PIB de 2024: voo ou novo pouso da galinha

PIB de 2024: voo ou novo pouso da galinha
Gilmar Mendes Lourenço.

O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, medido pelo Sistema de Contas Nacionais Trimestrais (SCNT), do IBGE, cresceu 3,4%, em 2024, contra 3,2%, em 2023, e 3%, em 2022, o que configura persistente avanço da atividade econômica na caminhada virtuosa, recobrada em 2022. No triênio 2022-2024, a grandeza macroeconômica registrou expansão de 3,2% ao ano, confirmando o quadro de recuperação cíclica.

Essa performance vem sendo amparada pelo vigor do mercado doméstico, fruto dos impactos multiplicadores do endereçamento de vultosos recursos oficiais à cobertura de iniciativas de proteção social e da política de valorização do salário mínimo, que ensejaram dinamismo recorde do mercado de trabalho, ainda que apoiado em alicerces frágeis, evidenciados pela informalidade próxima de 40% da força ocupacional.

Pela ótica da demanda agregada, o consumo das famílias, os gastos do governo e os investimentos cresceram 4,8%, 1,9% e 7,3%, respectivamente. A taxa de investimento aumentou de 16,4% do PIB, em 2023, para 17% do PIB, em 2024, favorecida pela elevação de 14,7% das importações, em especial de máquinas e aparelhos elétricos, veículos automotores e outras máquinas e equipamentos.

A pujança da demanda endógena assume maior relevância quando se observa que as exportações variaram apenas 2,9%, no ano passado, por conta de múltiplos desarranjos no front global, mesmo com a subida de quase 40% nas cotações das commodities (42%, para as alimentares, que estão 6% acima da média histórica), em reais, de acordo com levantamento do Banco Central (BC).

Pelo prisma setorial, a pujança do PIB foi puxada pelos serviços (3,7%) e indústria (3,3%, impulsionada por construção, 4,3%, e transformação, 4,8%), sendo que a agropecuária recuou -3,2%. Por ter sido duramente castigado por adversidades climáticas (estiagens e chuvas excessivas), o agro foi penalizado com acentuada quebra de produção e produtividade, não compensada pela reação dos preços internacionais

Os destaques da indústria couberam a automóveis e material de transporte, máquinas e equipamentos elétricos, produtos alimentícios e móveis, enquanto os serviços foram catapultados por informação e comunicação, outras atividades, comércio e financeiras.

Porém, é prudente advertir que os fatores determinantes da performance pretérita recente parecem ausentes neste estágio conjuntural. Emerge incontáveis aspectos de imprevisibilidade, subjacentes ao complexo redesenho da nova (des)ordem mundial, agravado em escala infinitesimal com as ofensivas da nova direção da Casa Branca.

Com posições comprometidas com a recomposição da hegemonia norte-americana mediante a fragilização das relações internacionais e dos organismos multilaterais, em absoluta prontidão para a deflagração de confrontos comerciais, inclusive contra parceiros e aliados, Trump 2 tem se mostrado pouco sensível à formação de potenciais distúrbios inflacionários.

Igualmente salta aos olhos as distorções Made in Brazil. Do ponto de vista estritamente econômico, surge os desdobramentos das injunções de caráter eminentemente político, sintetizada naquilo que tecnicamente é chamado de rápida e perigosa ascensão das necessidades de financiamento e da dívida pública, que, por conta da inevitável elevação dos juros, resultam em desalinhando a matriz de preços relativos em favor dos rentistas, e o descontrole da inflação.

O pior é que a deterioração macroeconômica repousa no adensamento das disfunções de natureza política e institucional, construídas por uma aliança hegemônica de poder, ocupada com o presente e negligente com o futuro, destituída de estratégias abrangentes e consistentes de longo prazo, dotada de uma retaguarda legislativa retrátil.

Mais do que isso, a obtenção de maioria do governo no parlamento tem sido condicionada à multiplicação da distribuição de benesses aos representantes das vontades corporativas, regionais e setoriais, permanentemente dedicados à extração de maiores frações de recursos da peça orçamentária e de outras fontes parafiscais, destinadas ao suprimento de redutos eleitorais.

A propósito disso, é interessante resgatar que, na época da hiperinflação, era habitual a emissão mensagens, por parte de empresários, economistas e membros de governos, dando conta que a nobre tarefa de elaboração e execução dos orçamentos constituía mera peça de ficção, dada a rápida corrosão provocada pela espiral inflacionária.

Nas circunstâncias atuais, não é exagerado afirmar que as farras das emendas parlamentares – aparentemente neutralizadas com o resultado de acordo firmado entre executivo e parlamento, ajustado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), precisamente pelo ministro Flávio Dino, com a eliminação dos expedientes de origem, destino e finalidade obscuras – transformaram o orçamento público em componente frágil e sensível à extorsão.

