Lula 3½: reforma ministerial puro-sangue ou pangaré?

Lula 3½: reforma ministerial puro-sangue ou pangaré?
Gilmar Mendes Lourenço.

A primeira fase da reforma ministerial promovida por Lula 3½, neste começo de 2025, traduz uma interpretação surpreendentemente correta das flutuações cíclicas da conjuntura política brasileira, com flagrantes remanescentes da polarização, sintetizados presentemente na condução da denúncia dos 34 acusados de planejamento de trama golpista, em 2022.

Do ponto de vista quantitativo, sondagens de opinião vem denotando substancial escalada da reprovação ao conjunto de ações da gestão de plantão, de maneira generalizada nos diferentes espaços regionais e camadas de rendimentos da população, em paralelo à estabilidade dos picos de aprovação dos governadores de oposição, postulantes, francos ou ocultos, à disputa da cadeira presidencial nas eleições de 2026.

Aparentemente Lula está convencido ou conformado com a perda de força do executivo ante a consolidação do estilo de governança em moldes semipresidencialistas, expresso na conquista de super poderes pelo legislativo, notadamente com o vultoso e, ao que tudo indica, não redutível patamar alcançado pelas emendas.

A propósito, com o plano acertado entre lideranças do executivo e legislativo, liberado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as emendas deixarão de transitar por caminhos desconhecidos, dada a obrigatoriedade de explicitação de origem e destino e propiciar o monitoramento dos projetos beneficiados.

Na verdade, a viabilização de maioria legislativa pelo executivo em regime de coalização, sugerida pela Constituinte de 1988, ou mesmo cooptação, como acontecido durante Lula 1 e 2 e Dilma 1 ¼, durante os episódios do Mensalão e Petrolão, desapareceu ao ser engolida pela modalidade de extorsão.

Nesta, a tarefa de preparação e execução orçamentária passou a depender das bençãos do fisiologismo prevalecente nas duas casas do Congresso Nacional, controladas por agremiações e blocos conservadores e incomodados com eventuais propensões menos concentradoras de poder e renda.

Esse engessamento da montagem e aplicação do orçamento público amplia as dificuldades de tramitação, discussão e aprovação das principais propostas encaminhadas pelo governo ao Congresso, com a rotineira incorporação dos chamados jabutis ou penduricalhos acoplados a vontades específicas de deputados e senadores.

Ao considerar o malogro no embate institucional e absorver o imperativo de acertos caso a caso com a retaguarda parlamentar retrátil, Lula deliberou a antecipação da temporada de esforços visando à campanha à reeleição que incluem, em curto termo, a inversão da trinômio constituído por deficiente tática de comunicação, disparada da insatisfação social e espiral ascendente da inflação, sobretudo de alimentos e serviços, que prejudica, em maior proporção, o fluxo de caixa das famílias mais pobres.

Também optou pelo aprofundamento e diversificação do leque de iniciativas públicas de expansão da renda das famílias ao dar via ao Programa Pé de Meia, e deflagrar a extensão do crédito consignado por bancos privados e determinar novas liberações dos saldos do fundo de garantia por tempo de serviço (FGTS) aos trabalhadores que optaram pelo saque-aniversário. Em outras palavras, é gasto público na veia.

Com essa lógica prospectiva, acrescida das enormes chances de o Centrão pular do barco governista, em qualquer dia ou hora, após usufruto pleno das benesses e/ou em instantes de apertos, Lula inaugurou a dança dos assentos ministeriais ao determinar a saída do petista, deputado federal pelo Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social, e a entrada de Sidônio Palmeira, marqueteiro da campanha de 2022, sob o argumento de priorização da melhora da imagem.

Na sequência, estimulou a fritura e concretizou a demissão da titular da Saúde, pesquisadora da Fiocruz, Nisia Trindade, colocando no lugar o fiel escudeiro, Alexandre Padilha, também deputado federal pelo PT/SP, antes acomodado na Secretaria de Relações Institucionais (SRI), com desempenho claudicante.

Decerto que Padilha “não era nenhuma Brastemp”, em se fazendo alusão à eficiente e imbatível máquina de lavar roupas, dominante no século passado, portador de inúmeras e graves dificuldades na realização da complexa empreitada de interlocução entre executivo e legislativo.

