Fraqueza da recuperação da confiança e do governo
As manifestações e sentimentos de integrantes de unidades empresariais e familiares, captadas por pesquisas recentes realizadas por entidades representativas das corporações industriais e comerciais, revelam sinais confusos e, por vezes, contraditórios, acerca do escape da economia brasileira do fundo do poço recessivo, no qual foi atirada desde o princípio de 2014, e da criação de condições objetivas ao desencadeamento de uma firme recuperação das atividades.
Do lado das firmas, identificam-se discretas indicações de reversão do pessimismo. De acordo com sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI), mesmo tendo subido pelo segundo mês seguido, e atingindo 45,7 pontos (em uma escala de zero a cem, representando confiança ao suplantar 50 pontos), em junho de 2016, contra 38,9 pontos, no mesmo mês de 2015, o índice de confiança do empresário industrial (ICEI) ainda não traduz, com precisão, o retorno do otimismo do segmento privado fabril, situando-se abaixo da média histórica de 54,3 pontos.
Na mesma linha, conforme levantamentos da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o índice de confiança do empresário do comércio (ICEC) chegou a 82,3 pontos em junho de 2016 (faixa de zero a 200), versus 79,2 pontos, em maio, e 87,8 pontos, em junho de 2015. Apesar de refletir o começo da construção do retorno de expectativas menos desfavoráveis, o indicador ainda está bastante distante do pico de 130,6 pontos, registrado em dezembro de 2011.
Pelo ângulo dos consumidores, o cenário prospectivo ainda é sombrio. Conforme inquérito da CNI, o índice nacional de expectativa do consumidor (INEC) declinou de 105,2 pontos (oscila entre zero e duzentos) para 101 pontos, entre maio e junho de 2016. Mesmo situando-se abaixo da média histórica (109,1 pontos), a graduação é bastante superior à constatada no mesmo mês de 2015 (96,2 pontos), quando já aflorava a deterioração das condições de governabilidade do País e, por extensão, de funcionamento do aparelho de produção, distribuição e consumo.
Em paralelo, investigação da CNC apurou que a intenção de consumo das famílias (ICF) decresceu de 86,9 pontos (zero a 200), em julho de 2015, para 68,7 pontos, em julho de 2016, a mesma marca de junho do corrente ano, a pior da série histórica da pesquisa, iniciada em 2010.
É fácil perceber a constituição de um ambiente menos denso, na comunidade empresarial, a partir do afastamento, por parte do Senado da República, em 12 de maio de 2016, da presidente Dilma Rousseff, para julgamento do procedimento de impeachment, em 180 dias, e a posse imediata, em caráter provisório, do vice, Michel Temer, acompanhada da montagem de nova equipe econômica e explicitação de diretrizes, bastante gerais, centradas em preocupações com o ajuste fiscal e as reformas estruturais, como requisitos básicos à melhoria do clima de negócios e à restauração das condições de expansão econômica duradoura, especialmente depois do julgamento, condenação e destituição da chefe de estado.
Contudo, embora contando com forças aliadas exógenas, expressas em um panorama global menos inóspito aos mercados emergentes, especialmente com a subida das cotações das commodities e o adiamento da elevação dos juros nos Estados Unidos, o governo interino vem exprimindo fraquezas, contradições e acentuada suscetibilidade a movimentos corporativistas, sintetizadas em concessões a segmentos do funcionalismo público, avaliadas em quase R$ 68,0 bilhões até 2018, que, por certo, devem atrapalhar a agenda de esforço fiscal e a contenção da marcha explosiva da dívida pública e atrasar a redução dos juros.
Ademais, a fixação das metas de déficit primário em R$ 170,0 bilhões, em 2016, e R$ 139,0 bilhões, para 2017, contando para este último com arrecadação extra de R$ 55,4 bilhões, oriunda de privatizações, concessões e ampliação de receita derivada da reativação econômica, e a generosa renegociação dos passivos dos estados, podem enfeixar mensagens de frouxidão orçamentária, apesar da definição de não ocorrência de acréscimo real dos dispêndios, o que, não deve se confirmar em caso de recuo da inflação.
Não bastasse essa ducha de água fria, afora o pontapé inicial da reforma da previdência, evidenciado pela abertura das discussões e negociações com os atores interessados, e a conquista da aprovação da prorrogação das desvinculações das receitas da união (DRU), junto ao Congresso, o executivo tem se comportado de maneira omissa na designação e encaminhamento das mudanças institucionais requeridas para a contração do custo Brasil e a multiplicação da eficiência da microeconomia nacional.
No mundo real, o índice de atividade econômica do Banco Central (IBC-Br), uma espécie de prévia do produto interno bruto (PIB), recuou -5,51% em doze meses encerrados em maio de 2016. Adicionalmente, verifica-se flagrante precarização do quadro financeiro das empresas, por conta da elevação dos custos financeiros e do encolhimento do consumo, associado à diminuição da massa salarial (impulsão da desocupação e decréscimo das remunerações médias reais).
A Serasa Experian contabilizou 869 solicitações de falência no País, no primeiro semestre de 2016, ou variação de 8,9% em relação ao mesmo intervalo de 2015. Houve também 923 pedidos de recuperação judicial, superando em 87,6% o volume de 2015, em semelhante período, configurando o maior nível desde 2006, quando passou a vigorar a nova Lei de Falências.
No terreno dos humores da demanda para consumo, restrições objetivas e latentes, como desemprego e endividamento, impedem incursões mais ousadas ou a aplicação de doses exageradas de ânimo. A taxa de desocupação está em 11,2% da população economicamente ativa (PEA), equivalendo a 11,4 milhões de pessoas sem emprego a procura de trabalho, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A mesma CNC mostra, em outro trabalho, que, a despeito da diminuição do endividamento, de 62% do total das famílias, em junho de 2015, para 58,1%, em junho de 2016, houve elevação das contas de atraso, situação que atinge 23,5% dos consumidores, em junho de 2016, contra 21,3%, em idêntico mês de 2015, e, sobretudo da menção à completa incapacidade de pagamento, que subiu 7,9% para 9,1%, do total de consumidores, no intervalo em pauta.
Já a CNI denota que o índice de medo do desemprego acusou, em junho de 2016, 108,5 pontos (zero a duzentos), o maior nível da trajetória histórica, que começou em março de 1999 e cuja média é de 89 pontos. A par disso, o índice de satisfação com a vida chegou a 93,1 pontos, a segunda menor magnitude da série, atrás apenas de março de 2016 (92,4 pontos).
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, que é economista, consultor, professor da FAE, ex-diretor-presidente do IPARDES.