Ainda que vindo a obedecer a princípios de transparência, tais expedientes – que devem absorver mais de 20% das despesas discricionárias da União e representar 0,4% do PIB, em 2025 – permanecerão associados aos abrangentes refúgios eleitorais dos caciques (e mais chegados) das agremiações ou blocos partidários, em descompasso com as políticas de estado e, na maioria das vezes, em espaços de predominância de escancarada corrupção.

Restaram os inquéritos sobre vários escândalos de desvios na aplicação dos recursos das emendas, envolvendo diretamente alguns deputados e senadores, que estão concentrados na mesa de Dino, avaliado, a boca pequena no Congresso Nacional, como o verdadeiro líder do governo.

No campo dos insignificantes mortais, os sintomas de enfraquecimento econômico começam a surgir. Um deles diz respeito à ampliação da inadimplência das famílias brasileiras, calculada por meio de sondagem preparada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC)

De acordo com a entidade, embora o endividamento tenha recuado de 76,7% para 76,1% do total de entrevistados, entre dezembro de 2024 e janeiro de 2025, e a inadimplência caído de 29,3% para 29,1%, no mesmo período, o que representa um atraso médio de 65 dias, o comprometimento da renda com o pagamento de prestações continua em 30%.

O Indicador de Inadimplência, inferido pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostra que 40,17%dos consumidores brasileiros adultos estavam negativados, em janeiro de 2025, o que representa 68,83 milhões de pessoas, e corresponde a acréscimo de 2,76% e 1,57%, em comparação com janeiro e dezembro de 2024, respectivamente.

A maior incidência de não pagamento em dia reside nas instituições financeiras (65,98%), seguido por água e luz (10,20%) e comércio (10,05%). O valor médio em atraso situava-se em R$ 4.492,09 e a maior inadimplência localiza-se nas faixas etárias entre 25 e 29 anos (51,10% do total) e entre 30 e 39 anos (50,13%).

Não por acaso, a cesta de indicadores antecedentes ruma em direção análoga. O índice de confiança do empresário industrial (ICEI), medido por sondagem da CNI, mergulhou no pântano de incerteza, em fevereiro de 2025, ao anotar 49,1 pontos, podendo oscilar entre zero e cem pontos, sendo que abaixo de 50 pontos denota desconfiança.

Já o índice de confiança do empresário do comércio (ICEC), apurado pela CNC, caiu de 112,9 pontos para 109 pontos, entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025. A métrica varia entre zero e duzentos pontos, sendo a pontuação cem o limite entre otimismo e pessimismo.

Na mesma rota, a intenção de consumo das famílias (ICF), também levantada pela CNC, apresentou, em fevereiro de 2025, a primeira queda desde julho de 2024, exibindo 104,5 pontos, em um intervalo de variação entre zero e duzentos pontos, com zona de indiferença de cem pontos.

A reversão da perda de folego da economia brasileira, já captada na evolução de apenas 0,2% do PIB, no quarto trimestre de 2024, exigirá uma virada de chave, calcada em pronta retomada do domínio das variáveis de estabilização, factível somente com a emissão de sinais inequívocos de disposição de realização do inadiável ajuste fiscal em médio termo.

Não seria absurdo argumentar acerca da exagerada propagação de ruídos acerca do risco fiscal. A dívida pública brasileira, denominada em moeda nacional e lastreada em papéis do Tesouro Nacional com garantia de recompra, corresponde a 76% do PIB, contra 260% do PIB, no Japão, 173% do PIB, na Itália, 122% do PIB, nos Estados Unidos, e 110% do PIB, na França, por exemplo.

Por isso, o objetivo a ser perseguido repousa na sustentabilidade intertemporal do endividamento, abarcando primordialmente a redução dos encargos financeiros, responsável por aproximadamente ¾ do total, versus ¼ do desnível no conceito primário.

Mesmo assim, é interessante notar que os governos petistas já comprovaram, suficientemente, indiscutível talento para a arte de governar em tempos de polpudas sobras fiscais, como nos anos 2000, embalados pelo bônus chinês e a retaguarda fiscal e social construída pela gestão anterior. Resta aguardar ansiosamente semelhante a demonstração de competência gerencial em momentos menos róseos ou mesmo bicudos para as finanças públicas.

Em paralelo, urge lidar com os parâmetros de desenvolvimento, com a recolocação definitiva do investimento, notadamente nas áreas de ciência, tecnologia e inovação, no merecido lugar de destaque na negociação política de um projeto de nação de longo amadurecimento, capaz de acomodar um processo de recuperação econômica duradoura, ainda que em mares internacionais mais revoltos e afetada por turbulências do ciclo político nacional.

Na falta ou insuficiência de diálogo e disposição política, imprescindíveis ao cumprimento da agenda de reparos das fraturas de curto termo e organização de amplo debate de um programa de prolongado horizonte temporal, depois de três anos de voo em altitude média, a galinha insinua consultar a torre de comando para a realização de mais um pouso.

O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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