens, serviços e insumos ao processo produtivo.

A despeito de a proposta encaminhada pelo Ministério da Fazenda propor alíquota média entre 23% e 26,5% para a cobrança do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), inúmeras pressões políticas durante a tramitação no parlamento, à procura da menor alíquota ou excepcionalidade, resultaram na assustadora criação de onze especificidades.

Nessas circunstâncias, houve a majoração da referência para 27,8%, por ocasião dos “esforços” na Câmara, e 28,7%, nas batalhas no Senado da República, com diminuição para 28%, na derradeira revisão pelos deputados, fechando no mais elevado IVA do planeta.

Ressalte-se que, sem qualquer noção ou chance de aferição do tamanho da mordida, diante da anarquia do sistema, a população já se encontrava onerada por dimensão semelhante, o que deve ser abrandado pela cobrança no destino, unificada e destituída de cumulatividade absoluta, e pela condição, incluída no documento final, de não ampliação de carga em relação à legislação anterior.

Mais precisamente, houve a incorporação das carnes como item da cesta básica isenta, sem levar em conta a criação do cashback para famílias registradas no Cadastro Único, retirando a chance de direcionamento exclusivo dos incentivos às pessoas pobres e, por extensão, voltado ao objetivo prioritário de descontração de renda. Haverá também a devolução de parcela do imposto sobre os serviços de água e esgoto, energia elétrica, telefonia e internet.

O principal equívoco deitou raízes no alargamento das benesses para a Zona Franca de Manaus, abarcando uma refinaria de petróleo com produção paralisada e importadora de volume de óleo superior ao suprimento regional, e a supressão do IS de armas e munições, elementos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, que deverão ser menos onerados do que atualmente.

Será incumbência do governo a elaboração e execução de instrumentos de avaliação e reparos, mirando a convergência em direção à alíquota de 26,5%, entre 2026 e 2033, quando da funcionalidade completa do novo arcabouço, por meio da revisão e redefinição não condescendente das isenções e abatimentos para os diferentes grupos tarifários específicos.

O pontapé inicial será dado em 2026, com a cobrança de 0,1% do IBS e 0,9% da CBS, e, em 2027, será eliminado o trio PIS-Cofins-IPI e instalado o IS, no sentido de um modus operandi tributário mais funcional e justo socialmente, apesar de não redundar em diminuição do fardo tributário, superior a 1/3 do PIB no Brasil, o maior entre as nações de renda média, e um dos mais elevados do mundo, e, que é pior, para o custeio de um estado de eficiência precária.

Decerto que os avanços esboçados precisarão ser reforçados por criterioso pente fino nos subsídios concedidos aos membros ocupantes da cobertura do prédio social e por complexas modificações nos gravames sobre renda e patrimônio, de modo a garantir maior progressividade e menores margens de trânsito dos procedimentos de elisão fiscal.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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