Fracasso de mais um campeão nacional: a quase falência da Oi
Gilmar Mendes Lourenço.
Enganam-se aqueles que imaginam tratar-se de texto que aborda a derrocada financeira de um dos grandes clubes do futebol brasileiro, o que seria plenamente justificável, por sinal, dado que, não poucos, só não mergulharam no pântano falimentar, por razões de ordem técnica e política.
Resumidamente, várias agremiações esportivas nacionais alteraram radicalmente o modelo de gestão, por meio da transformação em Sociedade Anônima de Futebol (SAF), e outras lograram êxito na arregimentação de patrocinadores de peso e/ou contaram com os costumeiros beneplácitos de instâncias superiores dos poderes constituídos.
É impossível deixar de perceber o tratamento não isonômico conferido por autoridades ligadas ao esporte e meios de comunicação ao universo de “grandes clubes” em ocorrências e incidentes de todos os tipos, alargados com a novidade da possibilidade de manipulação das famigeradas indústrias de “apostas ou bets” – sublimadas pela imprensa – cuja forma de funcionamento vem, ao mesmo tempo, manchando a imagem do futebol pentacampeão do mundo e engordando as receitas das bancas de advocacias.
Por exemplo, a solução do imbróglio do famoso “cartão amarelo voluntário”, recebido pelo atleta Bruno Henrique, do Flamengo, em 2023, em uma partida contra o Santos, com a definição de penalização financeira modesta (multa de R$ 100 mil), pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), depois da anulação da punição anterior – fora por 12 jogos, com rápida conquista de efeito suspensivo -, reflete os laços incestuosos entre o poder econômico e o clima julgador.
Pior, a sentença confere jurisprudência ou autêntico convite à continuidade da prática de delitos, que desviam o curso natural das pelejas em benefício dos jogadores envolvidos ou de terceiros, normalmente parentes e amigos, reforçando as dúvidas de torcedores e/ou apostadores com relação a lisura das partidas ou ética esportiva e a convicção de impunidade dos transgressores.
A força do lobby dos dominadores das apostas on line pode ser comprovada, por linhas tortas, pela pronta rejeição, pelo Congresso Nacional, da proposta de elevação da taxação dos insignificantes 12% para 18%, preconizada pela cúpula do Palácio do Planalto e Ministério da Fazenda.
Apesar de instigante, como se vê, convém advertir que a administração do futebol na “Pátria em Chuteiras”, tal como designou o saudoso Nelson Rodrigues, não constitui o assunto da coluna de hoje, podendo eventual e merecidamente vir a ser objeto de apreciação criteriosa em oportunidade futura, englobando experiências fracassadas e casos de sucesso, sendo o mais recente deles o verdadeiro fenômeno chamado “Mirassol”.
A discussão aqui revela-se mais árida ao trazer a decretação de falência, pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), em 10 de novembro de 2025, da empresa do ramo de telecomunicações Oi S.A., por solicitação do interventor da entidade corporativa, encerrando um prolongado curso de enfraquecimento da companhia, concebida para representar o papel de referência doméstica e internacional.
Só que, em atendimento às súplicas dos maiores credores (Bradesco e Itaú) do passivo da Oi, a 1ª Câmara de Direito Privado do TJ-RJ cancelou, em 14 de novembro de 2025, a ordem de falência e determinou o retorno e prosseguimento do modelo de recuperação judicial.
A disposição é de reestruturação e liquidação planejada e ordenada dos ativos, de modo a não aprofundar as perdas dos emprestadores, investigação rigorosa da postura do controlador, a gestora de investimentos Pimco, e garantia de manutenção dos serviços prestados, sob estrita vigilância da Anatel.
Decerto que a reversão da falência não desautoriza o debate da desidratação da companhia. Quem algum dia já pertenceu ao conjunto de clientes da operadora não está nem um pouquinho surpreso com a perspectiva de melancólico desenlace do evento, em face dos incontáveis aborrecimentos acumulados no transcorrer da relação comercial, constatando, na maioria das ocasiões, ser mais fácil se livrar de pendengas jurídicas, ou mesmo da cadeia, do que do time de maltratados e desrespeitados usuários do (des) serviço.
Ainda que lastimável, por conta do malogro de tentativas esboçadas e aplicadas por diferentes governos para evitar o aparecimento e a multiplicação de dificuldades desde o lançamento da empresa, será o desfecho esperado, após dois pedidos de recuperação judicial no intervalo de menos de uma década.
Ao fazer um breve comentário a respeito do episódio em tela, o Estadão utilizou a expressão popular “pau que nasce torto nunca se endireita”, ao esclarecer que a Oi surgiu como o consórcio Telemar, a partir do leilão de desestatização da rede de telefonia fixa, em 1998.
Sendo dispensada do cumprimento das principais exigências técnicas do edital, que abrangia a cobertura das unidades federativas do Norte, Nordeste e Sudeste, fora São Paulo, a organização eclodiu como a maior tele em abrangência geográfica, cobrindo 16 estados.
Isso porque, as previsíveis dificuldades no alcance da universalização dos serviços, nos prazos estabelecidos pela concessão, em ambiente de apreciável demanda reprimida, o que imporia inversões de expressivas cifras em curto prazo, com retorno de longa maturação, afastou outros concorrentes pleiteantes à compra do bloco, sobrando apenas a Telemar.
