Crédito do Trabalhador avança, mas gargalos operacionais e tecnológicos limitam potencial

Apesar de mais de R$ 8 bilhões contratados, novo modelo de crédito consignado enfrenta desafios que impedem a queda de juros e maior adesão das instituições financeiras
Desde seu lançamento, em 21 de março, o Crédito do Trabalhador — nova modalidade de crédito consignado voltada a empregados da iniciativa privada — já movimentou mais de R$ 8,2 bilhões, com 1,5 milhão de contratos formalizados. Inicialmente disponível por meio da Carteira de Trabalho Digital, a contratação passou a ser possível também via aplicativos de bancos e fintechs a partir de 25 de abril.
Apesar do avanço, o volume contratado até o momento representa apenas uma pequena fração do potencial estimado pelo governo, que projeta um mercado com capacidade para ultrapassar os R$ 100 bilhões.
Anunciado como uma medida para democratizar o acesso ao crédito entre trabalhadores de menor renda, o programa ainda esbarra em entraves estruturais e tecnológicos que limitam sua escalabilidade e dificultam a entrega de taxas mais competitivas — especialmente em comparação ao crédito consignado tradicional para servidores públicos ou aposentados.
Helton Paris, CEO da Fint, empresa especializada na integração de sistemas de crédito consignado, comenta que “o modelo é promissor, mas ainda há um descompasso entre a proposta e a execução”. A operação depende de uma complexa engrenagem envolvendo Dataprev, eSocial e instituições financeiras, muitas das quais ainda não possuem experiência com crédito consignado. Paris ressalta que o grande desafio está em integrar todos esses sistemas com segurança e agilidade, algo que, por enquanto, ainda não acontece com a fluidez necessária.
Um início robusto, mas abaixo do potencial
Segundo dados do Ministério do Trabalho, divulgados em 30 de abril, o valor médio dos contratos firmados no Crédito do Trabalhador foi de aproximadamente R$ 5,5 mil, com prazo médio de 16 parcelas.
Embora o programa tenha registrado uma adesão relevante na largada, as taxas de juros ainda estão acima do ideal. Em março, de acordo com o Banco Central, a taxa média do consignado para trabalhadores da iniciativa privada foi de 3,02% ao mês — bem acima dos 1,8% cobrados de servidores públicos e dos 1,66% aplicados a aposentados do INSS.
O objetivo central do programa é substituir dívidas mais caras, que chegam a 10%, 15% ou até 20% ao mês no crédito pessoal ou no cheque especial, por uma modalidade com garantia e juros baixos. Mas isso só será possível “quando houver uma infraestrutura operacional consolidada”, avalia Paris.
Desafios estruturais do modelo
Embora o Crédito do Trabalhador tenha avançado, ainda há obstáculos a serem superados para que o modelo atinja seu pleno potencial, com mais competitividade e taxas mais baixas. Helton Paris aponta quatro aspectos essenciais que precisam ser ajustados para o sucesso do programa.
“Não é uma questão de demanda — ela está presente e é real. O que enfrentamos agora são os desafios operacionais iniciais, comuns a qualquer modelo inovador, além da curva de aprendizado das instituições financeiras, que, em muitos casos, ainda não operam com crédito consignado. É justamente nesse ponto que a tecnologia precisa ter um papel central”, explica o executivo.
- Desafios tecnológicos das instituições financeiras
Muitos bancos e fintechs ainda estão integrando seus sistemas à plataforma da Dataprev. Essa adaptação inicial impacta a velocidade da oferta, mas, com o tempo, espera-se que a competitividade aumente e a experiência do trabalhador melhore à medida que as integrações sejam finalizadas. - Risco de inadimplência e falta de histórico de performance
Como o repasse do valor descontado em folha depende da empresa empregadora, as instituições financeiras atribuem maior risco a trabalhadores de empresas com as quais ainda não têm relacionamento. Além disso, por se tratar de uma modalidade recente, ainda não há um histórico consolidado de desempenho da carteira. Com o avanço do programa, no entanto, espera-se que os dados acumulados contribuam para uma melhor avaliação do risco, permitindo a redução gradual das taxas. - Adoção do modelo pelas instituições financeiras
As instituições financeiras apresentam diferentes níveis de familiaridade com a modalidade. Algumas já operam com o consignado privado, mas com empresas conhecidas; outras ainda não atuam com crédito consignado; e há aquelas que operam apenas com consignado para INSS e servidores públicos, sendo o privado uma novidade. À medida que superam a curva de aprendizado e refinam as integrações, o modelo tende a se tornar mais ágil, seguro e eficiente. - FGTS como garantia ainda sem regulamentação
O uso do FGTS como garantia complementar pode contribuir significativamente para a redução das taxas de juros. Contudo, a medida ainda depende de regulamentação por parte do Conselho Curador do FGTS, cuja reunião está marcada para 15 de junho. A aprovação dessa norma pode liberar todo o potencial do modelo, ampliando a oferta de crédito e melhorando as condições para os trabalhadores.
Portabilidade antecipada pode destravar crescimento
Outra medida que pode acelerar o crescimento da modalidade é a portabilidade de crédito entre instituições, inicialmente prevista para junho, mas antecipada para 6 de maio, conforme anunciado pelo ministro Luiz Marinho. Com a mudança, os trabalhadores poderão migrar seus contratos para instituições que ofereçam melhores taxas.
Para Helton Paris, a medida pode estimular a concorrência, mas depende da preparação técnica do mercado. “Portabilidade é um mecanismo essencial para aumentar a eficiência do mercado, mas exige integração entre diversos sistemas e um processo longo de educação do trabalhador. Sem isso, o processo pode se tornar mais uma dor de cabeça para o consumidor do que uma solução”, alerta.