Fraturas globais e intervenções de Trump turbinado

Fraturas globais e intervenções de Trump turbinado
Gilmar Mendes Lourenço.

Os movimentos pendulares da conjuntura política e econômica internacional não costumam conceder a merecida folga aos analistas especializados, particularmente em tempos de eventos políticos extremos, em especial a reentronização do espetaculoso Donald Trump na cadeira de comandante dos Estados Unidos (EUA), pela esmagadora maioria de fiéis eleitores votantes, com apreciável potencial de bagunçar o que já está complicado.

Tanto aqueles acomodados nos gabinetes de trabalho, quanto os atuantes na linha de frente, ou até os incansáveis plantonistas, tem que se esmerar na descoberta e decifragem dos meandros e na prospecção dos cenários prováveis (desejáveis ou adversos), o que é fundamental ao amparo do processo decisório público e privado.

Por essa ordem de exigência, parece conveniente advertir para a forte probabilidade de transbordamento ampliado, e sem qualquer cerimônia, dos eventos de produção de oportunidades e, principalmente, instabilidades, que caracterizaram o ano de 2024, para o presente exercício.

Não há como ignorar a pronunciada propensão de delineamento de novos contornos do poder hegemônico mundial, com a insistência chinesa em desbancar o predomínio do norte-americano, coadjuvada ou reforçada pelo estreitamento de laços com a Rússia, preponderantemente depois das sanções impostas pelo Ocidente, a partir da invasão da Ucrânia, que, dentre vários distúrbios, provocou a suspensão do fornecimento do gás barato russo à Europa.

Igualmente relevantes são os seculares conflitos protagonizados no Oriente Médio, agudizados após a resposta “amazônica” de Israel ao ataque-surpresa desferido pelo grupo terrorista Hamas, em outubro de 2023, e, na sequência, o envolvimento pleno do Hezbollah, instalado no Líbano.

O acordo orquestrado no final de semana de 18 de janeiro de 2025, entre autoridades israelenses e lideranças do Hamas, com a interferência do então presidente dos EUA, Joe Biden, e o atual, Donald Trump, apenas delineou o bloqueio de confrontos mais letais.

Os imbróglios bélicos tornaram-se mais complicados diante da autêntica caducidade das entidades multilaterais, criadas após a segunda guerra mundial, com ênfase para a Organização das Nações Unidas (ONU) que assiste passiva e melancolicamente o desrespeito e esvaziamento de suas funções e decisões estabilizadoras.

Com isso, de um lado, há a proliferação de alertas de perigo de descontinuidade de suprimento de matérias primas estratégicas e disparada de preços, particularmente do petróleo, e, de outro, a multiplicação das dúvidas em relação a atuação mediadora norte-americana, sobretudo quando capitaneada pela imprevisibilidade provocativa subjacente às propostas do novo e mercurial chefe de estado.

Não bastasse as medidas de proteção comercial, por meio do anúncio da elevação das tarifas de importação – com possibilidade de fixação de alíquota de 60% para produtos procedentes da China e 25% dos parceiros do NAFTA, Canadá e México –, de maneira irresponsável, arriscada e desvinculada da vontade da maioria da população americana, o novo mandatário ameaça se apoderar de espaços de outros países, abarcando aliados históricos.

Trump defende abertamente a anexação do Canadá, a compra da Groelândia, região autônoma do Reino da Dinamarca, e a retomada do controle do Canal do Panamá, sob a justificativa de segurança econômica, e a alteração do nome do Golfo do México para Golfo da América, o que abala interesses graúdos da geopolítica mundial, precisamente de russos e chineses. Ignora o novo incumbente a existência de projeto e recursos chineses para a viabilização do Canal da Nicarágua.

Para a disseminação de intenções tão estapafúrdias, Trump conta, na coleira, com a irrestrita colaboração da aliança dos proprietários das big techs (Elon Musk, do X, em constante flerte com o extremismo de direita, e Mark Zuckerberg, da Meta, que abarca Facebook, Instagram e Whatsapp), destituída de isenção e imparcialidade, com seus inarredáveis compromissos de não neutralização de notícias falsas, desinformação e discurso de ódio, em flagrante sobreposição às regras democráticas escritas e informais.

Não menos importante é a verificação do denominador comum expresso na consolidação do alargamento generalizado da presença da ultradireita na dinâmica de poder, tanto no executivo quanto no parlamento de várias nações avançadas e emergentes.