Em continuidade, mesmo tendo despontado como uma paraestatal, ente privado submetido à forte influência do governo, expresso em aporte de vultosos recursos via participação acionária pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dos fundos de pensão dos funcionários das companhias controladas pela União, a Telemar optou, deliberadamente, pelo não cumprimento da programação de investimentos e, o que é pior, o ingresso em atividades alheias ao negócio principal.
Quase dez anos depois, a despeito de contabilizar enorme passivo junto a instituições financeiras públicas e privadas e fornecedores, a empresa conseguiu as bençãos governamentais – a partir da flexibilização da lei que proibia a junção de empresas de telecomunicações de regiões diferentes e derrame de crédito subsidiado do BNDES – para ganhar artificialmente o emblema de uma hiper tele, com a aprovação da realização da fusão com a Brasil Telecom, que detinha a fatia regional do Sul e Centro-Oeste, e também enfrentava sérios problemas de fluxo de caixa e escalada do endividamento.
Mais especificamente, as apostas oficiais repousavam na produção de pronunciadas economias de escala, derivadas da união operacional, que ensejaria a formação e consolidação da organização setorial de maior envergadura no mercado interno, o que a transformaria em mais uma “campeã” nacional, apelido da moda usado para a designação de firmas locais beneficiadas pela concessão de incontáveis benesses fiscais, tributárias e creditícias, que assegurariam cacife competitivo.
Porém, as bondades contribuíram para a produção de um monstrengo, um verdadeiro Frankenstein, entulhado de dívidas, desprovido de condições mínimas indispensáveis à prestação dos serviços acordados, abarcando a preservação do funcionamento dos famosos orelhões, em simultâneo à disparada na oferta de aparelhos celulares, que suplantava o número de habitantes do país.
Nessas alturas, resgatando outro ditado que sugere que “nada é tão ruim que não possa piorar”, por ocasião da metade do primeiro tempo da administração de Dilma Rousseff, em 2013, aconteceu a deliberação de duplicação das fichas em jogo, traduzida em estímulos explícitos ao negócio de união formal com a Portugal Telecom, no afã de fabricação de um “jogador global”.
Só que o cotidiano da questionável transação conduziu à incorporação de enormes débitos de origem nebulosa da unidade portuguesa, estimados em quase R$ 6 bilhões – em 2015 houve a comercialização dos ativos operacionais do estabelecimento português com a neerlandesa Altice -, o que ensejou a implosão do negócio, cujos desdobramentos negativos só se tornaram perceptíveis quando do leilão de disputa da tecnologia 4G, em 2014, sem a presença da Oi.
Após inúmeras estripulias, em 2016, portadora de endividamento superior a R$ 65 bilhões, sendo mais de um terço junto a agências públicas, com atuação pulverizada geograficamente, o que lhe rendia o conceito de “grande demais para quebrar”, a empresa inscreveu o primeiro pleito de recuperação judicial.
Diante da “teia de aranha” de limitações de natureza jurídica, a equipe do presidente de mandato curto (maio de 2016 a dezembro de 2018), Michel Temer, retrocedeu da vontade de intervenção e subsequente reestruturação de passivos e decidiu permanecer à espera de um milagre: o advento de um comprador privado do empreendimento.
Na falta disso, com o propósito precípuo de “fazer algum dinheiro”, a Oi encaminhou a desmobilização maciça e descuidada do patrimônio e das redes operacionais apreciadas como mais rentáveis, em especial fibra ótica e telefonia móvel, o que rendeu o desligamento compulsório dos integrantes do corpo diretivo e do conselho de administração.
De maneira absolutamente cosmética e irresponsável, a empresa saiu da recuperação judicial, no final de 2022, e, com endividamento de R$ 44,3 bilhões, ingressou na segunda, no princípio de 2023, sob a alegação desavergonhada de emergência de aspectos “imprevisíveis e alheios”, apesar de ainda contar com quase 5 mil contratos com a esfera pública.
Na verdade, por 27 anos, os equívocos gerenciais e desvios de conduta de dirigentes da Oi foram negligenciados, na melhor das avaliações, por membros de pelo menos cinco governos distintos, despejando no ralo do desperdício quantias bilionárias, retiradas do orçamento público, apenas em inconcebível suprimento das vontades ou caprichos de constituição de empresas parceiras do estado com capacidade de concorrência no front global.
Para encerrar, convém insistir que a Oi não enfeixa um caso isolado. É somente mais um exemplo de escolha proposital de caminhada denodada em uma direção que tem como ponto de chegada um “beco sem saída”, em razão da combinação entre incompetência gerencial e técnica e insuficiente e bizarra regulamentação, com a penalização maior incorrendo sobre a sociedade.
A alternativa sugerida pela lógica econômica seria a venda da empresa, ou pedaço dela, a outras teles de envergadura suficiente para sufocar os passivos e preservar as atividades, que, ao contrário da Oi, souberam aproveitar o presentão recebido do Estado com as privatizações da década de 1990.
Porém, pelo andar da carruagem judicial e a desesperança quanto as chances de emprego prático do sofisma teórico da “mão invisível” – que, aliás, só é invisível porque não existe -, mais uma vez, restará a imposição de socorro financeiro emergencial a ser realizado com dinheiro do Erário e, consequentemente, a emissão da gorda fatura e convocação dos contribuintes para, mais uma vez, se responsabilizarem pelos prejuízos de outros.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.


