Crise Made in Brazil: a culpa é dos outros
De maneira surpreendente, o presidente do Banco Central (BC) do Brasil, praticamente antecipou, na véspera da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada em 20 de janeiro de 2016, a decisão de que não haveria elevação da Selic, contrariando, rigorosamente, todas as mensagens transmitidas ao mercado anteriormente.
A motivação para a alteração de postura da autoridade monetária repousaria na necessidade de incorporação, no conjunto de dados e informações em apreciação, das variáveis descritivas do agravamento das perturbações de ordem externa, sintetizadas na revisão das projeções de desempenho da economia mundial, feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Por certo, parece absolutamente correta a interpretação acerca da ineficácia da estratégia de majoração dos juros para a reversão das expectativas inflacionárias no Brasil, devido ao aguçamento da recessão, em um ambiente de correção de preços administrados, represados politicamente durante alguns anos, depreciação cambial e parcos esforços fiscais, por parte do governo federal.
Logo, ao reconhecer a sua impotência em combater o monstro sozinho e a premência em abrandar a situação cadente da atividade econômica, o BC até poderia optar pela deflagração de um curso de diminuição dos juros e passar a partilhar, ou mesmo transferir, a responsabilidade antiinflacionária com a política fiscal, até aqui ausente das empreitadas dirigidas à recuperação dos fundamentos da estabilização.
Para tanto, o BC deveria, gradativamente, sinalizar a intenção de adotar esse tipo de conduta para coordenar a reordenação das expectativas dos agentes. Em não fazendo isso, demonstrou, cabalmente, o abandono dos mecanismos técnicos implícitos nas escolhas e a submissão aos interesses políticos rasteiros prevalecentes no Palácio do Planalto, centrados na prioridade de salvar a presidente Dilma do impeachment.
Aliás, os incentivos monetários anunciados no convescote do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em 28 de janeiro, ao lado dos pedidos de apoio à aprovação da recriação da CPMF e das desvinculações das receitas da união (DRU), junto ao Congresso, e da insinuação de uso de parte das reservas internacionais para bancar projetos em infraestrutura, estão em perfeita sintonia com aqueles tropeços e equívocos.
Não bastasse isso, convém entender que, ao rever as previsões do comportamento da economia global, o Fundo simplesmente confirmou, no caso do Brasil, a intensificação da retração do produto interno bruto (PIB), esboçada nos prognósticos médios traduzidos pela pesquisa Focus, do próprio BC, baseada na consulta semanal a mais de cem atores financeiros.
Nessa linha, a nova fisionomia da instabilidade mundial reproduziria a combinação entre fortalecimento do dólar, fruto da moderada subida dos juros nos Estados Unidos (EUA), forte desaceleração do crescimento chinês, para desmontar a bomba acionária derivada da pronunciada impulsão do crédito bancário, desde a eclosão da turbulência planetária de 2008, e queda das cotações do petróleo.
O declínio dos preços do óleo estaria amparado na acumulação de estoques, por conta da menor expansão da demanda, da maior oferta americana oriunda da exploração das reservas de xisto, da eliminação dos embargos comerciais ao Irã e da ampliação da produção do Iraque e, principalmente, da Arábia Saudita, com custos médios bastante inferiores aos registrados em outros países.
Alguns analistas sugerem que a revalorização do dólar, o brando ajuste dos juros nos EUA, a contenção do supercrescimento da economia da China e a retração do mercado de petróleo, e das demais matérias primas, representariam a restauração dos pilares de uma crise global.
Mas, apenas para levantar uma hipótese explicativa alternativa, tais eventos poderiam exprimir o realinhamento dos preços relativos, em sintonia com a lenta, porém generalizada, reativação das transações e da produção, em âmbito mundial, puxada pela continuada reação dos EUA, a superação da recessão no continente europeu, os juros negativos no Japão e a desaceleração dos emergentes.
Se, taxas de variação do PIB global superiores a 3% ao ano, entre 2013 e 2017, segundo cálculos do FMI, enfeixam uma crise, o que dizer da contração acumulada acima de 9% do agregado brasileiro, no intervalo de tempo compreendido entre abril de 2014 e dezembro de 2016? Trata-se da mais profunda e longa retração econômica da história da republica nacional, fruto de descalabros de natureza macro e disfunções políticas e institucionais made in Brazil, mal compreendidos pelos entes que ocupam os espaços do executivo e legislativo em Brasília.
O artigo foi escrito por Gilmar Mendes Lourenço, Economista, Consultor, Professor da FAE Business School e ex-Presidente do IPARDES.