Drama da educação no Brasil: resultados do PISA/OCDE
Gilmar Mendes Lourenço.
Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, em inglês), produzidos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne o grupo de 38 países, entre desenvolvidos e emergentes, relativos ao ano de 2022, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos Educacionais (Inep) e o Ministério da Educação, expressam a dramática deterioração da educação no planeta depois da pandemia de Covid-19.
A prova, realizada a cada três anos, adiada de 2021 para 2022 por conta da crise sanitária, e que buscou mensurar o grau de aprendizagem de cerca de 690 mil alunos, de 15 anos, egressos de 81 nações e espaços regionais, mostrou substancial declínio da performance em um período de quatro anos.
Mais especificamente, o confronto entre os números disponibilizados nas edições de 2018 e 2022 proporciona denotar decréscimo de 15 pontos (de 494 para 479), em matemática, 10 pontos (de 486 para 476), em leitura, e 2 pontos (de 485 para 483), em ciências.
No caso brasileiro, recordista em prolongamento temporal de interrupção de funcionamento dos estabelecimentos de ensino durante o surto de Sars-CoV-2, a diminuição mostrou-se menos drástica, ou de 5 pontos (de 384 para 379), em matemática, de 3 pontos (de 413 para 410), em leitura, e de 1 ponto (de 404 para 403), em ciências.
Nada que mereça celebração. Conforme assinalado pelo jornalista Hélio Schwartsman, no artigo “Indiferença Escolar “, veiculado no jornal Folha de S. Paulo, em 08.12.2023, “escola no Brasil é tão ruim que fechamento na pandemia teve pouco impacto no Pisa”.
Com tal comportamento, o país permanece, belo e formoso, preso a uma espécie de zona de mediocridade, ou ao menos de desconforto, no certame mundial, em uma condição de semiestagnação, desde 2009, ocupando o último pelotão, ou o 65º posto em matemática, o 62º, em ciências, e o 52º, em leitura.
Um exame da série histórica da OCDE evidencia discretas ações dirigidas à minimização ou eliminação do quadro de penúria educacional, desde o final do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), passando pelos dois mandatos de Lula e as administrações de Dilma Rousseff e Michel Temer, e passando batido sob Jair Bolsonaro, recordando que os testes aconteceram em 2000, 2003, 2006, 2009, 2015, 2018 e 2022.
O avanço mais saliente consistiu na criação do programa Bolsa Escola, por FHC, inspirado na experiência do Distrito Federal, depois encampado pelo Bolsa Família, sob Lula. Houve também a universalização do acesso ao ensino fundamental e concentração do salto qualitativo no estágio 1, uma espécie de reserva de aprendizado empregada pelos estudantes por ocasião das provas nacionais e internacionais.
Ressalte-se que na gestão de 2019 a 2022, a condução do MEC foi delegada e/ou entregue a agentes públicos arrogantes, despreparados para o diálogo multidisciplinar e, principalmente, avessos à necessidade de multiplicação de iniciativas voltadas à busca de inclusão e mobilidade social e emancipação cidadã pela via do ensino e aprendizagem.
Em matemática, por exemplo, o Brasil desceu do 71º lugar para o 65º, entre 2018 e 2022, permanecendo atrás de países latino-americanos de menor expressão econômica, como Peru, Colômbia, Chile, Uruguai e Costa Rica.
Para piorar, a nota dos estudantes brasileiros hospedados no topo da pirâmide social (425) ficou 19% abaixo do patamar alcançado pelo mesmo estrato apurado pela OCDE. Aliás, a média dos mais abastados daqui não atingiu sequer a dos integrantes de famílias pobres dos estados avançados (431).
Ademais, com o emprego do critério de aferição de conhecimento por escala de 1 a 6, sendo inferior a 2 considerado insatisfatório, identifica-se 73% dos brasileiros abaixo da denominada linha de proficiência, em matemática, 50%, em leitura, e 55%, em ciências, contra 31%, 26% e 24%, respectivamente, na OCDE.
Isso sugere a existência de barreiras nada desprezíveis à resolução de cálculos e raciocínios elementares, como o cotejo da distância de dois trajetos opcionais entre duas cidades, o entendimento de frações e conversões, e à interpretação de textos considerados minimamente adequados à idade.
Essas anomalias persistem apesar de o segmento educacional absorver 11% dos orçamentos públicos por ano, suplantando a média de 10% da OCDE, ou gastos correspondentes a 5,4% do produto interno bruto (PIB), englobando os três entes federados (união, estados e municípios), patamar semelhante ao da França (5,5%) e pouco superior à média da organização mundial (5,1%).
Isso comprova que em vez de refletir a insuficiência de recursos, a barreira educacional traduz a péssima alocação de verbas, com a priorização do terceiro grau (dispêndios de US$ 14.735 por estudante/ano versus US$ 14.839 da OCDE), em detrimento do ensino básico (US$ 3.583 por aluno/ano contra US$ 10.949, contabilizado pelos membros da OCDE).
Ao gastar menos de um terço do alocado pelos países da OCDE na educação fundamental e negligenciar investimentos em formação continuada, treinamento, qualificação e valorização de docentes, adoção de metodologias contemporâneas de ensino, ampliação da carga horária, implantação da modalidade de escola pública em jornada integral e estabelecimento de sintonia fina entre governo federal, estados e municípios, o Brasil, deliberadamente, vem abdicando da participação ativa na corrida por melhores performances no PISA, apresentadas por Singapura, Coreia do Sul e Japão, dentre outros países.
A Escola Integral, que articula escola-classe e escola-parque (abrangendo atividades de arte, esporte e reforço, aplicadas no contraturno), reproduz um conceito quase centenário levantado pelo educador baiano, Anísio Teixeira, que cede o nome ao Inep.
A adaptação daquela proposição foi evocada pelo ex-Ministro da Educação (2003-2004), Cristovam Buarque, no texto “um século perdido”, de 8 de dezembro de 2023, publicado na revista Veja, realçando a implantação dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), durante o governo de Leonel Brizola (1983-1986), no Rio de Janeiro, e dos Centros Integrados de Atendimento à Criança (Ciaps), lançados pela gestão presidencial de Fernando Collor (1990-1992), embora carregando a indisfarçável marca da corrupção.
Por tudo isso, com a iminência de exaustão do bônus demográfico, caracterizado pela diminuição do contingente de pessoas em idade ativa e aprofundamento do processo de envelhecimento, e os rearranjos orçamentários decorrentes, especialmente o alargamento da fatia destinada à saúde, em provável prejuízo da educação, urge a promoção de políticas de estado de longo prazo.
Em paralelo, devem ser elaborados e estimulados programas focados na modernização dos modelos e práticas de gestão, em linha com os requerimentos de maximização dos ganhos de produtividade, em tempos de quarta revolução industrial, capitaneada por inteligência artificial, robótica, ciência da computação, engenharia genética e biotecnologia.
Trata-se da premência de um maior ativismo educacional, condição essencial ao desencadeamento de etapas de crescimento robustas e sustentadas, capazes de atacar o flagelo da pobreza e, sobretudo, da desigualdade, em suas múltiplas facetas, que extrapolam as diferenças de renda.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.