Debêntures Verdes: alternativa de financiamento privado para projetos sustentáveis
A notória dependência por financiamento público e bancário levanta preocupações sobre a sustentabilidade econômica de projetos relevantes para a economia brasileira há muito tempo.
Por isso, uma medida tomada no apagar das luzes de 2010 para estimular o ingresso do capital privado nessa área chamou muito a atenção: a redução – prevista no Art. 2º da então Medida Provisória nº 517/2010, posteriormente convertida na Lei nº 12.431/2011 – da alíquota do imposto de renda para debêntures, certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) e cotas de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), quando concebidos para captação de recursos voltados à execução de “projetos de investimento na área de infraestrutura, ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação“. Nasceram assim as chamadas “debêntures incentivadas” e “debêntures de infraestrutura”.
Importante lembrar, contudo, que o dispositivo legal retro citado limita o alcance do benefício fiscal àqueles projetos “considerados como prioritários na forma regulamentada pelo Poder Executivo federal“, o que veio a ser regulamentado pelo Decreto Federal nº 8.874/2016, embora de forma bastante concisa e, na visão de muitos, inicialmente incompleta.
Novidade recente, por outro lado, foi a trazida pelo Decreto Federal nº 10.387/2020, que acresceu e explicitou no rol de projetos prioritários aqueles que “proporcionem benefícios ambientais ou sociais relevantes“, dando margem à possibilidade de estruturação e distribuição no mercado do que tem sido chamado de “debêntures verdes”, que sinaliza a adoção de uma política de financiamento a projetos sustentáveis.
Com efeito, a Constituição de 1988 dá respaldo para essa iniciativa em seu art. 170, VI quando permite o “tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação“, assim como as “debêntures verdes” podem ser caracterizadas como uma espécie de “instrumentos econômicos“, previstos no art. 9º, XIII da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, com redação dada pela Lei Federal nº 11.284/2006.
Além disso, a leitura mais atenta da redação anterior do Decreto Federal nº 8.874/2016 sinaliza que não havia um real impedimento à estruturação e negociação dessas “debêntures verdes”. Mas, com efeito, a nova redação trazida pelo Decreto Federal nº 10.387/2020 parece melhor atender e estar mais bem alinhada com as tendências internacionais, no sentido de privilegiar o desenvolvimento de iniciativas voltadas ao maior cuidado com a governança e com o meio ambiente e a sociedade do entorno dos empreendimentos.
Assim, a emissão de títulos de dívida como as debêntures – já de longa data conhecidas e reguladas pela Lei das S.A. – por companhias estruturadas e voltadas especialmente à promoção de projetos relacionados às áreas de mobilidade urbana, energia e saneamento básico e que tragam em seu bojo “benefícios ambientais e sociais relevantes” podem representar incremento considerável na obtenção de recursos, via mercado de capitais, para o financiamento das atividades dessas companhias.
Considerando-se, inclusive, o cenário de migração de investimentos mais conservadores (com retornos cada vez menores, em função das quedas nas taxas de juros em nível global, entre outros fatores) para investimentos que ofereçam maior retorno (não obstante um maior grau de risco), o incentivo fiscal garantido pela legislação agora em vigor, ao garantir um retorno líquido mais atrativo, pode realmente impulsionar o uso dessa modalidade de títulos.
É de se lamentar, apenas, que o § 4º do Art. 2º do Decreto Federal nº 8.874/2016 (neste incluído pelo Decreto Federal nº 10.387/2020) tenha deixado de mencionar expressamente projetos sustentáveis dos setores de logística e transporte e de irrigação, os únicos incisos do § 1º que não foram repetidos no § 4º. Talvez tenha aqui o Poder Executivo imaginado que tais setores já estariam atendidos pelas “debêntures de infraestrutura”, não necessitando assim de um tratamento mais explícito. No entanto, não há nada que impeça uma combinação de ambas as modalidades, de forma a se buscar a estruturação de “debêntures verdes” e “de infraestrutura” para um mesmo projeto, que muito provavelmente contariam com ampla receptividade no atual contexto do mercado de dívida brasileiro, permeado pela necessidade de atendimento às melhores práticas ESG (“environmental, social and governance“) conforme já observado.
Neste sentido, aliás, é interessante mencionar que as conclusões do relatório “Destravando o Potencial de Investimentos Verdes para Agricultura no Brasil“, elaborado pela Climate Bonds Initiative, em parceria com o Subcomitê de Agricultura do Brasil, da Iniciativa Brasileira de Finanças Verdes, e divulgado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em fins de junho de 2020 incluem expressamente as “debêntures verdes” como um instrumento a ser priorizado.
Seja como for, é importante destacar que, para a efetiva adoção das chamadas “debêntures verdes”, ainda se faz necessário que os diversos Ministérios potencialmente envolvidos editem portarias próprias definindo “requisitos simplificados para aprovação” e “forma de acompanhamento das etapas” dos projetos com “benefícios ambientais e sociais relevantes” a serem assim financiados, conforme exigem os §§ 4º e 5º do Art. 3º do Decreto Federal nº 8.874/2016. Somente com a edição das referidas portarias setoriais específicas é que projetos dessa natureza poderão ser aprovados e, assim, lançar as “debêntures verdes” para obtenção de financiamento no mercado, com aproveitamento do tratamento tributário diferenciado garantido pela Lei nº 12.431/2011.
Espera-se, assim, que os Ministérios setoriais potencialmente envolvidos busquem acelerar a edição de regulamentos específicos nesse sentido, de forma que esse mercado possa ser plenamente desenvolvido e trazer, com isso, a disseminação de projetos sustentáveis.
O artigo foi escrito por: Emerson Drigo, Sócio de VDV Advogados, Professor da Faculdade de Direito de São Paulo da FGV – FGVLaw, membro e Subcoordenador da Comissão Técnica do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores – IBRI.
Marcelo Simões do Reis é mestre em Direito Internacional pelo Centro Universitário de Brasília e Analista na Coordenação do Ponto de Contato Nacional para as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais.
Rafael Ferreira Filippin é doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR e sócio-coordenador da área regulatória e ambiental da Andersen Ballão Advocacia.