Quatro décadas de déficit de crescimento econômico no Brasil
A economia brasileira convive com o fenômeno conhecido como “estagnação prolongada” há mais de quatro decênios. A partir da exaustão do modelo de industrialização por substituição de importações e de seu padrão de financiamento, amparado em poupança pública e externa, nos anos 1980, ergueram-se colossais barreiras à expansão sustentada.
Cumpre reconhecer que entre 1930 e o final de 1979, lapso temporal do tortuoso caminho de subida dos vários degraus substitutivos, dos segmentos leves aos pesados, e complementação da II Revolução Industrial, o produto interno bruto (PIB) do país variou em média 7% ao ano, o que permitia à nação dobrar a sua capacidade de agregação de valor a cada dez anos.
Na sequência, não obstante alguns saltos, bastante localizados e de fôlego curto, identificados com o Plano Cruzado, em 1986, o sucesso inicial do Plano Real, em 1994, e boom das commodities, entre 2003 e 2007, o PIB nacional cresceu cerca de 2% a.a., no intervalo mensurado entre 1980 e 2021, sendo deprimido por pelos menos quatro severas e longas recessões:
I – 1981-1983 – queda de -3,9%, explicada pela crise da dívida externa, durante o derradeiro governo da ditadura militar, liderado pelo general João Figueiredo;
II – 1990-1992 – recuo de -3,9%, causado pelo confisco de ativos financeiros, decretado pelo recém-empossado Fernando Collor, em 16 de março de 1990, como anteparo da experiência frustrada de extermínio da hiperinflação;
III – abril de 2014-dezembro de 2016 – decréscimo de -8,5%, resultado da desastrada administração de Dilma Rousseff, centrada no controle da inflação por meio do represamento dos reajustes dos preços administrados e do controle dos juros e do câmbio e na conspiração contra o equilíbrio estrutural das finanças públicas; e
IV – março de 2020-dezembro/2020 – diminuição de -3,9%, atrelada ao precário enfrentamento dos impactos devastadores do Sars-CoV-2 sobre a renda e o emprego.
Após recuperar, ainda de que forma não homogênea, os estragos ocasionados pelo surto, com incremento de 4,6%, em 2021, a economia brasileira mergulhou novamente no pântano de instabilidade, em 2022, acusado especialmente nas carteiras de ativos, com a ascensão do dólar e dos juros e o Ibovespa inferior a 100 mil pontos.
Mais do que isso, o regresso do panorama cronicamente adverso vem desmontando a retórica ufanista e populista manifestada pelo governo brasileiro, cujo chefe ocupa posição de desvantagem em todas as pesquisas de intenção de voto, realizadas por diferentes institutos.
Há chances de piora do quadro, em função da prisão do ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, pela Polícia Federal, por suspeita de cometimento de crime de tráfico de influência na orquestração de liberação privilegiada de verbas da pasta destinadas a algumas prefeituras, intermediadas por pastores terrivelmente evangélicos e recomendadas pelo chefe de governo.
Os inquéritos opinativos também têm captado rápida, acentuada e contínua corrosão do apoio popular à autocracia do mandatário, restrita a pouco mais de 30% dos entrevistados, formados pelos desdobramentos otimizados da militância raiz, egressa das mídias digitais, suficiente para alça-lo ao 2º turno do pleito presidencial, porém, incapaz de reelegê-lo.
As posturas e inclinações autoritárias do governo soam tão evidentes que se as entidades de investigação do sentimento da população indagassem os jovens seguidores do presidente acerca da preferência eleitoral de seus pais, em 1989, é bastante provável que a resposta majoritária fosse “Fernando Collor”.
A pronunciada deterioração dos fundamentos econômicos e a consequente fragilização das condições de vida da população representam o “Calcanhar de Aquiles” da equipe do ministro Paulo Guedes que, enfraquecido por entregar demagogia em lugar da materialização das propostas liberais robustas que encantaram os mercados, em 2018 e 2019, tornou-se presa fácil da voracidade fiscal e orçamentária do bloco chamado centrão, esteio legislativo do presidencialismo de cooptação.
É claro que o circulo vicioso predominante no país, sintetizado em juros e inflação bastante acima da curva de normalidade repousa predominantemente em distorções externas, em razão da implantação de estratégias de subida do preço do dinheiro, por bancos centrais de nações avançadas e em desenvolvimento, em ritmo e intensidade não observados em três decênios, com o objetivo de reverter a acentuada subida dos patamares de preços.
O cenário de retorno do fantasma inflacionário, mesmo em países tradicionalmente pouco afetos a esse tipo de distúrbio, pode ser explicado pela combinação entre choques de oferta e de demanda.
Pelo ângulo da oferta ressalta a persistência de desarranjos logísticos, surgidos no começo da pandemia de Covid-19, aprofundados com a invasão da Ucrânia pela Rússia, e engrossados pela impulsão das cotações das commodities, notadamente energéticas.
Do lado da demanda persiste a influência da injeção de vultosa massa de recursos fiscais e monetários, em economias centrais e em desenvolvimento, necessária à compatibilização do curso dos níveis de atividade com a heterogênea evolução e enfrentamento do vírus e a disparidade geográfica do processo de imunização das pessoas contra o patógeno.
Por isso, a marcha de aplicação, em não poucas doses, de restrições monetárias sinaliza a interrupção da era dos juros baixos, ou em vários casos negativos, no planeta, com a intenção de evitar a contaminação das expectativas de longo termo pela persistência da desgarrada inflacionária, ainda que ao custo de deflagração de uma recessão em curto prazo.
Mesmo levando em consideração às armadilhas internacionais, há desarranjos nada desprezíveis Made in Brazil que explicam a vigorosa formação de desequilíbrios macroeconômicos, principalmente o descontrole da inflação que, em um ambiente de mercado de ocupações fragilizado, marcado por expansão da informalidade e declínio dos rendimentos, e avanço do endividamento e inadimplência das famílias, abala irremediavelmente o poder aquisitivo da população com menor renda.
No fundo, houve planejada renúncia em adotar uma política nacional de segurança alimentar e negociar, conforme os parâmetros da Lei de Responsabilidade das Estatais, criada em 2016, sob a administração de Michel Temer, a adoção de conduta transparente e previsível de precificação dos combustíveis, menos aderente ao comportamento das variáveis exógenas, contidas na política de paridade internacional (PPI), baseada nas cotações do petróleo.
Por essa perspectiva de abdicação da nobre tarefa de estruturação de referências futuras para as escolhas estratégicas de governo, o compromisso com a irresponsabilidade fiscal, verdadeira política de estado, e o risco político – incluindo investidas contra as regras democráticas escritas e informais – serviram para exacerbar as incertezas quanto à solvência intertemporal do setor público e, por extensão, aflorar as posturas defensivas dos detentores de papéis públicos e privados e o câmbio.
Se o terror do curto prazo produzido por aventuras eleitoreiras, como a tentativa de diminuição dos preços dos combustíveis ao custo de elevação da dívida pública, conspira contra o êxito da política econômica – se é que há alguma, a não ser o rigoroso cumprimento da cartilha do regime de metas de inflação pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC -, o abandono de concepções e formulações voltadas à execução de programas de longa maturação, consubstancia o enterro antecipado de um governo desprovido de agenda positiva.
Esse será o assunto do artigo da semana que vem.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor e ex-presidente do Ipardes