Dois anos de guerra: quais os impactos na economia?

Dois anos de guerra: quais os impactos na economia?

Conflito entre Rússia e Ucrânia deixou profundas marcas não apenas no meio social, mas também na esfera econômica

A guerra entre Rússia e Ucrânia continua, mas como o setor econômico se apresenta para os investidores? Após dois anos desde seu início, o conflito deixou profundas marcas não apenas no meio social, mas também na esfera econômica. A estrutura do comércio internacional, que ainda se reerguia dos impactos da pandemia de Covid-19, sofreu outro abalo com o início do conflito, complicando ainda mais o cenário econômico.

De maneira positiva, houve setores que devido a sua elevada produção se mantiveram estáveis e demonstram bons indicativos de investimento, como os setores petrolífero e agrícola. Em entrevista, o economista da WIT Invest, Marcello Corsi, deu um panorama sobre as perspectivas e impactos no Brasil com relação ao câmbio, commodities agrícolas, petróleo, inflação e os demais efeitos da guerra.

Leia abaixo a entrevista:

Após dois anos do início da guerra, quais são os efeitos do conflito para a economia global e brasileira?

Marcelo Corsi – Como a guerra já está se prolongando mais do que era esperado, a maior parte dos impactos já foi sofrida e incorporada nos riscos das economias. Como a economia russa é uma grande produtora de petróleo, gás natural e fertilizantes, e a economia ucraniana é responsável por boa parte dos grãos do mundo, o principal impacto foi no setor agrícola, por termos um aumento do custo dos insumos, fertilizantes e combustíveis, acompanhado de uma redução na oferta de grãos. Isso gerou uma oportunidade e problemas. Aqueles que tinham estoques e capacidade de aumento de produção conseguiram aproveitar o aumento no preço dos grãos, porém, aqueles que precisavam se capitalizar para fazer tal aumento de produção tiveram que o fazer em um momento de taxas de juros mais elevadas do que havíamos vivido há alguns anos.

Em relação ao investidor, em que ele ainda deve estar atento nesse cenário?

Marcelo Corsi – O principal ponto ao qual o investidor deve ficar atento são os ativos que mais valorizaram nos últimos 2 anos. Diversos ativos valorizaram nesse cenário por conta da guerra, mas em caso de mudança, não necessariamente a alocação atual continuará a performar bem. O investidor deve ficar atento e não ter receio de realizar ganhos e mudar de estratégia.

Quais ações estão sendo mais prejudicadas pelos efeitos da guerra?

Marcelo Corsi – As empresas aéreas foram muito impactadas pelo conflito e, principalmente, por terem se prolongado por tanto tempo. Como elas são muito impactadas pelos custos dos combustíveis, um dos principais insumos no ramo, o combustível a preços elevados por tanto tempo corroeu boa parte do resultado e balanço dessas empresas. Empresas essas que já estavam fragilizadas pelos impactos da pandemia.

Quais são os setores recomendáveis para investir nesse cenário de continuidade da guerra?

Marcelo Corsi -Com a continuidade da guerra, ainda será vantajoso o investimento em empresas do ramo petrolífero. Porém, o investidor deve estudar bem os ativos antes de alocar para não adquirir ações de empresas já próximas ao preço justo.

Com a proximidade política da China com a Rússia, há risco de uma escalada de tensões entre EUA e China?

Marcelo Corsi – A China manteve o comércio com a Rússia, mesmo após o início da guerra. Isso fez com que eles se tornassem aliados, pelo menos no campo econômico. Fazendo deles o principal fornecedor de produtos aos russos. Essa parceria não agradou aos EUA, porém, devido a importância que a China tem no mundo, o impacto é limitado.

Existe a possibilidade de uma ampliação dos conflitos na Ucrânia ou no Oriente Médio?

Marcelo Corsi – Os conflitos na Ucrânia estão mais controlados do que os conflitos no Oriente Médio. Como o conflito ucraniano não é recente, os principais países que desejavam demonstrar apoio já o estão fazendo. Entretanto, o conflito no Oriente Médio ainda está aumentando a escala e reacendendo conflitos na região que estavam com menor intensidade.

Pode estar ocorrendo um esgotamento de recursos e capacidades na Rússia?

Marcelo Corsi – Apesar da duração da guerra, a Rússia ainda é uma potência militar muito superior à Ucrânia. Atualmente, a Ucrânia só está se mantendo abastecida graças a apoios de aliados na Europa e América, enquanto a Rússia está se mantendo, mesmo com sanções e embargos econômicos.

Em caso de vitória do ex-presidente Donald Trump nos EUA, e, eventualmente, a retirada de apoio à Ucrânia, isso poderia mudar o rumo da guerra?

