Lula 3: a primeira pesquisa de popularidade a gente nunca esquece
Gilmar Mendes Lourenço.
A avaliação popular do comportamento do governo Lula, no princípio do terceiro mandato do presidente, captada pelo Datafolha, pode ser considerada bastante aceitável, se se levar em conta o turbilhão de elementos adversos, alguns importados de 2022 e outros surgidos neste começo de 2023.
De acordo com a pesquisa, realizada junto a 2.028 pessoas, em 29 e 30 de março, em 126 municípios do país, Lula ostenta aprovação (conceito ótimo e bom) de 38% dos entrevistados e reprovação (nota ruim e péssima) de 29%, sendo que 30% conferiram o selo regular e 3% preferiram não responder à sondagem (tabela 1).
TABELA 1 – BRASIL – POPULARIDADE DOS PRESIDENTES DA REPÚBLICA NOS PRIMEIROS MESES DE MANDATO, SEGUNDO CONCEITOS |
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PRESIDENTE | CONCEITO (EM % DE ASSINALAÇÕES) | ||
ÓTIMO/BOM | REGULAR | RUIM/PÉSSIMO | |
Collor – jun.1990 | 36 | 43 | 19 |
Itamar – dez.1992 | 34 | 45 | 11 |
FHC 1 – mar.1995 | 39 | 40 | 16 |
FHC 2 – fev.1999 | 21 | 39 | 36 |
Lula 1 – mar./abr.2003 | 43 | 40 | 10 |
Lula 2 – mar.2007 | 48 | 37 | 14 |
Dilma 1 – mar.2011 | 47 | 34 | 7 |
Dilma 2 – abr.2015 | 13 | 27 | 60 |
Bolsonaro – abr.2019 | 32 | 33 | 30 |
Lula 3 – mar. 2023 | 38 | 30 | 29 |
Fonte: Datafolha |
Considerando a obtenção de 50,9% dos votos válidos em 30 de outubro de 2022, pode-se inferir que aproximadamente 8 milhões de eleitores que contribuíram para o regresso do petista ao Palácio do Planalto preferiram não participar da costumeira lua de mel, confirmando a natureza inexorável de desgaste de capital a partir a posse de qualquer comandante.
Um cotejo retrospectivo compreendendo intervalos de tempo semelhantes de administração do Poder Executivo permite aferir que o atual incumbente tem desempenho pior que o de Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 1995, Lula 1 e 2 (2007) e Dilma 1 (2011).
A popularidade de FHC estava diretamente atrelada à continuidade da onda de desinflação proporcionada pelo processo de ajustamento macroeconômico lançado em 1993 que culminou com a edição do Plano Real, em julho de 1994, apesar dos desdobramentos negativos das correções cambiais acontecidas em dezembro de 1994, em face dos efeitos da crise mexicana.
O encanto com Lula 1 adveio da previsibilidade causada pela intensificação da orientação econômica conservadora, praticada pelo ministro da Fazenda, Pedro Mallan, entre 1999 e 2002, amparada no tripé constituído por superávits fiscais primários, metas de inflação e câmbio flutuante.
Já a boa aceitação de Lula 2, em 2007, depois do escape das agruras do escândalo do Mensalão, repousava na colheita dos resultados ensejados pela gerência fiscal ortodoxa do primeiro mandato, maturação plena das mudanças institucionais e dos programas de transferência de renda, plantados por seu antecessor, a extensão da fartura de crédito oficial, os dispêndios da Petrobrás no pré-sal e o boom global das commodities, puxado pelo avanço exponencial da demanda chinesa.
Na sequência, a confiança no governo Dilma decorria do transbordamento da aprovação popular do final de mandato de Lula 2, quando a economia doméstica, blindada dos impactos depressivos da crise financeira internacional de 2008-2009, por meio da abundante irrigação de recursos fiscais e adoção de uma política monetária ativa, especialmente com a alocação de somas subsidiadas por parte dos bancos públicos, crescia em ritmo chinês.
Em confronto com inquéritos opinativos do passado recente, é fácil perceber que largada de Lula 3 se revela melhor que a do seu antecessor em 2019, que, desde o nascedouro demonstrou competência impar em desperdiçar chances virtuosas oferecidas pelo ambiente externo e endógeno.
No front exógeno ressalta a continuidade do movimento de recuperação da economia, com discreta inflexão em 2018, por conta da eclosão do conflito comercial entre Estados Unidos (EUA) e China, precipitado por inúmeras sanções lançadas pelo presidente Trump e respondidas de pronto pela autoridade asiática.
Do lado doméstico, destaca-se a negligência com a herança bendita oferecida pela curta administração de Michel Temer, depois do impeachment de Dilma Rousseff, formada pelo esforço da reforma da previdência, introdução de constitucionais na legislação trabalhista, aprovação da Lei de Responsabilidade das estatais, restauração da saúde financeira da Petrobras, montagem de um programa de privatizações, dentre outros aprimoramentos.
Contudo, um exame mais atento e aprofundado das manifestações e vocalizações da sociedade a respeito de Lula 3, mensurados pelo Datafolha, sugere a combinação de fortalezas a serem otimizadas e ameaças carentes de minimização e/ou eliminação.
No elenco de potencialidades sobressai a peculiaridade positiva, absorvida integralmente por Lula no transcorrer do ciclo eleitoral polarizado de 2022, sufocando espaços à viabilização de opções no centro democrático na apreensão da condição de representar a única saída para o livramento da nação do maior retrocesso civilizatório da história.
Especificamente no segundo turno da disputa, ao arregimentar frações à direita do espectro ideológico, descontentes e/ou arrependidas da escolha feita em 2018 e simpáticas à constituição de ampla aliança de interesses associados à implantação de uma plataforma de inserção externa competitiva e sustentabilidade fiscal, social e ambiental, Lula consolidou a vitória, ainda que por margem pequena, em uma demonstração cabal de remarcação de posição da direita e, notadamente, de renascimento vitaminado dos movimentos de ultradireita no país.
Igualmente no terreno dos ativos contabilizados pelo presidente, reforçados com o abandono de fato das funções de governante pelo anterior, logo depois da derrota eleitoral não reconhecida, aparece o empenho no sentido do estabelecimento do diálogo e negociação política com o parlamento para a aprovação da PEC da transição, para desarmar a bomba de irresponsabilidade fiscal, construída pelo antecedente, e outras demandas financeiras de caráter social, fruto de promessas de campanha feitas pelos dois lados em 2022.
Em idêntica perspectiva, salta aos olhos o rápido desmanche por vias institucionais das iniciativas de derrubada da democracia, ensaiadas por grupos de inconformados com o placar de desfecho do episódio eleitoral, e materializadas nos ataques às instalações dos três poderes em Brasília, em oito de janeiro de 2023.
Contudo, o retrato disponibilizado pelo Datafolha também traduz um Lula 3 com reduzida margem de manobra, em comparação com os outros dois momentos de governo, em razão das dificuldades impostas por profundas alterações no cenário econômico e geopolítico planetário, acossado pelos riscos de estagflação (inflação e estagnação dos níveis de produção e comércio) e o protagonismo chinês e estreitamento de laços com a Rússia.
Na mesma linha, há a inquestionável acentuação do quadro de desaceleração da economia interna, explicado pelas forças contracionistas externas e pelos sinais de estouro da bolha de endividamento público e privado (famílias e empresas), imputada aos desdobramentos da marcha inflacionária (importada e caseira) e às escorchantes taxas de juros cobradas por intermediários financeiros.
Presos à rolagem da dívida pública, com piso de remuneração referenciado na Selic, e comodamente atuantes em estruturas de mercados oligopolizadas – que se apoderam do grosso da captação e dos empréstimos e financiamentos -, as grandes instituições demonstram autêntica aversão à competição intercapitalista.
Conforme o Banco Central (BC), os empréstimos destinados ao varejo de bens duráveis e não duráveis diminuíram -5,7% e -4,7%, respectivamente, no primeiro bimestre de 2023, coincidindo com veementes protestos contra os juros elevados emitidos pela presidente do conselho do Magazine Luiza.
Para complicar, segundo o IBGE havia, em dezembro de 2022, 12,47 milhões de pessoas em condições de miserabilidade, identificada por rendimento mensal médio inferior a R$ 208.
Por essa ordem de preocupações, Lula 3 vem insistindo na descoberta e preparação de alguns atalhos à atmosfera adversa, por meio da reabilitação e reorganização da agenda de políticas públicas, demolidas entre 2019 e 2022, testadas em estágios pretéritos e endereçadas prioritariamente à diminuição da pobreza extrema, precisamente o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, além do novo Programa de Aceleração do Crescimento.
O nó górdio reside na fuga da proposição de pacificação nacional, reiterada nas eleições de 2022, preponderantemente com o alargamento dos apoios no segundo turno e a garimpagem de segmentos esgotados das posições anacrônicas do agente político negacionista, que embora com restrições a Lula 1 e 2, o sufragaram em benefício do contrato de estabilidade.
Mais do que isso, na falta de conselheiros de peso, abundantes em 2003, com cacife suficiente para contestá-lo entre quatro paredes, Lula 3 tem paradoxalmente se esforçado na imitação do derrotado, mediante o acirramento de rivalidades, tensões e rancores, nascidos em 2013, o que, por definição, não coaduna com comportamentos de estadistas.
Em vez de ecoar as impressões generalizadas dos indiscutíveis abusos e irregularidades promovidas por alguns procuradores e juízes da força-tarefa da operação Lava-Jato, com o propósito de atingir alvos pré-definidos, o presidente tem preferido desacreditar as investidas anticorrupção no país, como se não passassem de peças de ficção de armação política.
Não por acaso, nos bastidores de Brasília levanta-se a hipótese de transferência do prefeito de Araraquara, Edinho Silva, ativo escutador e aconselhador em todas as horas, para as paisagens ocupadas pelo presidente, na perspectiva de deslocamento do foco da gestão do núcleo ideologizado e fiel em favor da reconstrução da conexão com a coalizão ampla formada por expressivas porções operantes fora da base radical do petismo.
Até porque, a conjuntura política não permite vacilos. O magnetismo exercido pela extrema direita sobre a comunidade evangélica neopentecostal e as camadas do topo da pirâmide de rendimentos mantêm-se firme, a ponto de impedir, ao menos por enquanto, sequer o recolhimento dos cacos deixados pelo caminho com o fiasco da terceira via.