Educação brasileira e ausência de políticas de estado

Educação brasileira e ausência de políticas de estado
Gilmar Mendes Lourenço.

Estatísticas apresentadas no documento Education at a Glance (Educação em Foco), produzido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado em 10 de setembro de 2024 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), servem para corroborar a natureza dramática do ensino brasileiro, malgrado os consideráveis aportes financeiros públicos (investimentos) direcionados ao setor.

Cumpre mencionar que se trata de criterioso esforço de estruturação de um quadro geral visando facilitar o entendimento da operação e a comparação dos diferentes sistemas de educação dos 38 países pertencentes à entidade e mais 11 tratados como parceiros, entre eles o Brasil.

De acordo com a OCDE, os desembolsos governamentais destinados à educação no Brasil equivaleram a 4,42% do produto interno bruto (PIB), em 2023, superando, em termos relativos, as somas despejadas por Estados Unidos (EUA) e não poucas nações europeias e asiáticas.

Porém, o relatório mostra que os dispêndios governamentais com educação no país declinaram de 11,2% para 10,6% do orçamento total, entre 2015 e 2021. Enquanto países da entidade aumentaram em 2% as cifras desembolsadas com ensino – medidas em dólares pelo critério de Paridade do Poder de Compra (PPP) -, no período, o Brasil diminuiu -2,5%, ostentando a segunda maior retração entre os 48 estados nacionais acompanhados, melhor apenas que a Argentina, que encolheu -5,2%.

A propósito disso, a publicação sopra que o Brasil teria preferido trilhar uma rota oposta ao da maioria das nações investigadas, durante o surto de Sars-CoV-2, notadamente no biênio 2020-2021, resultante da concatenação perversa entre resistência oficial na aceitação da gravidade do episódio sanitário, atraso no convencimento, ainda que discreto, da necessidade de imunização das pessoas e, principalmente, prolongado tempo de interrupção do funcionamento presencial das escolas.

A par disso, a predominância de inúmeras atitudes improvisadas na viabilização da educação remota, derivada das enormes disparidades de oferta adequada dos serviços pelos estabelecimentos e acesso aos protocolos de emprego da tecnologia pelos estudantes, ensejou retrocessos no aprendizado e, por extensão, na conquista dos elementos imprescindíveis à inclusão e mobilidade social.

De outra parte, a população adulta (25 a 34 anos) com formação escolar média incompleta caiu de 35% para 27% do total, entre 2016 e 2023, contra de 17% para 14% do total, na OCDE, o que possibilita o entendimento da persistente manutenção do estado de pobreza e da supressão de oportunidades de trabalho.

Na mesma linha, tomando o corte estatístico das pessoas entre 25 e 34 anos que “nem trabalham nem estudam”, observa-se recuo de 29,4% para 24% do total, o que pode ser avaliado como expressivo, versus de 15,8% para 13,8%, na média do organismo internacional. Em peso relativo, a diminuição foi menor somente que a da Itália (9,3%), Croácia (8,5%), México (6,9%), Polônia (6,5%) e Espanha (5,5%), sendo que a queda média dos membros da OCDE foi de apenas 2%.

A abdicação da escola pode ser imputada, segundo as métricas da OCDE, essencialmente ao imperativo de busca por emprego e renda (40,2%), gravidez precoce (22,4%) e exercício de funções domésticas e atenção a outros membros da família (10,3%).

Adicionalmente, o filme protagonizado por parcela relevante da população em idade ativa (PIA), fora dos bancos escolares, reflete a fragilidade da recuperação do mercado laboral brasileiro, desde o final de 2022, marcada por reduzida remuneração média estagnação da informalidade patamares próximos de 40% da força de trabalho.

Nessas circunstâncias, soa lícito admitir que a perpetuação do quadro de abandono escolar pelos jovens e, em consequência, o enfrentamento de enormes e crescentes barreiras ao encaixe no mercado de ocupações, advém invariavelmente da precária qualidade da educação recebida.

Paradoxalmente, o problema repousa na deficiente definição e hospedagem dos recursos disponíveis. O estudo da OCDE atesta que o gasto médio por aluno no ensino fundamental I (1º ao 5º ano), no Brasil, aferido em US$ 3,7 mil por ano, que corresponde a 31% da média da OCDE (US$ 11,9), repousa incomodamente em 36º lugar, em um painel de 41 países.

Os alunos brasileiros da educação básica recebem mais verbas apenas que os romenos, turcos, sul-africanos, mexicanos e peruanos, e situam-se atrás, na América do Sul, dos argentinos (US$ 3.679 – 35º posto), ao passo que os chilenos são contemplados com US$ 7 mil por estudante/ano.

As informações compiladas pela OCDE também permitem constatar carga horária dos docentes brasileiros dos anos finais do básico (6º ao 9º) 3,5% maior e remuneração anual média equivalente a pouco mais da metade dos análogos incorporados à média organização.

Além disso, a pesquisa registrou tímida elevação da presença daqueles docentes em atividade, com idade superior a 50 anos, de 17% para 25% do total, entre 2013 e 2022, ante de 32% para 34%, na OCDE, o que sugere contração da capacidade de transmissão de conhecimento por experiência acumulada.

Na educação fundamental II, que engloba alunos do 6º ao 9º ano, os valores empregados por estudante no Brasil são de US$ 3,7 mil/ano, ou 28% da média da OCDE (US$ 13,2 mil/ano).

No ensino médio, o país US$ 4 mil/ano por discente, ou 31,5% da média da OCDE (US$ 12,7 mil/ano), suplantando apenas Romênia, Turquia, África do Sul e Peru, e perdendo até para Costa Rica e Argentina, que alocam mais de US$ 5 mil por ano, por estudante. O certame é liderado por Luxemburgo (US$ 25 mil/ano), seguido de perto por Suíça e Noruega.

Esse conjunto de severos constrangimentos estaria na raiz do estacionamento brasileiro no pelotão inferior do ranking de performance dos discentes em provas internacionais de leitura, matemática e ciências, especificamente o Programme for International Student Assessment PISA), patrocinado pela OCDE.

Já o exame do indicador para a categoria da educação de terceiro grau enseja certificar radicalmente alteração de prioridades na nação, com gastos por aluno de US$ 13.569, o que corresponde a 79,2% da OCDE (US$ 17,1 mil). Ainda assim, o Brasil suplanta apenas Romênia, Turquia, África do Sul, México e Peru.

O pior é que o Brasil constitui um produto acabado enigmático, que explicita a absurda ausência de correlação direta entre, de um lado, o montante de gastos em educação e, de doutro, a resposta positiva no aprendizado dos estudantes e a inserção plena na dinâmica de ocupações e ações empreendedoras, em flagrante contraste com o comportamento mensurado em estados avançados e emergentes.

A nação está absolutamente entediada com retóricas políticas agressivas, dissociadas, na melhor das hipóteses, e confrontadoras, no pior dos mundos, do aceite da educação como a mais importante alavanca para a impulsão do desenvolvimento e a subsequente transformação em prioridade, tanto na fixação de diretrizes quanto na elaboração e execução de programas de estado.

O empenho no ajuste e reprodução de práticas exitosas, espalhadas pelo planeta, pode configurar um excelente passo inicial para uma virada do jogo. As bandeiras de revalorização dos professores e disseminação da implementação do ensino em tempo integral são consensuais entre especialistas, há mais de quatro décadas.

Em 1983, o governador eleito do estado do Rio de Janeiro, para o exercício do mandato popular entre 1983 e 1986, Leonel Brizola, encampou o projeto de instalação dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), concebido pelo antropólogo, professor Darcy Ribeiro.

Ao mesmo tempo em que, nas nações avançadas, as matrizes curriculares planejadas para estudantes matriculados no ensino médio contêm disciplinas profissionalizantes, no Brasil menos de 10% desse universo de alunos são beneficiados com ensino técnico.

Na Europa, os locais assinalados como em deterioração social mais acentuada, com predominância de população pobre, são agraciados com maior volume de recursos públicos por aluno, a densidade aluno/professor é menor e os docentes recebem prêmios por produtividade com bastante frequência.

Por aqui, o Fundeb, encarregado da cobertura financeira do ensino básico, vem enfrentando inúmeros obstáculos na aplicação generalizada do critério de bonificação dos estabelecimentos que obtenham a combinação entre ampliação do desempenho escolar e equidade.

Isso porque, inúmeras cadeias de ensino encontram-se acéfalas de dados e informações imprescindíveis à identificação do status social dos estudantes, o que impede tratamento especial aqueles menos favorecidos, notadamente em termos de rendimentos.

A insuficiência de atenção pormenorizada oportuniza a operação das unidades de ensino de maneira heterogênea, tanto em estoque e fluxo de infraestrutura quanto em qualificação e capacidade do quadro de professores, e, o que é pior, atrapalha o cotejo entre alocação de verbas e inventário de carências efetivas.

Urge ainda acolher, compreender e promover a proliferação de condutas regionais de sucesso, desvinculadas do derrame de vultosas cifras monetárias, como as experiências de Alagoas, Maranhão e Ceará, nos primeiros anos do fundamental, e Amapá, Pará, Amazonas e Piauí, no médio.

Tais estados contabilizaram as maiores variações nos marcadores de performance, entre 2019 e 2023, segundo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), calculado desde 2007 a partir da conjugação entre aprovação escolar, fornecida pelo Censo Escolar, e médias de desempenho, supridas pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Em contraposição, em interessante reflexão, veiculada pela Revista VEJA, de 21 de setembro de 2024, o ex-senador e ex-ministro, Cristovam Buarque, recomenda tratamento da defesa da educação semelhante ao conferido à bandeira do “O Petróleo É Nosso”, com o slogan “A Infância é Nossa”.

Para tanto, Cristovam desenterrou um estudo preparado pelo Senado da República, em 2011, aventando a hipótese de federalização do ensino escolar de base, com descentralização da gestão e autonomia pedagógica, como forma de escape da dependência das crônicas limitações orçamentárias das famílias e das mais de cinco mil prefeituras, que servem apenas para aprofundar o quadro de deterioração da qualidade, escassez de oportunidades e desigualdade.

Por fim, sem a obrigatoriedade de incursões e abordagens abstratas e/ou impertinentes, parece correto apreender, refletir e, sobretudo, reconhecer, os estragos ocasionados pelo caráter subserviente da educação a hipocrisias ideológicas e/ou vontades políticas das alianças hegemônicas, meros plantonistas em regimes democráticos, que, por sinal, preveem salutar alternância entre inquilinos dos poderes executivo e legislativo.

Lamentavelmente, por aqui, o âmago da funcionalidade democrática precisa ser reiteradamente lembrado, principalmente em um momento em que multiplicação de chamas no território apanha um governo absolutamente perdido, em função da junção do desmanche das instâncias de fiscalização ambiental, pela gestão antecessora, e da própria inação e incompetência.

Em vez de ferrenho empenho em iniciativas para reconstituição do aparato ambiental, destruído pela administração das trevas, e na preparação e execução de medidas antecipatórias aos desastres climáticos, o executivo federal vem privilegiando a utilização do tempo com agrados à uma retaguarda legislativa flutuante e tomadas de decisões retardadas, como a recente demissão do ministro assediador somente depois da ampla repercussão dos crimes cometidos pela imprensa.

Quanto ao parlamento, com incontáveis assuntos de apreciável envergadura para tramitação e discussão, em um autêntico movimento de chantagem, nas tratativas para as eleições à presidência da Câmara dos Deputados e do Senado, limita-se ao esforço de viabilizar a pauta levantada pela extrema-direita, por ocasião da celebração do aniversário da independência do Brasil, em São Paulo.

A primazia do legislativo tem sido a busca da anistia à turba dos atos antidemocráticos de oito de janeiro de 2023 e do impeachment justamente do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) encarregado da recepção das acusações e do julgamento dos indiciados e dos inquéritos referentes à disseminação de notícias falsas pelas mídias digitais.

Mirian Gasparin

Mirian Gasparin, natural de Curitiba, é formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduada em Finanças Corporativas pela Universidade Federal do Paraná. Profissional com experiência de 50 anos na área de jornalismo, sendo 48 somente na área econômica, com trabalhos pela Rádio Cultura de Curitiba, Jornal Indústria & Comércio e Jornal Gazeta do Povo. Também foi assessora de imprensa das Secretarias de Estado da Fazenda, da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e da Comunicação Social. Desde abril de 2006 é colunista de Negócios da Rádio BandNews Curitiba e escreveu para a revista Soluções do Sebrae/PR. Também é professora titular nos cursos de Jornalismo e Ciências Contábeis da Universidade Tuiuti do Paraná. Ministra cursos para empresários e executivos de empresas paranaenses, de São Paulo e Rio de Janeiro sobre Comunicação e Língua Portuguesa e faz palestras sobre Investimentos. Em julho de 2007 veio um novo desafio profissional, com o blog de Economia no Portal Jornale. Em abril de 2013 passou a ter um blog de Economia no portal Jornal e Notícias. E a partir de maio de 2014, quando completou 40 anos de jornalismo, lançou seu blog independente. Nestes 16 anos de blog, mais de 35 mil matérias foram postadas. Ao longo de sua carreira recebeu 20 prêmios, com destaque para o VII Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º e 3º lugar na categoria webjornalismo em 2023); Prêmio Fecomércio de Jornalismo (1º lugar Internet em 2017 e 2016);Prêmio Sistema Fiep de Jornalismo (1º lugar Internet – 2014 e 3º lugar Internet – 2015); Melhor Jornalista de Economia do Paraná concedido pelo Conselho Regional de Economia do Paraná (agosto de 2010); Prêmio Associação Comercial do Paraná de Jornalismo de Economia (outubro de 2010), Destaque do Jornalismo Econômico do Paraná -Shopping Novo Batel (março de 2011). Em dezembro de 2009 ganhou o prêmio Destaque em Radiodifusão nos Melhores do Ano do jornal Diário Popular. Demais prêmios: Prêmio Ceag de Jornalismo, Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa do Paraná, atual Sebrae (1987), Prêmio Cidade de Curitiba na categoria Jornalismo Econômico da Câmara Municipal de Curitiba (1990), Prêmio Qualidade Paraná, da International, Exporters Services (1991), Prêmio Abril de Jornalismo, Editora Abril (1992), Prêmio destaque de Jornalismo Econômico, Fiat Allis (1993), Prêmio Mercosul e o Paraná, Federação das Indústrias do Estado do Paraná (1995), As mulheres pioneiras no jornalismo do Paraná, Conselho Estadual da Mulher do Paraná (1996), Mulher de Destaque, Câmara Municipal de Curitiba (1999), Reconhecimento profissional, Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (2005), Reconhecimento profissional, Rotary Club de Curitiba Gralha Azul (2005). Faz parte da publicação “Jornalistas Brasileiros – Quem é quem no Jornalismo de Economia”, livro organizado por Eduardo Ribeiro e Engel Paschoal que traz os maiores nomes do Jornalismo Econômico brasileiro.

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