Marcelo Corsi – Em caso de vitória de Trump, a retirada do apoio à Ucrânia deve mudar o rumo da guerra. Os EUA são uma das maiores potências militares e econômicas do mundo. Caso seu apoio seja reduzido, a Ucrânia terá muito mais dificuldades em manter suas tropas abastecidas e terá muito mais dificuldade de financiar os custos da guerra. Dessa forma, a Rússia terá mais facilidades em suas ofensivas.

Num mundo cada vez mais polarizado e fragmentado, o acordo UE-Mercosul é viável?

Marcelo Corsi – Com o aumento da polarização, o acordo se torna menos viável, mas muito mais necessário. Os países terão exigências maiores nos termos do acordo, porém, as economias precisam de mais facilidades nas negociações para termos ambientes cada vez mais competitivos e mais eficientes, pontos esses que são extremamente necessários para o crescimento econômico mundial.

A abordagem multilateral para o comércio global ainda faz sentido em um mundo cada vez mais polarizado?

Marcelo Corsi – Apesar de ter ocorrido no século passado, já passamos por momentos muito mais polarizados do que o momento atual. Nesse momento, a saída foram os acordos multilaterais. Apesar de se tornarem mais difíceis em momentos de polarização, a multilateralidade se torna cada vez mais necessária para termos uma solução mais pacífica e eficiente para todos os lados envolvidos.

Como o Brasil pode aproveitar as oportunidades com a transição verde?

Marcelo Corsi – O Brasil é o país com mais possibilidades de liderar a transição verde. Com regiões com disponibilidade hídrica, alta incidência solar e ventos constantes, temos os elementos naturais necessários para a implementação e o desenvolvimento de energias renováveis. Porém, por se tratar de projetos de elevada utilização de capital e retornos no longo prazo, caso não tenhamos incentivos governamentais através de menores impostos e linhas de crédito facilitadas, a transição será lenta demais e podemos até perder a oportunidade de sermos o referencial.

Quais as perspectivas e impactos no Brasil com relação ao câmbio, commodities agrícolas, petróleo e inflação? E o minério de ferro?

Marcelo Corsi – câmbio que não perderá muito poder de compra, porém, não acredito que se apreciará a ponto de ser aproveitado pela maior parte da população. As commodities agrícolas devem ainda se manter em queda devido às produções ainda elevadas este ano. O que será bom para nossa balança comercial. O petróleo deve manter um patamar de preços elevados devido aos conflitos. Caso mais países do Oriente Médio entrem no conflito, a situação só piorará. A inflação brasileira ainda está bem abaixo do que era esperado para um governo com maiores gastos, porém, devemos lembrar que esses impactos vêm com o tempo e não são sentidos de imediato. Caso a situação fiscal não melhore, a inflação não ficará nos níveis atuais e voltará a ser um problema.

O Brasil se beneficiou com mercados de grãos, como trigo e milho. Há outros benefícios na economia que o país conseguiu obter ganho?

Marcelo Corsi – O segmento petroquímico foi bastante impulsionado junto com o segmento de grãos. O que, dada a composição da nossa bolsa de valores, auxiliou para que o índice tenha uma boa performance nos últimos tempos. Além disso, com a queda da taxa de juros, estamos vendo um crescimento no segmento imobiliário que ainda não parece ter chegado em seu auge.

Por que a economia da Rússia não colapsou com esta extensa guerra? Para compararmos: em 2022, no primeiro ano da guerra, o PIB da Rússia recuou 1,2%, segundo dados oficiais. Analistas ouvidos pela Reuters acreditam que, em 2023, a economia russa cresceu 3,1%.

Marcelo Corsi – Com o auxílio de economias que não aderiram às sanções como a China e a Índia, o país conseguiu manter a economia nos primeiros meses da guerra. Porém, após diversos países terem que voltar a negociar com ela, como a Alemanha no caso do gás natural e o Brasil no caso dos fertilizantes, pode-se contornar as principais sanções impostas no início da guerra.

Quais os impactos da retirada de bancos russos do sistema Swift, excluindo o país do sistema financeiro global, da interrupção de diversas cadeias produtivas, marcação a zero de títulos russos (o mesmo que dizer que os títulos não têm mais valor) e desvalorização de quase 50% do rublo?

Marcelo Corsi – O principal problema foi a dificuldade criada para que fossem feitos comércio e transações dentro da Rússia, o que fez com que menos rublos russos fossem demandados pelo mercado, desvalorizando a moeda. Porém, a desvalorização da moeda também fez com que os produtos russos ficassem mais baratos para os demais países, ajudando a manter a economia russa aquecida.

 

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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