Já sua trajetória política possui fortes laços com o campo da saúde, com suas digitais nos programas Mais Médicos e Farmácia Popular. Por serem mais pulverizadas, as incursões nesta área propiciam maior visibilidade na implementação das políticas, preponderantemente daquelas voltadas ao robustecimento e impulsão da eficiência do Sistema Único de Saúde (SUS), sumarizada na busca pela eliminação das filas nas unidades de pronto atendimento e na prestação dos serviços eletivos.

Frequentemente Padilha era desqualificado e depreciado pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lyra, que exerceu a função até o final de 2024 que, publicamente, não escondia a preferência do exercício de conversações diretas com o chefe de estado, ou, na pior das hipóteses, com Rui Costa (PT/Bahia), da Casa Civil.

A fortaleza de Costa pode ser verificada, de forma contundente, por ocasião da última hospitalização de Lula, quando não permitiu qualquer insinuação de exercício do cargo de mandatário pelo vice, Geraldo Alckmin, ainda rotulado como “estrangeiro” pela cúpula petista.

Por fim, Lula optou por designar a deputada federal pelo Paraná e presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, para a posição de Padilha, na SRI, com as finalidades básicas de efetivação de manuseio fino e mais homogêneo das emendas, beneficiado pela recente introdução do paradigma da transparência, e estreitar as relações com parlamentares e partidos, o que, aliás, parece pouco provável.

Em sendo proprietária da senha do cofre que abrigará as polpudas cifras impositivas, a ministra estará empoderada para usá-la como escambo à aprovação de projetos vitais para a reversão da curva de insatisfação com o governo, preponderantemente o alargamento da faixa de isenção do imposto de renda-pessoa física (IR-PF).

Com isso, configura-se a montagem de uma espécie de núcleo duro da administração petista – baseado na sincronia ideológica e programática entre Padilha (Saúde), Rui Costa (Casa Civil), Gleisi (articulação política) e Sidônio Palmeira (Comunicação) -, ou o reforço da musculatura da tropa de choque intramuros, supostamente habilitada e empenhada no manejo das variáveis eleitorais.

No entanto, é curioso notar que a marcha pretérita e recente de Gleisi, a nova rainha, caracterizada por posturas e condutas extremamente combativas, contra adversários e até aliados, desautorizam qualquer apreciação positiva de sua ascensão ao expediente diário na antessala do gabinete presidencial e, principalmente, da constatação de ocorrência do tão almejado upgrade no time de Lula 3½, em cumprimento dos requisitos mínimos de racionalidade, talento e espírito público.

Mais do que isso, enquanto a demanda dos atores políticos, econômicos e sociais vem exaltando a premente necessidade de feitura de abrangentes entendimentos e negociações, dirigidas à concertação ou pacificação institucional, em busca do retorno dos padrões mínimos da coalizão amazônica (dezesseis partidos de correntes de pensamentos desconectadas), ainda que circunstanciais, que garantam o restabelecimento de uma agenda virtuosa, as métricas das performances da ministra revelam privilegiamento de confrontos e desavenças.

O pior é que a evidente feição de fortalecimento da ala petista avessa ao diálogo democrático, na matriz ministerial, acontece em um estágio da dinâmica política e institucional multifacetado, o que deveria servir como justificativa para o inescapável alargamento do arco de alianças, abarcando maior partilha da gestão pública, com ênfase para a integração dos aliados descontentes ou passageiros embarcados na árdua viagem da frente ampla, no segundo turno de 2022.

Em sendo instalada no interior do bloco de poder, a ministra, fervorosa e intransigente defensora da irresponsabilidade fiscal, desde os tempos em que comandava a Casa Civil de Dilma Rousseff (2011-maio/2016), tendo sido igualmente avalista e madrinha da Nova Matriz Econômica, junto com Guido Mantega, na Fazenda, deve se sacrificar para o abastecimento dos famintos por haveres orçamentários.

Lembre-se que aquele arranjo macroeconômico, amparado em populismo tarifário, cambial e monetário, objetivando o represamento artificial da inflação, e na concessão de crédito oficial subsidiado a um seleto grupo de empresários para projetos de viabilidade no mínimo questionável, denominados campeões nacionais, constituiu a raiz da derrocada do governo Dilma e, por extensão, da eclosão da maior e mais longeva recessão da república brasileira.

No plano regional, quando estrelava a Casa Civil sob Dilma, com a colaboração crucial do Secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, Gleisi infernizou governadores de oposição, principalmente os do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), ao levantar sucessivos óbices burocráticos à concessão de aval à tomada de empréstimos externos, aprovados por organismos internacionais, para a cobertura financeira de projetos de infraestrutura econômica e social, ou à liberação de desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Até as paredes reconhecem que o modus operandi de Gleisi, avesso ao embate de ideias, poderá intensificar constrangimentos e contrapontos à orientação de ortodoxia fiscal, empreendida pelo Ministério da Fazenda, pilotado por Fernando Haddad, e monetária, sob os auspícios do Banco Central (BC).

A ministra foi protagonista da ofensiva do “fogo amigo”, ainda em 2023, quando a agremiação por ela presidida preparou, aprovou e divulgou, com a chancela velada de Lula, texto crítico (ou de sabotagem) ao arcabouço fiscal, o que interrompeu o erguimento de pontes para a transmissão de indicações inequívocas de perseguição do equilíbrio intertemporal das finanças governamentais, em médio prazo, advogado por Haddad e Simone Tebet (Planejamento).

Em análogo sentido, Gleisi recorrentemente vocaliza não poucos reparos às engrenagens e efeitos da ciranda financeira, ao cotidiano do mundo empresarial, em especial do agronegócio, ao legislativo, com ênfase à bancada evangélica, aos segmentos de direita, englobando também aqueles dissociados do bolsonarismo fundamentalista, à mídia e nações comprometidas com as regras da democracia. Em contrapartida exibe alinhamento ideológico irrestrito às autocracias da Venezuela, Cuba, Nicarágua e China.

Mesmo assim, convém reter que do apartamento de cobertura de esperteza política, ao agraciar Gleisi com status de ministra de estado, Lula desobstruiu os canais condutores da contenda à sucessão da direção nacional do PT, favorecendo a feitura de escolhas conciliadoras, dotadas de comportamento mais tolerante com as disparidades subjacentes aos sistemas capitalistas e mais aberta a negociações e concessões amplas, junto aos distintos segmentos da política e sociedade civil.

Só que a articulação política requer alguns atributos indispensáveis à penetração no percurso de distintas rotas do espectro ideológico, ausentes no pelotão de frente armado para a segunda metade de Lula 3, o que pode exacerbar as incertezas quanto à conciliação entre compromissos legislativos, composição de acordos para os palanques de 2026 e retirada do desejo de reeleição da zona de perigo.

Como não poderia deixar de ser, resta a torcida para o sucesso das trocas ministeriais, ainda que pontuais, qualificadas como puro-sangue, no difícil resgate do equilíbrio econômico e político nacional, imprescindível ao cumprimento do calendário eleitoral de 2026, baseado apenas no cotejo, ou mesmo aproximação, das diferentes plataformas.

Até porque, os arautos do contraditório vem argumentando que, até aqui, a modificação das cabeças de postos do primeiro escalão do governo pode estar assumindo apenas características de camuflagem da indesejada ampliação do plantel ou bolha de pangarés.

Sem contar a natureza volátil do trabalho de acomodação de novos e antigos companheiros e a repartição de cargos e verbas, com tendência de desmanche definitivo da frente democrática formada no segundo tempo do pleito de 2022 e pouco respeitada pelo presidente.

O mais gritante é que um cenário conturbado, marcado, de um lado, por quase autonomia legislativa, ensejada pelo tsunami das emendas e a agenda corporativista, abrigando uma base parlamentar dividida e arredia e, de outro, pela debilidade, impopularidade e insuficiência de ideias (no que é acompanhado pela oposição) e exaustão do estoque de bondades do executivo, não reserva oportunidades de prognósticos menos sombrios.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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