O destaque do alargamento do conservadorismo e da subsequente eclosão de crises de governabilidade repousa no continente Europeu, a despeito de manobras redutoras transitórias empreendidas pelas autoridades da França e Alemanha – estados responsáveis por mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB) regional –, que, por enquanto, serviram apenas para “enxugar gelo”, e empurrar, por exemplo, os imigrantes para o corner.

Já, no front econômico, ao menos por enquanto nota-se a manutenção do quadro de expansão discreta, derivada do indiscutível êxito, embora retardado, da adoção de políticas monetárias e fiscais restritivas, por bancos centrais e governos, na derrubada da inflação.

O fenômeno inflacionário trilhava marcha ascendente desde o desmesurado e prolongado derrame de recursos dos tesouros nacionais e o desbalanceamento das cadeias logísticas, durante a pandemia de covid-19, em 2020 e 2021.

Cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI) revelam subida de 3,2% do PIB mundial, em 2024, praticamente repetindo a performance de 2023, que foi de 3,3%, puxado pelos mercados emergentes, ou BRICS-Raiz, particularmente Índia (6,5%), China (5%), Rússia (3,8%) e Brasil (3,7%).

Como se vê, os embargos comerciais e financeiros impostos ao regime de Vladimir Putin, a partir da ocupação de parte da Ucrânia, incitaram a rearrumação dos fluxos comerciais e de capitais, fortalecendo e adensando os elos entre agentes econômicos chineses e russos, em benefício destes últimos.

Quanto ao desempenho chinês, mesmo alcançando a meta projetada pelo governo e sendo invejável para a maioria das nações, está bastante distante do verificado em passado não tão remoto, reflexo do declínio dos preços dos imóveis, da taxa desocupação superior a dois dígitos da fração jovem da população e do drama do envelhecimento diante do deficiente e diminuto aparato de proteção social.

No tocante à Índia, trata-se do prosseguimento de uma etapa de crescimento baseada em investimentos em tecnologia de ponta e segmentos industriais pesados, como siderurgia, máquinas e equipamentos, cimento, alumínio, fertilizantes, além da fabricação de tecidos.

No que refere ao Brasil, a surpreendente variação da grandeza macroeconômica derivou do acréscimo do consumo privado e da recuperação da massa de rendimentos (emprego e salários reais), em grande medida associados aos vultosos recursos públicos alocados nos programas de transferência direta de renda e ao retorno da estratégia de valorização do salário mínimo.

Porém, a proximidade do pleno emprego na economia dos EUA, a estagnação europeia e japonesa e a renovação das apostas de estouro da bolha imobiliária e financeira chinesa, somadas ao enorme passivo contabilizado por governos e corporações, constituem obstáculos nada desprezíveis ao advento do crescimento em bases duradouras.

Ressalte-se que, na pressuposição mais otimista, a redução do patamar de crescimento da China é extremamente preocupante por dois motivos. De um lado, emerge que a terça parte do superávit comercial recorde chinês, de quase US$ 1 trilhão, em 2024, decorreu das exportações para os EUA, que, de seu turno, deve intensificar o protecionismo/nacionalismo sob o inflamado Trump, e, de outro, surge a constatação de que mais de uma centena de países tem no gigante asiático o principal destino exportador.

Ainda assim, o FMI projeta incremento de 3,3% do PIB mundial, em 2025, sendo 1,9% para as nações avançadas e 4,2% para as em desenvolvimento, minimizando a contabilidade potencial de fatores contracionistas, notadamente a sinalização de perda de embalo, ou até interrupção, da diminuição dos juros americanos e, por extensão das principais praças financeiras da Europa.

Portanto, o turbinado Trump, com controle da Câmara dos Deputados, do Senado e da Suprema Corte, acena com o interesse precípuo de resgate do protagonismo americano absoluto, em clima de acirramento das tensões e substanciais rearranjos geopolíticos, com desdobramentos institucionais e econômicos de elevada magnitude.

Imaginar a não dependência dos EUA em relação ao resto do mundo, ao se referir especificamente à América Latina, quando indagado pela correspondente da Rede Globo em Washington, Raquel Krähenbühl, pode representar apenas o “sonho de uma noite de inverso” americano de Trump.

Mais do que isso, a equivocada premissa pode constituir mera vertente discursiva, agradável à “turba de devotos em lua de mel” e apropriada aos seres portadores de digitais negacionistas, ou ao menos desrespeitosas, em diferentes fronteiras de avanços civilizatórios, principalmente regras democráticas (formais e informais), ciência, sustentabilidade ambiental, transição energética, direitos humanos, igualdade racial e inclusão social.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *