Nem Pibão, nem Pibinho

Gilmar Mendes Lourenço.
As estimativas preliminares do desempenho da economia brasileira, em 2023, realizadas pelo IBGE, demonstram evolução do produto interno bruto (PIB) inferior ao desejado por um governo populista, portador de nobres compromissos e prioridades sociais, e largamente superior aos prognósticos extremamente cautelosos, apresentados pelos meios especializados, no começo do ano passado.
Por essa ordem de cotejo interpretativo, a variação de 2,9% da grandeza macroeconômica em 2023, contra 3,1% da média mundial, calculada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), estaria longe de representar o “pibão” almejado pela inclinação inclusiva do presidente Lula.
Também não deve ser candidata ao rótulo de “pibinho”, conforme profetizavam os meios especializados no começo de 2023, inclusive aqueles destituídos de futurologia catastrofista, que projetavam expansão pouco abaixo de 1%, na hipótese mais otimista.
É prudente assinalar que os prognósticos modestos estavam baseados na inevitável interferência dos graves entraves internacionais, particularmente o aprofundamento das tensões geopolíticas, com o acirramento da disputa hegemônica entre Estados Unidos (EUA) e China para além das batalhas comerciais, e o reaparecimento de antigas e o surgimento de novas guerras.
Também afetava diretamente a formulação daqueles cenários desfavoráveis, a contínua exacerbação das apostas negativas acerca da trajetória das variáveis domésticas, sustentada no sentimento de malogro da orientação macroeconômica do novo grupo no poder.
Aquele panorama marcado pela descrença experimentou acentuado acirramento a partir do desconforto provocado pela inesperada, atrapalhada e frustrada tentativa de execução do projeto de golpe de estado, planejado em julho de 2022, conforme apontam investigações recentes da Polícia Federal.
Porém, o que interessa reter é que a marcha do PIB foi apoiada na agropecuária (15,1%), serviços (2,4%) e indústria (1,6%). A operação menos tenebrosa das engrenagens da economia nacional pode ser explicada pela conjugação entre o apreciável acréscimo das exportações do agronegócio e a recomposição do consumo público e das famílias, com efeitos irradiadores dinâmicos para frente e para trás em um conjunto expressivo de encadeamentos produtivos.
Tanto é assim que, pela ótica da demanda agregada, as exportações aparecem como a locomotiva da expansão, com elevação de 9,1%, determinada pela performance da indústria de mineração e agropecuária, notadamente de soja, graças à maturação plena dos permanentes ganhos de eficiência, contabilizados pelo segmento durante décadas, em virtude da abrangente e consistente retaguarda de pesquisa da Embrapa e da força do cooperativismo.
Igualmente relevantes para o bônus exportador foram a menor oscilação dos movimentos da taxa de câmbio e a estabilização da demanda, dado o declínio de -4% dos preços médios globais, de acordo com levantamentos do Banco Central (BC) e Commodity Research Bureau.
Já a subida de 3,1% do consumo privado doméstico pode ser imputada a resposta discreta, embora continuada, do emprego e da renda, à queda da inflação e dos juros e, notadamente, aos reflexos do retorno reorganizado das ações públicas de proteção social, da reintrodução do critério de atualização anual do valor do salário mínimo acima da inflação e da viabilização da renegociação de passivos, a partir da criação do programa Desenrola.
Os recursos oficiais absorvidos pelo Bolsa Família representaram quase 2% do PIB, em 2023, contra média histórica anual de 0,4% do PIB, e o programa Minha Casa Minha Vida deve propiciar a diminuição em 1/3 do déficit habitacional nacional, estimado em mais de 6 milhões de unidades, até 2026, beneficiando principalmente a população com rendimentos mensais inferiores a dois salários mínimos.
O desvio da curva ascendente repousou na taxa de investimento, ou formação bruta de capital fixo, que decresceu -3,0%, descendo do patamar de 17,8% do PIB, em 2022, para 16,5% do PIB, em 2023, com retração de -9,4% em máquinas e equipamentos, o que denota as carências fiscais do setor público e a insegurança empresarial em relação ao futuro.
A consolidação do ambiente favorável depende, de um lado, da eliminação do retrato de apatia econômica global, factível apenas com o empenho das autoridades monetárias das nações avançadas e emergentes na direção da diminuição dos juros, e, de outro, da supressão, ou ao menos amenização, dos embaraços da geopolítica, o que soa mais complicado.
No entanto, mesmo que aqueles dois desejados fenômenos não se viabilizem na dimensão desejada, juntos ou isoladamente, ou, o que é pior, não venham a se concretizar, conforme esboçado nos exercícios de extrapolação feitos por parcela relevante dos analistas internacionais, resta, aos atores políticos brasileiros, a necessidade de dedicado empenho no prosseguimento da desafiadora “tarefa de casa”, no sentido da criação de condições adequadas ao controle da temperatura dos negócios.
Mais precisamente, há que se perseguir a racionalização dos gastos públicos, a conclusão da simplificação dos impostos de incidência indireta, além da implantação de outros aprimoramentos institucionais, como a reforma administrativa, as privatizações e as concessões público privadas, mesmo com as enormes pressões das eleições para prefeitos e vereadores e do regresso do financiamento de governos regionais, ancorado nos bancos oficiais.
A propósito disso, não seria ocioso recordar que o gradativo alargamento do abrangente contrato social, estabelecido na Carta Constitucional de 1988, culminou em reserva de 93% do orçamento federal ao cumprimento dispêndios obrigatórios, restando apenas 7% para as despesas livres.
O problema é que com a multiplicação continuada dos poderes do legislativo, a fração de gastos livres vem sendo progressivamente abocanhada pelas chamadas emendas parlamentares, normalmente alocadas para o atendimento de redutos eleitorais e destituídas de encaixe nas políticas públicas.
O abandono do presidencialismo de coalização, substituído pelo de cooptação, conhecido como parlamentarismo disfarçado, provocou o pulo da participação das emendas nessa rubrica de 0,1%, em 2014, para 17,9%, em 2023, ou de R$ 200 milhões para R$ 34,5 bilhões, devendo atingir R$ 53 bilhões, em 2024, suplantando os desembolsos previstos para o novo PAC.
Contudo, é importante não perder de vista que, em caso de restauração dos compromissos políticos com a responsabilidade fiscal e a implantação da agenda de reformas, estará assegurado, em simultâneo, o manejo dos elementos de estabilização macroeconômica (juros, câmbio e inflação).
Na mesma linha, estará aberta a possibilidade de negociação coletiva de um projeto de futuro, atrelado às oportunidades e ameaças subjacentes à quarta revolução industrial e transição energética e amparado no binômio formado por educação e distribuição de renda.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.