Milei ¼: firme rumo ao Nobel de Economia

Gilmar Mendes Lourenço.
A Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), instância privada que congrega economistas e não economistas, sem caráter normativo, fiscalizatório ou de representação, confere anualmente, desde 1957, o título de “Economista do Ano” a um determinado profissional selecionado, por critérios objetivos, ainda que possam ser discutíveis.
Normalmente, se trata de personalidade portadora de atuação destacada em redutos acadêmicos, ou ocupante de cargo e atribuição de relevância no setor público, ou mesmo que dedicado a funções nobres no meio corporativo, público ou privado, nacional. Em 2024, a honraria foi endereçada a Roberto Campos Neto, então presidente do Banco Central (BC).
Paradoxalmente, neste ano de 2025, em uma espécie de mutação de protocolo, a entidade, de natureza extremamente conservadora, diga-se de passagem, anunciou a outorga do prêmio ao ultraliberal presidente argentino, Javier Milei, qualificando a escolha, em documento entregue em audiência com o referido chefe de governo, em 25 de fevereiro de 2025, na Casa Rosada, como “a mais acertada”.
O texto apresentado pelo grupo de emissários da OEB, no encontro com Milei, que inclusive o divulgou em suas redes sociais, enalteceu o talento e a persistência do presidente no emprego das políticas monetária e regulatória, que resultou na estabilidade econômica do país, em um estágio de inquietações e flutuações dos mercados.
Como a cerimônia formal de concessão da comenda acontecerá somente em agosto do corrente ano, delineiam-se chances concretas de ocorrência da segunda visita do argentino ao Brasil, que, por sinal, não desponta entre os incumbentes prediletos de Lula 3, sendo a recíproca rigorosamente verdadeira.
Cabe lembrar que a primeira vinda do presidente Milei ao território brasileiro aconteceu em julho de 2024, para participação, ao lado do ex-presidente, Jair Bolsonaro, da Conferência Política de Ação Conservadora (Cpac), evento da extrema direita, realizado em Balneário de Camboriú, em Santa Catarina. Milei não com compareceu ainda às cúpulas do Mercosul e do G20, acontecidas no Brasil, no ano passado.
Um esforço cuidadoso de entendimento e interpretação da ousada e efusiva celebração do comandante argentino, pela OEB, exige uma rigorosa, ainda que breve, recuperação das competências e atribuições subjacentes a essa respeitável categoria social.
No fundo, a função básica do profissional de economia reside na elaboração de estudos de viabilidade ou, mais precisamente, no cálculo, antecipado, das possibilidades de êxito de um projeto específico ou de toda a política econômica de um país, pois a dimensão do acontecimento a ser estudado é o que menos importa.
Seu trabalho consiste em estudar e planejar minuciosamente para que os negócios deem certo e/ou alcancem os melhores resultados, mesmo quando os recursos são insuficientes, aliás, principalmente nesses casos, dado que a economia, é considerada também a “ciência da escassez”, particularmente segundo a teoria neoclássica.
Por essa perspectiva, mesmo com minoria legislativa, a implantação de um arrojado programa clássico de austeridade fiscal – baseado na paralisação de obras e demissões de funcionários públicos, zeragem das transferências de recursos destinados às províncias e drástica diminuição dos dispêndios com educação -, a orientação macroeconômica argentina conseguiu transformar um déficit primário de 2,9% do PIB, em 2023, para um superávit de 1,8% do PIB, em 2024.
Na mesma linha, na conta financeira consolidada, conhecida como resultado nominal, que inclui os encargos com o serviço da dívida (juros e amortizações) também aconteceu alteração de sinal, com a troca de desequilibro de 6,1% do PIB, em 2023, para saldo positivo de 0,3% do PIB, em 2024, de acordo com estimativas do Ministério da Economia daquela nação.
Em consequência, a inflação oficial despencou de 211,4%, em doze meses encerrados em dezembro de 2023, para 117,8%, em semelhante intervalo de 2024, o que, para a OEB, justificaria as felicitações ao titular da economia, Luis Caputo, e a condecoração a Milei.
Porém, o terreno das intricadas relações econômicas é dominado por autênticos pântanos, demarcadores do papel a ser desempenhado pelos diferentes agentes na “contenda distributiva”, definidora do arranjo dos preços relativos em circunstâncias de equilíbrio instável, conceito emprestado da física por algumas escolas de economia.
Mais especificamente, é crucial enxergar as movimentações reativas, defensivas e ofensivas dos atores socais, algumas vezes escondidas na teia formada por gélidas estatísticas e indicadores e, quase sempre, imperceptíveis à observação e alheias ao raciocínio político, o que implica penalização dos competidores detentores de menor poder de negociação, quando não engolida pela força dos oligopólios.
Não por acidente, o boom exportador – apoiado na combinação de supersafra agrícola, subida das cotações globais das commodities primárias e apreciável desvalorização do peso – não conseguiu evitar o empuxe recessivo da atividade econômica, com desdobramentos nocivos sobre o tecido social, do pacotão patrocinado por Milei, dirigido prioritariamente à obtenção do ajuste fiscal e reversão da escalada inflacionária, como já sublinhado.
De acordo com estimativas do Banco Mundial (BIRD), o produto interno bruto (PIB) argentino encolheu quase 4%, em 2024 – não obstante a retórica oficial apontar estranha redução de somente 1,8% -, puxado pelo recuo de mais de 9% na produção industrial.
Ademais, cálculos do Conselho Nacional de Coordenação de Políticas Sociais (CNCPS), ligado ao Ministério do Capital Humano, revelam, a despeito da curva descendente constatada desde o terceiro trimestre de 2024, que pouco menos da metade da população da Argentina encontra-se abaixo da linha de pobreza, o que corresponderia a rendimentos mensais per capita inferiores a R$ 665.
Nessas circunstâncias, urge compreender e/ou resgatar que a contribuição social do economista repousa na preparação do terreno para a diminuição dos riscos e o aumento das chances, por meio da identificação e oferecimento, para pessoas, empresas e instituições, dos melhores caminhos, táticas e providências, visando ao alcance do sucesso em suas empreitadas.
A propósito disso, a eterna mestra, Maria da Conceição Tavares (24.04.1930-08.06.2024), foi bastante direta e incisiva ao afirmar que economistas desatentos com a justiça social e despreocupados com a destinação da fatura a ser quitada, seriam apenas tecnocratas e não profissionais sérios.
Portanto, a iniciativa da OEB em conceder esse tipo de homenagem a Milei pode ser compreendida, por critérios bastante benevolentes, como precipitada, infeliz, destituída de sensatez e deslocada dos princípios elementares e seculares da ciência econômica.
Aliás, a percepção racional recomenda que, ainda que houvesse novidades e/ou avanços científicos na terapia aplicada por Milei (o que não parece ser o caso, dada a utilização de doses cavalares dos amargos remédios da velha ortodoxia fiscal), seria necessário aguardar o encerramento do ciclo ou timing de maturação das duras providências adotadas.
Sem contar o polêmico envolvimento do argentino com a criptmoeda Libra, com acusações de fraudes, em análise pelo Ministério Público Federal (MPF), que teriam ocasionado substanciais perdas a investidores, empenhados na reconquista do capital aplicado, através de uma ação civil em Nova York.
Até porque, com o risco de propagação de diagnósticos tão triunfalistas e afoitos, não seria absurda a multiplicação de apostas na indicação do mandatário da Argentina ao Nobel de Economia.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, Mestre em Engenharia da Produção, ex-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.Instituto Paranaense de Desenvolvimento econômico (Ipardes), ex-conselheiro da Copel e autor de vários livros de Economia.